Anima Mea
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pĂ©s do caminhante.Era de ver a fĂșnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»â NĂŁo temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma â
Respondi-lhe: «A minha alma jå morreu!»
Sonetos sobre Repente de Antero de Quental
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Em sonho, Ă s vezes, se o sonhar quebranta
Este meu vĂŁo sofrer; esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o cĂ©u a minh’alma sobe e canta.Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao mundo traz piedosa mais um dia…
Canta o enlevo das cousas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta…Mas, de repente, um vento humido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda. â A noite Ă© negra e muda: a dorCĂĄ vela, como d’antes, ao meu lado…
Os meus cantos de luz, anjo adorado,
SĂŁo sonho sĂł, e sonho o meu amor!
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me påra o coração robusto.Não que de larvas me povÎe a mente
Esse vĂĄcuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionĂĄrios,
Nem desfilar de espectros mortuĂĄrios,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, hĂșmido e morno,
Um muro de silĂȘncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiÔes do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂŽa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visĂ”es da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
No Circo
(A JoĂŁo de Deus)
Muito longe d’aqui, nem eu sei quando,
Nem onde era esse mundo, em que eu vivia…
Mas tĂŁo longe… que atĂ© dizer podia
Que enquanto lĂĄ andei, andei sonhando…Porque era tudo ali aĂ©reo e brando,
E lĂșcida a existĂȘncia amanhecia…
E eu… leve como a luz… atĂ© que um dia
Um vento me tomou, e vim rolando…CaĂ e achei-me, de repente, involto
Em luta bestial, na arena fera,
Onde um bruto furor bramia solto.Senti um monstro em mim nascer n’essa hora,
E achei-me de improviso feito fera…
â Ă assim que rujo entre leĂ”es agora!