Sonetos sobre Pés

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Sonetos de pés escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Magro, de Olhos azuis, Carão Moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

O Anjo Da Redenção

Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mão de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sóis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.

Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do ódio bifronte, torso, torvo e duro.

Maravilhas nos olhos e prodígios
Nos olhos, chega dos azuis litígios
Desce à tua caverna de bandido.

E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!

Crepúsculo

Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lírios roxos e dolentes…

E os lírios fecham… Meu Amor, não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes…

O Silêncio abre as mãos… entorna rosas…
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando…

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando…

Gonçalves Dias

(AO PÉ DO MAR)

SE EU PUDESSE cantar a grande história,
Que envolve ardente o teu viver brilhante…
Filho dos trópicos que – audaz gigante –
Desceste ao túmulo subindo à Glória!

Teu túmulo colossal – nest’hora eu fito –
Altivo, rugidor, sonoro, extenso –
O mar!… e ……. O sim, teu crânio imenso
Só podia conter-se no infinito…

E eu – sou louco talvez – mas quando, forte,
Em seu dorso resvala – ardente – norte,
E ele espumante estruge, brada, grita,

E em cada vaga uma canção estoura…
Eu – creio ser tu’alma que, sonora,
Em seu seio sem fim – brava – palpita!

Lágrimas

Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.

Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.

E dizia-lhe então, de olhos enxutos:
– “Tu pareces nascida da rajada,
“Tens despeitos raivosos, resolutos:

“Chora, chora, mulher arrenegada;
“Lagrimeja por esses aquedutos…
-“Quero um banho tomar de água salgada.”

A uma Bailarina

Quero escrever meu verso no momento
Em que o limite extremo da ribalta
Silencia teus pés, e um deus se exalta
Como se o corpo fosse um pensamento.

Além do palco, existe o pavimento
Que nunca imaginamos em voz alta,
Onde teu passo puro sobressalta
Os pássaros sutis do movimento.

Amo-te de um amor que tudo pede
No sensual momento em que se explica
O desejo infinito da tristeza,

Sem que jamais se explique ou desenrede,
Mariposa que pousa mas não fica,
A tentação alegre da pureza.

Anima Mea

Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.

Era de ver a fúnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»

— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).

Eu não busco o teu corpo… Era um troféu
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»

Primavera

Passei a Primavera de meus anos
Com maternais desvelos amorosos.
Com meiguices, afagos carinhosos,
Com mimos de solícitos afanos.

Desenfaixado dos primeiros panos,
Pus-me em pé, dei passinhos vagarosos,
Logo corridas, saltos brincalhosos,
Travessuras de meninais enganos.

Nesta idade infantil da Primavera,
Com outros meus iguais brincões folgava.
Ah, quão gostoso, então, o tempo me era!

Inocente brincar só me encantava:
Feliz, se aqui ficando eu conhecera
A força do prazer que desfrutava!

Maldade

Tu podes ser igual a todo o mundo
teres defeitos mais que toda a gente,
– que importa ? se este amor cego e profundo
teima em dizer que te acha diferente!

Para mim (eu que te amo como um louco)
os que falam de ti são línguas más,
– ah! todo o amor que te dedico é pouco
e é sempre pouco o amor que tu me dás!

Sou a sombra que segue os teus desejos
e aos teus pés, numa oferta extraordinária
a minha alma vendeu-se por teus beijos…

Falam de ti… Escuto-os… Fico mudo…
Quanta maldade cruel, desnecessária
se eu já sei quem tu és… se eu sei de tudo!

Infante

Dá-me o sol a minha fronte. Doloridos
e chagados meus pés descalços vão fugindo…
– Memórias dos meus doidos passos incontidos!
– Ó meu rumor do mundo em pétalas abrindo!

Ó corças que correis pela tarde desferindo
o balido ligeiro que alonga os ouvidos…
– Tarde de écloga e mel silvestre reluzindo…
– Minhas vinhas de vinhos de oiro não bebidos…

Desfolham-se ilusões e vão-se sem apegos…
Murchou a flor dos meus desejos com que pude
a vida transformar em ócios e sossegos…

Que lucrei, eu, Senhor! com horas execráveis
dum sonho que perdeu meu corpo de virtude?
– o pródigo que fui dos erros inefáveis!

Vaidade

Tua vaidade é como um deus antigo
exige sacrifícios aos seus pés…
Olhar-te, é desafiar algum perigo,
amar-te, é procurar algum revés…

Olhei-te, e desde então teus passos sigo…
Amei-te, e mesmo assim. não sei quem és…
Meu amor, pobre amor, quase o maldigo,
talvez seja outra vitima a teus pés…

Amores, esperanças e desejos
ardem nos castiçais dessa vaidade
ao incenso sensual que há nos teus beijos.. .

Eis que te trago aqui meu coração.
Já de nada me serve, se em verdade
converteu-se a tão fútil religião!

A Giganta

No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava à terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pés d’uma rainha!

Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razão, aos seus jogos terríveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensíveis

Percorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E às vezes, no verão, quando no ardente solo

Eu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente à sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!

Tradução de Delfim Guimarães

Abnegação

Chovam lírios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glória na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!

Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!

E nem sequer te lembres de que eu choro…
Esquece até, esquece, que te adoro…
E ao passares por mim, sem que me olhes,

Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraída ou rindo esfolhes!

O Camarim

A luz do sol afaga docemente
As bordadas cortinas de escumilha;
Penetrantes aromas de baunilha
Ondulam pelo tépido ambiente.

Sobre a estante do piano reluzente
Repousa a Norma, e ao lado uma quadrilha;
E do leito francês nas colchas brilha
De um cão de raça o olhar inteligente.

Ao pé das longas vestes, descuidadas
Dormem nos arabescos do tapete
Duas leves botinas delicadas.

Sobre a mesa emurchece um ramalhete,
E entre um leque e umas luvas perfumadas
Cintila um caprichoso bracelete.

Fraqueza

Espero-te… E sei bem que eu só que te espero…
Aqui me tens… Constante e eterna é a expectativa!
Por que hei de ser assim sempre ingênuo e sincero
por mais que experiência eu tenha, e a vida eu viva?

Chegarás… e terás uma resposta esquiva
ao que te perguntar… E eu que tanto te quero
renderei novamente a minha alma cativa,
enquanto sorrirás feliz… e eu desespero…

Há um imenso poder nessa tua humildade,
e esse teu ar de mansa ternura e meiguice
estraçalha aos teus pés toda a minha vontade…

Que fazer? Hei de sempre perdoar o que fazes…
E se choras, nem sei… Esquecendo o que disse
sou eu que enxugo o pranto e ainda proponho as pazes!

Soneto 246 Incontinente

Soneto é o mundo inteiro em pouco espaço,
mas, para os mais lacônicos, prolixo.
O gosto é variado, e o metro, fixo,
e amante deste oxímoro me faço.

A prosa pesa, empilha um calhamaço.
Concisas poesias são prefixo.
Somente no soneto gravo e mixo
começo, meio e fim, no exato laço.

Qualquer história, fábula ou idéia
comporta enunciado num soneto,
da simples anedota a uma epopéia.

Apenas dois assuntos, eu prometo,
não cabem no soneto: a diarréia
e o pé, mas porque sobram, não por veto.

Por Que Falar De Amor ?

“Por Que Falar De Amor ?”
I
Sonhei fazer-te minha só: – rainha!
Quiseste ser apenas cortesã.
E o desejo a crescer, – planta daninha-
foi tornando este amor sem amanhã.

Para mim, não bastava seres minha;
quis no céu, por a estrela da manhã,
e acabei por moldar-me ao que convinha
a essa tua paixão de terra chã.

Se não deste valor ao coração,
mas aos sentidos, em que se consomem
restos de um erotismo em combustão,

por que falar de amor? Foste lograda;
tu não tens aos teus pés o amor de um homem,
tens um fauno de rastros… e mais nada!

Profissão De Fé

Meu verso quero enxuto mas sonoro
levando na cantiga essa alegria
colhida no compasso que decoro
com pés de vento soltos na harmonia.

Na dança das palavras me enamoro
prossigo passional na melodia
amante da metáfora em meus poros
já vou vagando em vasta arritmia .

No vôo aliterado sigo o rumo
dos mares mais remotos navegados
e em faias de catraias me consumo.

É meu rito subscrito e bem firmado
sem o temor do velho e seu resumo
num eterno retorno renovado.

Descida

O que tinha de ser já foi… E está perdida
aquela ânsia de espera, de desejo e fé,
e tudo o que virá será cópia esbatida
da Vida que foi Vida e hoje Vida não é…

Muito pouco de tudo ainda resta de pé…
Agora, nunca mais estréias… Repetida
a alma se reverá um desespero, até
que a vida já não valha a pena ser vivida…

Do que foi canto e flor restam só as raízes,
e ao tédio que envenena os dias mais risonhos
repito: nunca mais estréias… só reprises…

E que importa o que vier? Sejam anos ou meses?
– Nunca mais a beleza dos primeiros sonhos!
– Nunca mais a surpresa das primeiras vezes!

A Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.