A Alma Não se Usa na Superfície do Mundo
Se alguma coisa há que esta vida tem para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses, é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhecermos a nós mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é um abismo obscuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual, morreríamos na alma de anemia. Ninguém conhece outro, e ainda bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, ainda que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo.
Passagens de Fernando Pessoa
1382 resultadosDa minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo… Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer.(…)
Os psiquiatras sabem (às vezes) como trabalha o espírito doente, mas não como trabalha o espírito são.
A alma humana é um abismo escuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do mundo.
A delicadeza deve concluir-se, e não ver-se. (…) A grosseria só começa quando começa a delicadeza; e o impudor desde que o pudor exista.
Nada é indiferente àqueles a quem tudo é indiferente. Um gesto, uma cor, tudo os deleita e os detém até que outra minimidade a destrona.
Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos) (Bernardo Soares)
Nunca vou para onde há risco. tenho medo a tédio dos perigos.
Viver parece-me um erro metafísico da matéria, um descuido da inacção.
A meio caminho entre a fé e a crítica está a estalagem da razão. A razão é a fé no que se pode compreender sem fé; mas é uma fé ainda, porque compreender envolve pressupor que há qualquer coisa compreensível.
Aquele que conheceu apenas a uma mulher e amou de verdade, sabe muito mais das mulheres do que aquele que conheceu a mil.
Natal na Província
Natal… Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.
Ver e ouvir são as únicas coisas nobres que a vida contém. Os outros sentidos são plebeus e carnais. A única aristocracia é nunca tocar.
A realidade é o gesto visível das mãos invisíveis de Deus.
A Única Realidade Social (1)
A única realidade social é um indivíduo, por isso mesmo que ele é a única realidade. O conceito de sociedade é um puro conceito; o de humanidade uma simples ideia. Só o indivíduo vive, só o indivíduo pensa e sente. Só por metáfora ou em linguagem translata se pode aludir ao pensamento ou ao sentimento de uma colectividade. Dizer que Portugal pensa, ou que a humanidade sente é tão razoável como dizer que Portugal se penteia ou que a humanidade se assoa.
(…) Sendo o indivíduo a única realidade social, é o egoísmo a única qualidade real, embora, por disfarces vários e artíficios diversos se construíssem, no decurso da evolução social (não digo do progresso, porque não sei – nem ninguém sabe – se existe progresso) sentimentos altruístas, afinamentos dos instintos.
Para que o indivíduo possa ter uma vida social que lhe seja um elemento de desenvolvimento, ou, em outras palavras, para que a sociedade seja um ambiente favorável ao desenvolvimento do indivíduo, é forçoso que se faça assentar essa sociedade num conceito egoísta.
Assim se formam naturalmente nações. A nação é o segundo elemento social primário. Os homens não se agrupam fraternitariamente senão por oposição. Sempre nos unimos para nos opormos.
Viver não é necessário. Necessário é criar.
Não saber explicar o que se sente por quem você quer a todo momento, é amar.
O sentimento une os homens; a inteligência separa-os.
Põe-me as Mãos nos Ombros…
Põe-me as mãos nos ombros…
Beija-me na fronte…
Minha vida é escombros,
A minha alma insonte.Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê,
E vê tudo estranho.Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo…
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.