Regenerada
De mĂŁos postas, Ă luz de frouxos cĂrios
Rezas para as Estrelas do Infinito,
Para os Azuis dos siderais EmpĂreos
Das Orações o doloroso rito.Todos os mais recĂ´nditos martĂrios,
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lĂrios,
Num trêmulo de frases inaudito.Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos, d’estranhos, mĂsticos enleios,
Já nas Mágoas estão divinizados.Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.
Sonetos sobre Mágoa
109 resultadosTĂŁo Conformes na Ventura
Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana, banhando o lindo seio,
Outras tantas de um áspero receio
Salteado LaurĂ©nio a cor perdia.Ela, que a SĂlvio mais que a si queria,
Para podĂŞ-lo ver nĂŁo tinha meio.
Ora como curara o mal alheio
Quem o seu mal tĂŁo mal curar podia?Ele, que viu tĂŁo clara esta verdade,
Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavam, de mágoa, a piedade):Como pode a desordem da natura
Fazer tĂŁo diferentes na vontade
Aos que fez tĂŁo conformes na ventura?
O Meu ImpossĂvel
Minh’alma ardente Ă© uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ă‚nsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!Tudo Ă© vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito.É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vĂŁo! Deus, que tristeza!…Aos meus irmĂŁos na dor já disse tudo
E nĂŁo me compreenderam!…VĂŁo e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto…Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, nĂŁo a chorava como agora,
IrmĂŁos, nĂŁo a sentia como a sinto!…
Versos D’um Exilado
Eu vou partir. Na lĂmpida corrente
Rasga o batel o leito d’água fina
– Albatroz deslizando mansamente
Como se fosse vaporosa Ondina.Exilado de ti, oh! Pátria! Ausente
Irei cantar a mágoa peregrina
Como canta o pastor a matutina
Trova d’amor, Ă luz do sol nascente!NĂŁo mais virei talvez e, lá sozinho,
Hei de lembrar-me do meu pátrio ninho,
D’onde levo comigo a nostalgiaE esta lembrança que hoje me quebranta
E que eu levo hoje como a imagem santa
Dos sonhos todos que já tive um dia!
A Um Livro
No silĂŞncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.Estranho livro que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste Ă© meu, e salma
As orações que choro e rio e canto!…Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizes!… Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!…
Saudade
Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença, em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença.À noute qaundo em funda soledade
Minh’alma se recolhe tristemente,
P’ra iluminar-me a alma descontente,
Se acende o cĂrio triste da Saudade.E assim afeito Ă s mágoas e ao tormento,
E Ă dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida Ă dor e ao sofrimento,Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.
Stella
A SebastiĂŁo Alves
“Eu sou fraca e pequena…”
Tu me disseste um dia,
E em teu lábio sorria
Uma dor tĂŁo serena,Que a tua doce pena
Em mim se refletia
– Profundamente fria,
– Amargamente amena!.Mas essa mágoa, Stella,
De golpe tĂŁo profundo,
Faz tu por esquece-la –Das vastidões no fundo
– É bem pequena a estrela –
– No entanto – a estrela Ă© um mundo!…
Obrigada!
A Nininha Andrade
… E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho…
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tĂŁo pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as nĂveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo vĂ©u…Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!
LXXX
Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florescentes,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.Aquele mesmo objeto, que desvia
Do humano peito as mágoas inclementes,
Esse mesmo em imagens diferentes
Toda a minha tristeza desafia.Se das flores a bela contextura
Esmalta o campo na melhor fragrância,
Para dar uma idéia da ventura;Como, ó Céus, para os ver terei constância,
Se cada flor me lembra a formosura
Da bela causadora de minha ânsia?
Mágoas
Quando nasci, num mĂŞs de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.Mais tarde da existĂŞncia nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca teve flores!Volvendo à quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita Ă Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mágoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lá doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cá mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lágrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Soror Saudade
A Américo Durão
IrmĂŁ, Soror Saudade, me chamaste…
E na minh’alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do prĂłprio sonho que sonhaste.Numa tarde de Outono o murmuraste;
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe;
Jamais me hĂŁo-de chamar outro mais doce;
Com ele bem mais triste me tornaste…E baixinho, na alma de minh’alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,Como se fossem pétalas caindo,
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: “IrmĂŁ, Soror Saudade”…
Aquela Triste E Leda Madrugada
Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂa, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderá ver se apartada.Ela só, viu as lágrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.
Amiga
Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!Beija-me as mĂŁos, Amor, devagarinho…
como se os dois nascĂŞssemos irmĂŁos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mĂŁos,
Os beijos que sonhei prá minha boca!…
Meu Mal
A meu irmĂŁo
Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui a renda dum vitral,
Que fui cipreste, caravela, dor!Fui tudo que no mundo há de maior:
Fui cisne, e lĂrio, e águia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou, um cĂnico riso de Chamfort…Fui a heráldica flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mĂŁos aroma aos nardos…
Deu cor ao eloendro a minha boca…Ah! de Boabdil fui lágrima na Espanha!
E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha,
Mágoa não sei de quê! Saudade louca!
Sem Remédio
Aqueles que me tĂŞm muito amor
NĂŁo sabem o que sinto e o que sou…
NĂŁo sabem que passou, um dia, a Dor
Ă€ minha porta e, nesse dia, entrou.E Ă© desde entĂŁo que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!Sinto os passos da Dor, essa cadĂŞncia
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio.
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!
SĂmiles
(Desterro)
Pedro traiu a fé do Apostolado.
Madalena chorou de arrependida;
E nessa mágoa triste e indefinida
Havia ainda uns laivos de pecado.Tudo que a BĂblia tinha decretado,
Tudo o que a lenda humilde e dolorida
De Jesus Cristo apregoou na vida,
Cumpriu-se à risca, foi executado.O filho-Deus da cândida Maria,
Da flor de JericĂł, na cruz sombria
Os seus dias amáveis terminou.Pedro traiu a fé dos companheiros.
Madalena chorou sob os olmeiros
Jesus Cristo sofreu e… perdoou.
Apartava-Se Nise De Montano
Apartava-se Nise de Montano,
em cuja alma partindo-se ficava;
que o pastor na memĂłria a debuxava,
por poder sustentar-se deste engano.Pelas praias do ĂŤndico Oceano
sobre o curvo cajado s’encostava,
e os olhos pelas águas alongava,
que pouco se doĂam de seu dano.Pois com tamanha mágoa e saudade
(dezia) quis deixar-me a que eu adoro,
por testemunhas tomo CĂ©u e estrelas.Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
levai também as lágrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!
Ditoso Seja Aquele Que Somente
Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
ois por elas não perde as esperanças
de poder n’algum tempo ser contente.Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu’, inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo,
sem ficar n’alma a mágoa do pecado.
Que Poderei Do Mundo Já Querer
Que poderei do mundo já querer,
que naquilo em que pus tamanho amor,
nĂŁo vi senĂŁo `desgosto e desamor,
e morte, enfim, que mais nĂŁo pode ser!Pois vida me nĂŁo farta de viver,
pois já sei que não mata grande dor,
se cousa há que mágoa dê maior,
eu a verei; que tudo posso ver.A morte, a meu pesar, me assegurou
de quanto mal me vinha; já perdi
o que perder o medo me ensinou.Na vida desamor somente vi,
na morte a grande dor que me ficou:
parece que para isto sĂł nasci!