Apolo E As Nove Musas, Discantando
Apolo e as nove Musas, discantando
com a dourada lira, me influĂam
na suave harmonia que faziam,
quando tomei a pena, começando:-Ditoso seja o dia e hora, quando
tĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
estar se em seu desejo traspassando!Assi cantava, quando Amor virou
a roda à esperança, que corria
tĂŁo ligeira que quase era invisĂvel.Converteu se me em noite o claro dia;
e, se algĂŒa esperança me ficou,
serĂĄ de maior mal, se for possĂvel.
Passagens de LuĂs de CamĂ”es
351 resultadosNa Desesperação Jå Repousava
Na desesperação jå repousava
o peito longamente magoado,
e, com seu dano eterno concertado,
jĂĄ nĂŁo temia, jĂĄ nĂŁo desejava;quando ĂŒa sombra vĂŁ me assegurava
que algum bem me podia estar guardado
em tĂŁo fermosa imagem que o treslado
n’alma ficou, que nela se enlevava.Que crĂ©dito que dĂĄ tĂŁo facilmente
o coração åquilo que deseja,
quando lhe esquece o fero seu destino!Oh! deixem-me enganar, que eu sou
contente; que, posto que maior meu dano seja,
fica-me a glĂłria jĂĄ do que imagino.
E se uma pouca vida, estando ausente,
Me deixa Amor, Ă© por que o pensamento
Sinta a perda do bem que estĂĄ presente.
Quem diz que Amor Ă© falso ou enganoso
Quem diz que Amor Ă© falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vĂŁo desconhecido,
Sem falta lhe terĂĄ bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.Amor Ă© brando, Ă© doce, e Ă© piedoso.
Quem o contrĂĄrio diz nĂŁo seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.Se males faz Amor em mim se vĂȘem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.Mas todas suas iras sĂŁo de Amor;
Todos os seus males sĂŁo um bem,
Que eu por todo outro bem nĂŁo trocaria.
Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do Céu certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
Chove nela graça tanta,
Que då graça à fermosura.
Vai fermosa, e nĂŁo segura.
Descalça vai pera a fonte
Lianor, pela verdura;
Vai fermosa, e nĂŁo segura.
Pera quem as conchinhas ruivas cavo
Na praia, os brancos bĂșzios apanhando?
Pera quem, de mergulho no mar bravo,
Os ramos de coral venho arrancando?
Amor, Co A Esperança Jå Perdida
Amor, co a esperança jå perdida,
teu soberano templo visitei;
por sinal do naufrĂĄgio que passei,
em lugar dos vestidos, pus a vida.Que queres mais de mim, que destruĂda
me tens a glĂłria toda que alcancei?
Não cuides de forçar me, que não sei
tornar a entrar onde nĂŁo hĂĄ saĂda.VĂȘs aqui alma, vida e esperança,
despojos doces de meu bem passado,
enquanto quis aquela que eu adoro:nelas podes tomar de mim vingança;
e se inda nĂŁo estĂĄs de mim vingado,
contenta te com as lĂĄgrimas que choro.
Sem Causa, Juntamente Choro e Rio
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.Ă tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.Estando em terra, chego ao céu voando;
Num’ hora acho mil anos, e Ă© de jeito
Que em mil anos nĂŁo posso achar um’ hora.Se me pergunta alguĂ©m porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que sĂł porque vos vi, minha Senhora.
Vejo que nem um Breve Engano Posso Ter
Quando de minhas mĂĄgoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece,
Que para mi foi sonho nesta vida.LĂĄ numa soidade, onde estendida
A vista por o campo desfalece,
Corro apĂłs ela; e ela entĂŁo parece
Que mais de mi se alonga, compelida.Brado: â NĂŁo me fujais, sombra benina. â
Ela (os olhos em mi c’um brando pejo,
Como quem diz que jĂĄ nĂŁo pode ser)Torna a fugir-me; torno a bradar: â Dina…
E antes que diga mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
Amor Ă© um Fogo que Arde sem se Ver
Amor Ă© um fogo que arde sem se ver;
Ă ferida que dĂłi, e nĂŁo se sente;
Ă um contentamento descontente;
Ă dor que desatina sem doer.Ă um nĂŁo querer mais que bem querer;
Ă um andar solitĂĄrio entre a gente;
Ă nunca contentar-se e contente;
Ă um cuidar que ganha em se perder;Ă querer estar preso por vontade;
Ă servir a quem vence, o vencedor;
Ă ter com quem nos mata, lealdade.Mas como causar pode seu favor
Nos coraçÔes humanos amizade,
Se tĂŁo contrĂĄrio a si Ă© o mesmo Amor?
Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
QuĂŁo asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
entĂŁo nĂŒ’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.Ah! quanto milhor fora nĂŁo vos ver,
gostos, que assi passais tĂŁo de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:sem vĂłs jĂĄ me nĂŁo fica que perder,
se nĂŁo se for esta cansada vida,
que por mor perda minha nĂŁo perdi.
Transforma-se o amador na coisa amada
Por virtude de muito imaginar,
NĂŁo tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Corro Após este Bem que não se Alcança
Oh como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vĂŁo discurso humano!Minguando a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiĂȘncia se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
De vista se me perde, e da esperança.
Nas praias desertas onde mar junta ciscos, para castiçal do inferno, o cão é melhor do que cristo.
EstĂĄ Se A Primavera Trasladando
EstĂĄ se a Primavera trasladando
em vossa vista deleitosa e honesta;
nas lindas faces, olhos, boca e testa,
boninas, lĂrios, rosas debuxando.De sorte, vosso gesto matizando,
Natura quanto pode manifesta
que o monte, o campo, o rio e a floresta
se estĂŁo de vĂłs, Senhora, namorando.Se agora nĂŁo quereis que quem vos ama
possa colher o fruito destas flores,
perderão toda a graça vossos olhos.Porque pouco aproveita, linda Dama,
que semeasse Amor em vĂłs amores,
se vossa condição produze abrolhos.
Ă grandes e gravĂssimos perigos!
Para que quero a GlĂłria Fugitiva?
Jå é tempo, jå, que minha confiança
Se desça duma falsa opinião;
Mas Amor nĂŁo se rege por razĂŁo,
Não posso perder, logo, a esperança.A vida sim, que uma åspera mudança
Não deixa viver tanto um coração.
E eu só na morte tenho a salvação?
Sim, mas quem a deseja não a alcança.Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah dura lei de Amor, que nĂŁo consente
Quietação num’alma que Ă© cativa!Se hei-de viver, enfim, forçadamente,
Para que quero a glĂłria fugitiva
Duma esperança vã que me atormente?
Nunca nesta alma minha, aonde estais,
Falteis, porque então falta a esperança,
Sem quem me falta a vida muito mais.