Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga
Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o CĂ©u conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memĂłria, que suspira,
sĂł por fazer convosco eterna liga.Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tĂŁo viva vos terei, que frio e fome
vos não possam tirar, nem vãos perigos.Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vĂłs, sĂł com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.
Passagens de LuĂs de CamĂ”es
351 resultadosAmor um Mal que Falta quando Cresce
Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;Se nela o CĂ©u mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?Ora, enfim, sublimai vossa vitĂłria,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga histĂłria.Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
JĂĄ me fico logrando desta glĂłria
De ver que tendes tanta de matar-me.
O ferido Sem Ter Cura Perecia
O Ferido sem ter cura perecia
o forte e duro TĂ©lefo temido,
por aquele que n’ĂĄgua foi metido,
a quem ferro nenhum cortar podia.Ao ApolĂneo OrĂĄculo pedia
conselho para ser restituĂdo;
respondeu que tornasse a ser ferido
por quem o jĂĄ ferira, e sararia.Assi, Senhora, quer minha ventura
que, ferido de ver vos, claramente
com vos tornar a ver Amor me cura.Mas Ă© tĂŁo doce vossa fermosura,
que fico como hidrĂłpico doente,
que co beber lhe cresce mor secura.
Fermosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do cĂ©u certĂssimos sinais.
Sois claro raio, sois ardente chama.
Vós, Ninfas Da Gangética Espessura
Vós, Ninfas da gangética espessura,
cantai suavemente, em vez sonora,
um grande CapitĂŁo, que a roxa Aurora
dos filhos defendeu da noite escura.Ajuntou-se a caterva negra e dura,
que na Ăurea Quersoneso afouta mora,
para lançar do caro ninho fora
aqueles que mais podem que a ventura.Mas um forte LeĂŁo, com pouca gente,
a multidão tão fera como nécia
destruindo castiga e torna fraca.Pois, Ăł Ninfas, cantai! que claramente
mais do que Leonidas fez em Grécia,
o nobre Leonis fez em Malaca.
NĂŁo se pode ter paciĂȘncia com quem quer que lhe façam o que nĂŁo faz.
Porém, seja o que for:
Mude-se, por meu dano, a Natureza;
Perca a inconstĂąncia Amor;
A Fortuna inconstante ache firmeza;
E tudo se conjure contra mi,
Mas eu firme estarei no que emprendi.
Ditoso seja o dia e hora, quando
TĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!
Dest’arte se esclarece o entendimento
Que experiĂȘncias fazem repousado.
E fica vendo, como de alto assento,
O baxo trato humano embaraçado.
Amar e saber amar… Amar com o coração e nĂŁo com a cabeça.
Ai de mim, que me abraso em fogo vivo,
Com mil mortes ao lado,
E, quando morro mais, entĂŁo mais vivo!
Porque assi me hĂĄ ordenado
Meu infelice estado
Que, quando me convida
A morte, pera a morte tenha vida.
O fraco rei faz fraca a forte gente.
Nos perigos grandes, o temor
Ă muitas vezes maior que o perigo.
Aquela Triste E Leda Madrugada
Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mĂĄgoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂa, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderĂĄ ver se apartada.Ela sĂł, viu as lĂĄgrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.
Eu Cantei JĂĄ, E Agora Vou Chorando
Eu cantei jĂĄ, e agora vou chorando
o tempo que cantei tĂŁo confiado;
parece que no canto jĂĄ passado
se estavam minhas lågrimas criando.Cantei; mas se me alguém pergunta: -Quando?
-Não sei; que também fui nisso enganado.
Ă tĂŁo triste este meu presente estado
que o passado, por ledo, estou julgando.Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas jĂĄ era ao som dos ferros.De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta Ă© mais que os erros?
Lembranças, que lembrais meu bem passado
Lembranças, que lembrais meu bem passado,
Pera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
Não me deixeis morrer em tal estado.Mas se também de tudo estå ordenado
Viver, como se vĂȘ, tĂŁo descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dĂȘ a morte fim a meu cuidado.Que muito melhor Ă© perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.Assim que nada perde quem perdida
A esperança traz de sua glória,
Se esta vida hĂĄ-de ser sempre em tormento.
Antes que o Sol dĂȘ no cĂ©u uma volta
Se pode melhorar minha ventura.
Ah o amor… que nasce nĂŁo sei onde, vem nĂŁo sei como, e dĂłi nĂŁo sei porquĂȘ.
Sempre, Cruel Senhora, Receei
Sempre, cruel Senhora, receei,
medindo vossa grã desconfiança,
que desse em desamor vossa tardança,
e que me perdesse eu, pois vos amei.Perca-se, enfim, jĂĄ tudo o que esperei,
pois noutro amor jå tendes esperança.
Tão patente serå vossa mudança,
quanto eu encobri sempre o que vos dei.Dei-vos a alma, a vida e o sentido;
de tudo o que em mim hĂĄ vos fiz s
enhora. Prometeis e negais o mesmo Amor.Agora tal estou que, de perdido,
nĂŁo sei por onde vou, mas algĂŒ’hora
vos darå tal lembrança grande dor.