O sutil movimento
Dos olhos, cuja vista Amor cegou.
Passagens de LuĂs de CamĂ”es
351 resultadosTomou-me Vossa Vista Soberana
Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais Ă mĂŁo,
Por mostrar a quem busca defensĂŁo
Contra esses belos olhos, que se engana.Por ficar da vitĂłria mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razĂŁo;
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vĂŁo,
Que contra o Céu não vale defensa humana.Contudo, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitĂłria,
Ser-vos ela bem pouco estĂĄ entendido.Pois, inda que eu me achasse apercebido,
NĂŁo levais de vencer-me grande glĂłria,
Eu a levo maior de ser vencido.
Quando Cuido No Tempo Que, Contente
Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vĂȘ por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente.Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quĂŁo distante de vĂłs mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar tambĂ©m me ausente.JĂĄ foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo);Agora, em tanto mal não mo assegura
a prĂłpria fantasia e nojo vosso:
eu nĂŁo posso entender este segredo!
Amor Fero e Cruel, Fortuna Escura
GrĂŁo tempo hĂĄ jĂĄ que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada,
Que a longa experiĂȘncia da passada
Me dava claro indĂcio da futura.Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruĂ, nĂŁo fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.Soube Amor da Ventura que a nĂŁo tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossĂveis me mantinha.Mas vĂłs, Senhora, pois que minha estrela
NĂŁo foi melhor, vivei nesta alma minha,
Que nĂŁo tem a Fortuna poder nela.
Sempre a RazĂŁo vencida foi de Amor
Sempre a RazĂŁo vencida foi de Amor;
Mas, porque assim o pedia o coração,
Quis Amor ser vencido da RazĂŁo.
Ora que caso pode haver maior!Novo modo de morte e nova dor!
Estranheza de grande admiração,
Que perde suas forças a afeição,
Por que nĂŁo perca a pena o seu rigor.Pois nunca houve fraqueza no querer,
Mas antes muito mais se esforça assim
Um contrĂĄrio com outro por vencer.Mas a RazĂŁo, que a luta vence, enfim,
NĂŁo creio que Ă© RazĂŁo; mas hĂĄ-de ser
Inclinação que eu tenho contra mim.
Quem Vos Levou De Mim, Saudoso Estado
Quem vos levou de mim, saudoso estado,
que tanta sem-razĂŁo comigo usastes?
Quem foi, por quem tĂŁo presto me negastes,
esquecido de todo o bem passado?Trocastes-me um descanso em um cuidado
tĂŁo duro, tĂŁo cruel, qual m’ordenastes;
a fĂ©, que tĂnheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercĂȘ,
amor com desamor me revolveu.Bem sei que neste caso nada val,
que quem naceu chorando, justo Ă©
que pague com chorar o que perdeu.
Os montes de mais perto respondiam,
Quase movidos de alta piedade.
Pouco te Ama
Na metade do Céu subido ardia
O claro, almo Pastor, quando deixavam
O verde pasto as cabras, e buscavam
A frescura suave da ĂĄgua fria.Com a folha das ĂĄrvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavam;
O mĂłdulo cantar, de que cessavam,
SĂł nas roucas cigarras se sentia.Quando Liso Pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.Porque te vĂĄs de quem por ti se perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.
Que maior bem deseja quem vos ama
Que estar desabafando seus tormentos,
Chorando, imaginando docemente?
Jamais haverĂĄ ano novo se continuar a copiar os erros dos anos velhos.
Morro com a PĂĄtria
Senhora JĂĄ Dest’alma, Perdoai
Senhora jĂĄ dest’alma, perdoai
de um vencido de Amor os desatinos,
e sejam vossos olhos tĂŁo beninos
com este puro amor, que d’alma sai.A minha pura fĂ© somente olhai,
e vede meus extremos se sĂŁo finos;
e se de algĂŒa pena forem dinos,
em mim, Senhora minha, vos vingai.NĂŁo seja a dor que abrasa o triste peito
causa por onde pene o coração,
que tanto em firme amor vos Ă© sujeito.Guardai-vos do que alguns, Dama, dirĂŁo,
que, sendo raro em tudo vosso objeito,
possa morar em vĂłs ingratidĂŁo.
Quem siso quer ter nĂŁo tenha amores.
Descalça vai para a fonte
Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.Leva na cabeça o pote,
O testo nas mĂŁos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e nĂŁo segura.Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
TĂŁo linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que då graça à fermosura.
Vai fermosa e nĂŁo segura.
Onde HĂĄ Inveja, nĂŁo HĂĄ Amizade
Grande trabalho é querer fazer alegre rosto quando o coração estå triste: pano é que não toma nunca bem esta tinta; que a Lua recebe a claridade do Sol, e o rosto, do coração. Nada då quem não då honra no que då: não tem que agradecer quem, no que recebe, a não recebe; porque bem comprado vai o que com ela se compra. Nada se då de graça o que se pede muito. Estå certo! Quem não tem uma vida tem muitas. Onde a razão se governa pela vontade, hå muito que praguejar, e pouco que louvar. Nenhuma cousa homizia os homens tanto consigo como males de que se não guardaram, podendo. Não hå alma sem corpo, que tantos corpos faça sem almas, como este purgatório a que chamais honra; donde muitas vezes os homens cuidam que a ganham, aà a perdem. Onde hå inveja, não hå amizade; nem a pode haver em desigual conversação. Bem mereceu o engano quem creu mais o que lhe dizem que o que viu. Agora, ou se hå-de viver no mundo sem verdade, ou com verdade sem mundo. E para muito pontual, perguntai-lhe de onde vem; vereis que algo tiene en el cuerpo,
Tudo me defendei, senĂŁo sĂł ver-vos,
E dentro na minha alma contemplar-vos,
Ao menos que nĂŁo chegue a aborrecer-vos.
Lembranças Saudosas
Lembranças saudosas, se cuidais
De me acabar a vida neste estado,
NĂŁo vivo com meu mal tĂŁo enganado,
Que nĂŁo espere dele muito mais.De longo tempo jĂĄ me costumais
A viver de algum bem desesperado:
JĂĄ tenho co’a Fortuna concertado
De sofrer os tormentos que me dais.Atada ao remo tenho a paciĂȘncia
Para quantos desgostos der a vida;
Cuide quanto quiser o pensamento.Que pois nĂŁo posso ter mais resistĂȘncia
Para tĂŁo dura queda, de subida,
Aparar-lhe-ei debaixo o sofrimento.
Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso
Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;Qual lĂngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti hĂĄ se vĂȘ perdida?Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂso,
Logo o engenho me falta, o espĂrito mĂngua.Mas o que mais me impede inda louvar-te,
Ă que quando te vejo perco a lĂngua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.
TĂŁo Conformes na Ventura
Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana, banhando o lindo seio,
Outras tantas de um ĂĄspero receio
Salteado LaurĂ©nio a cor perdia.Ela, que a SĂlvio mais que a si queria,
Para podĂȘ-lo ver nĂŁo tinha meio.
Ora como curara o mal alheio
Quem o seu mal tĂŁo mal curar podia?Ele, que viu tĂŁo clara esta verdade,
Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavam, de mĂĄgoa, a piedade):Como pode a desordem da natura
Fazer tĂŁo diferentes na vontade
Aos que fez tĂŁo conformes na ventura?
Fermosos olhos, ande a gente e ande,
Que nunca vos ireis desta alma minha,
Por mais que o Tempo corra e a Morte o mande.