Passagens de Luís de Camões

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Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;

Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e não em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;

animo da cobiça baixa isento,
dino por isso só de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;

gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continência,
obra por certo rara de natura:

estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homérica eloquência,
jazem debaixo desta sepultura

O dia em que nasci moura e pereça,

O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Foi Já Num Tempo Doce Cousa Amar

Foi já num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.

Ó vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana üa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crê que há de durar!

Quem já se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razão tem de viver bem magoado.

Porém quem tem o mundo exprimentado,
não o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranhará o costumado.

Despois Que Quis Amor Que Eu Só Passasse

Despois que quis Amor que eu só passasse
quanto mal já por muitos repartiu,
entregou me à Fortuna, porque viu
que não tinha mais mal que em mim mostrasse.

Ela, porque do Amor se avantajasse
no tormento que o Céu me permitiu,
o que para ninguém se consentiu,
para mim só mandou que se inventasse.

Eis me aqui vou com vário som gritando,
copioso exemplário para a gente
que destes dous tiranos é sujeita,

desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
que deste tão pequeno está contente!

Vi já que a Primavera, de contente,
De mil cores alegres, revestia
O monte, o rio, o campo, alegremente.

O Capitão Ilustre, e Assinalado, Dom Fernando de Castro

Debaixo desta pedra está metido,
Das sanguinosas armas descansado,
O Capitão ilustre, e assinalado,
Dom Fernando de Castro, e esclarecido.

Este por todo o Oriente tão metido,
Este da própria inveja tão cantado,
Este, enfim, raio de Mavorte irado,
Aqui está agora em terra convertido.

Alegra-te, ó guerreira Lusitânia,
Por est’outro Viriato que criaste,
E chora a perda sua eternamente.

Exemplo toma nisto de Dardânia;
Que se a Roma com ele aniquilaste,
Nem por isso Cartago está contente.

Tomou-me Vossa Vista Soberana

Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar a quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.

Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.

Contudo, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos ela bem pouco está entendido.

Pois, inda que eu me achasse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória,
Eu a levo maior de ser vencido.

Quando Cuido No Tempo Que, Contente

Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vê por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente.

Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quão distante de vós mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar também me ausente.

Já foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo);

Agora, em tanto mal não mo assegura
a própria fantasia e nojo vosso:
eu não posso entender este segredo!

Amor Fero e Cruel, Fortuna Escura

Grão tempo há já que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada,
Que a longa experiência da passada
Me dava claro indício da futura.

Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruí, não fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.

Soube Amor da Ventura que a não tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossíveis me mantinha.

Mas vós, Senhora, pois que minha estrela
Não foi melhor, vivei nesta alma minha,
Que não tem a Fortuna poder nela.

Sempre a Razão vencida foi de Amor

Sempre a Razão vencida foi de Amor;
Mas, porque assim o pedia o coração,
Quis Amor ser vencido da Razão.
Ora que caso pode haver maior!

Novo modo de morte e nova dor!
Estranheza de grande admiração,
Que perde suas forças a afeição,
Por que não perca a pena o seu rigor.

Pois nunca houve fraqueza no querer,
Mas antes muito mais se esforça assim
Um contrário com outro por vencer.

Mas a Razão, que a luta vence, enfim,
Não creio que é Razão; mas há-de ser
Inclinação que eu tenho contra mim.

Quem Vos Levou De Mim, Saudoso Estado

Quem vos levou de mim, saudoso estado,
que tanta sem-razão comigo usastes?
Quem foi, por quem tão presto me negastes,
esquecido de todo o bem passado?

Trocastes-me um descanso em um cuidado
tão duro, tão cruel, qual m’ordenastes;
a fé, que tínheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.

Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercê,
amor com desamor me revolveu.

Bem sei que neste caso nada val,
que quem naceu chorando, justo é
que pague com chorar o que perdeu.

Pouco te Ama

Na metade do Céu subido ardia
O claro, almo Pastor, quando deixavam
O verde pasto as cabras, e buscavam
A frescura suave da água fria.

Com a folha das árvores, sombria,
Do raio ardente as aves se amparavam;
O módulo cantar, de que cessavam,
Só nas roucas cigarras se sentia.

Quando Liso Pastor, num campo verde,
Natércia, crua Ninfa, só buscava
Com mil suspiros tristes que derrama.

Porque te vás de quem por ti se perde,
Para quem pouco te ama? (suspirava)
E o eco lhe responde: Pouco te ama.

Que maior bem deseja quem vos ama
Que estar desabafando seus tormentos,
Chorando, imaginando docemente?

Senhora Já Dest’alma, Perdoai

Senhora já dest’alma, perdoai
de um vencido de Amor os desatinos,
e sejam vossos olhos tão beninos
com este puro amor, que d’alma sai.

A minha pura fé somente olhai,
e vede meus extremos se são finos;
e se de algüa pena forem dinos,
em mim, Senhora minha, vos vingai.

Não seja a dor que abrasa o triste peito
causa por onde pene o coração,
que tanto em firme amor vos é sujeito.

Guardai-vos do que alguns, Dama, dirão,
que, sendo raro em tudo vosso objeito,
possa morar em vós ingratidão.