Sonetos sobre Imagem

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Sonetos de imagem escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

LXXX

Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florescentes,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.

Aquele mesmo objeto, que desvia
Do humano peito as mágoas inclementes,
Esse mesmo em imagens diferentes
Toda a minha tristeza desafia.

Se das flores a bela contextura
Esmalta o campo na melhor fragrância,
Para dar uma idéia da ventura;

Como, ó Céus, para os ver terei constância,
Se cada flor me lembra a formosura
Da bela causadora de minha ânsia?

XXII

Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o prĂłprio medo
Do feio assombro a hĂłrrida figura;

Aqui, onde nĂŁo geme, nem murmura
ZĂ©firo brando em fĂşnebre arvoredo,
Sentado sabre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.

As lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cĂłpia derretida:

A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.

Hora MĂ­stica

Noite caindo … CĂ©u de fogo e flores.
Voz de CrepĂşsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
SilĂŞncio … Eis-me rezando aos fins do dia.

Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.

Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha Ăłpera de Sol ao Ăşltimo arranco.

E, oh! hora mĂ­stica em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.

LV

Em profundo silêncio já descansa
Todo o mortal; e a minha triste idéia
Se estende, se dilata, se recreia
Pelo espaçoso campo da lembrança.

Fatiga-se, prossegue, em vĂŁo se cansa;
E neste vário giro, em que se enleia,
Ao duvidoso passo já receia,
Que lhe possa faltar a segurança.

Que diferente tudo está notando!
Que perplexo as imagens do perdido
Num e noutro despojo vem achando!

Este nĂŁo Ă© o templo (eu o duvido)
Assim o afirma, assim o está mostrando:
Ou morreu Nise, ou este nĂŁo Ă© Fido.

Na Desesperação Já Repousava

Na desesperação já repousava
o peito longamente magoado,
e, com seu dano eterno concertado,
já não temia, já não desejava;

quando ĂĽa sombra vĂŁ me assegurava
que algum bem me podia estar guardado
em tĂŁo fermosa imagem que o treslado
n’alma ficou, que nela se enlevava.

Que crédito que dá tão facilmente
o coração áquilo que deseja,
quando lhe esquece o fero seu destino!

Oh! deixem-me enganar, que eu sou
contente; que, posto que maior meu dano seja,
fica-me a glória já do que imagino.

LXXIX

Entre este álamo, o Lise, e essa corrente,
Que agora estĂŁo meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mágoa triste, que meu peito sente.

Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.

Na líquida porção, na vegetante
CĂłpia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:

Quem nĂŁo sabe, que a tua formosura
Sempre móvel está, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?

Frieza

Os teus olhos sĂŁo frios como espadas,
E claros como os trágicos punhais;
TĂŞm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas.

Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo o oiro e o sol das madrugadas!

Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!

Tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah! Quem me dera, IrmĂŁ, amar assim!…”

Se Nada Há de Novo

Se nada há de novo e tudo o que há
já dantes era como agora é,
só ilusão a criação será:
criar o já criado para quê?

Que alguém me mostre, sobre um livro antigo
como quinhentas translações astrais,
a tua imagem, na inscrição, no abrigo
do espĂ­rito em seus signos iniciais.

Que eu saiba o que diria o velho mundo
deste milagre que Ă© a tua forma;
se te viram melhor, se me confundo,

se as translações seguem a mesma norma.
Mas disto estou seguro: antigos textos
louvaram mais com bem menores pretextos.

Tradução de Carlos de Oliveira

Prece

Bendita sejas tu em meu caminho!
Bendita sejas tu, pela coragem
com que fizeste de um amor selvagem
esse amor que se humilha ao teu carinho!

Bendita sejas, porque a tua imagem
suaviza toda angĂşstia e todo espinho…
Já não maldigo a insipidez da viagem,
nem me sinto sĂł, nem vou sozinho…

Bendita sejas tantas vezes quantas
são as aves no céu; e são as plantas
na terra; e são as horas de emoção

em que juntos ficamos, de mĂŁos dadas,
como se nossas vidas irmanadas
vivessem por um mesmo coração!

XLIII

Quem Ă©s tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma vĂ­bora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!

NĂŁo era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
NĂŁo era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:

Pois como no letargo a fantasia
TĂŁo cruel ma pintou, tĂŁo inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.

Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor nĂŁo deu favores um sĂł dia,
Que a sombra de um tormento os nĂŁo quebrante.

Esfinge

Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente sĂŁo a imagem.

Embalo em mim um sonho vĂŁo, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!

E Ă  noite, Ă  hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade…

E Ă  tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar…
Esfinge olhando a planĂ­cie enorme…

Nasceu-te um Filho

Nasceu-te um filho. Não conhecerás,
jamais, a extrema solidĂŁo da vida.
Se a nĂŁo chegaste a conhecer, se a vida
ta nĂŁo mostrou – já nĂŁo conhecerás

a dor terrĂ­vel de a saber escondida
até no puro amor. E esquecerás,
se alguma vez adivinhaste a paz
traiçoeira de estar só, a pressentida,

leve e distante imagem que ilumina
uma paisagem mais distante ainda.
Já nenhum astro te será fatal.

E quando a Sorte julgue que domina,
ou mesmo a Morte, se a alegria finda
– ri-te de ambas, que um filho Ă© imortal.

Metempsicose

Ausentes filhas do prazer: dizei-me!
Vossos sonhos quais sĂŁo, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vĂłs se agita e freme?

N’outra vida e outra esfera, aonde geme
Outro vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tinheis? que matéria fria
Vossa alma incendiou, com fogo estreme?

VĂłs fostes nas florestas bravas feras,
Arrastando, leĂ´as ou pantheras,
De dentadas de amor um corpo exangue…

Mordei pois esta carne palpitante,
Feras feitas de gaze flutuante…
Lobas! leĂ´as! sim, bebei meu sangue!

O Anjo De Pernas Tortas

A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés – um pé-de-vento!

Num sĂł transporte a multidĂŁo contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: – Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. É pura dança!

Flores Da Lua

Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂŞncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂŞncia
Dos fantasmas noctĂ­vagos da Cova.

Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂŞncia…
Na mais branda, mais leve florescĂŞncia
Tudo em Visões e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…

E das Origens na luxĂşria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

NĂŁo que de larvas me povĂ´e a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silĂŞncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂ´a o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que mĂ­sticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

Continue lendo…

Velando

Junto dela, velando… E sonho, e afago
Imagens, sonhos, versos comovido…
Vejo-a dormir… O meu olhar Ă© um lago
Em que um lĂ­rio alvorece reflectido…

Vejo-a dormir e sonho… SĂł de vĂŞ-la
Meu olhar se perfuma e em minha vista
Há todo um céu de Amor a estremecê-la
E a devoção ansiosa dum Artista…

– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
Das montanhas do céu, – ó sono leve,
Hálito de jasmim, lĂ­rio, luar…

Respiração de flor, doçura, prece…
-Ă“ rouxinĂłis, calai! Fonte, adormece!…
SenĂŁo o meu Amor pode acordar!…

Sensibilidade

Como os audazes, ruivos argonautas,
Intrépidos, viris e corajosos
Que voltam dos orientes fantasiosos,
Dos paĂ­ses de NĂşbios e Aranautas.

Como esses bravos, que por naus incautas,
Regressam dos oceanos borrascosos,
Indo encontrar nos lares harmoniosos
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.

Tal o meu coração, quando aparece
A tua imagem, canta e resplandece,
Sem lutas, sem paixões, livre de abrolhos.

A meu pesar, louco de ver-te, louco,
As lágrimas me correm pouco a pouco,
Como o champanhe virginal dos olhos…

Musa ImpassĂ­vel I

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um JĂł, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idĂ­lico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistĂ­quio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.

Alma Mater

Alma da Dor, do Amor e da Bondade,
Alma purificada no Infinito,
PerdĂŁo santo de tudo o que Ă© maldito,
Harpa consoladora da Saudade!

Das estrelas serena virgindade,
Alma sem um soluço e sem um grito,
Da alta Resignação, da alta Piedade!
Tu, que as profundas lágrimas estancas

E sabes levantar Imagens brancas
No silencio e na sombra mais velada…

Derrama os lĂ­rios, os teus lĂ­rios castos,
Em Jordões imortais, vastos e vastos,
No fundo da minh’alma lacerada!