Sonetos sobre Descanso

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Sonetos de descanso escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Aquela Triste E Leda Madrugada

Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.

Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂ­a, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderá ver se apartada.

Ela só, viu as lágrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.

Os Mortos

Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.

Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
NĂŁo perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.

Os mortos dĂŁo-nos paz imensa Ă  vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.

Nas lutas vĂŁs do tenebroso mundo
Os mortos sĂŁo ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.

Soneto XXXIIII

Buscando ando ventura e nĂŁo dou nela,
A tudo sĂł por ela me aventuro,
Mas por mais que acho tudo, em vĂŁo procuro
Que sĂł de tudo, em tudo me falta ela.

Se para vê-la velo, também vela
E vai de mim fugindo pelo escuro,
Eu pelo escuro a sigo assaz seguro
Como quem a nĂŁo tem para perdĂŞ-la.

Mas ai, que digo, como não conheço
A ventura que sem ventura alcanço,
Que mor ventura que nĂŁo ter ventura.

Fora ventura então de pouco preço
E tempo, mas faltando a meu descanso,
Achei ventura em vĂłs, que sempre dura.

Soneto Amoroso Defendendo o Amor

SONETO AMOROSO DEFENDENDO O AMOR

É gelo abrasador, fogo gelado,
Ă© ferida que dĂłi e nĂŁo se sente,
Ă© um sonhado bem, um mal presente,
Ă© um breve descanso fatigado;

é um sossego que nos dá cuidado,
um cobarde com nome de valente,
solitário andar por entre gente,
um amar nada mais que ser amado;

Ă© uma liberdade encarcerada,
que dura até ao último momento;
doença que piora se é tratada.

Este o menino Amor, o seu tormento.
Vede a amizade que terá com nada
o que em tudo vai contra o seu intento!

Tradução de José Bento

Em Busca Da Beleza VI

O sono – Oh, ilusĂŁo! – o sono? Quem
Logrará esse vácuo ao qual aspira
A alma que de aspirar em vĂŁo delira
E já nem força para querer tem?

Que sono apetecemos? O d’alguĂ©m
Adormecido na feliz mentira
Da sonolĂŞncia vaga que nos tira
Todo o sentir na qual a dor nos vem?

IlusĂŁo tudo! Querer um sono eterno,
Um descanso, uma paz, nĂŁo Ă© senĂŁo
O Ăşltimo anseio desesperado e vĂŁo.

Perdido, resta o derradeiro inferno
Do tédio intérmino, esse de já não
Nem aspirar a ter aspiração.

Caminho Do SertĂŁo

A meu irmĂŁo JoĂŁo Cancio

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nĂłs dois, meu pobre irmĂŁo, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos…
Vamos mais devagar… de manso e manso,
Para nĂŁo assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor…

Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
TurĂ­bulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.

Louvor A Unidade

“Escafandros, arpões, sondas e agulhas
“Debalde aplicas aos heterogĂŞneos
“FenĂ´menos, e, há inĂşmeros milĂŞnios,
“Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!

“Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,
“Com essa intuição monĂ­stica dos gĂŞnios,
“Ă€ hirta forma falaz do are perennius
“A transitoriedade das fagulhas!”

– Era a estrangulação, sem retumbância,
Da multimilenária dissonância
Que as harmonias siderais invade…

Era, numa alta aclamação, sem gritos,
O regresso dos átomos aflitos
Ao descanso perpétuo da Unidade!

Ao PĂ© Do TĂşmulo

Aos meus

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vĂłs… Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ă“ almas de minh’alma abençoadas.

Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que nĂŁo tarda
Roubar-me a vida para nunca mais…

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no cĂ©u repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.

Alma Fatigada

Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.

A graça do consolo e da tranqüilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mĂłrbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.

Um sonho lirial d’estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqĂĽilas!

Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de mĂ­sticas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!

Fortuna Em Mim Guardando Seu Direito

Fortuna em mim guardando seu direito
em verde derrubou minha alegria.
Oh! quanto se acabou naquele dia,
cuja triste lembrança arde em meu peito!

Quando contemplo tudo, bem suspeito
que a tal bem, tal descanso se devia,
por nĂŁo dizer o mundo que podia
achar-se em seu engano bem perfeito.

Mas se a Fortuna o fez por descontar-me
tamanho gosto , em cujo sentimento
a memĂłria nĂŁo faz senĂŁo matar-me ,

que culpa pode dar-me o sofrimento,
se a causa que ele tem de atormentar-me,
eu tenho de sofrer o seu tormento?

Pinheiro Manso

Copado, alto, gentil Pinheiro Manso;
Debaixo cujos ramos debruçados
Do sol ou lua nunca penetrados,
Já gozei, já gozei mais que descanso…

Quando para onde estás os olhos lanço,
Tantos gostos ao pé de ti passados
Vejo na fantasia retratados,
TĂŁo vivos, que jĂ mais de ver-te canso!

Ah! deixa o outono vir; de um jasmineiro
te hei-de cobrir, terás cópia crescida
De flores, serás honra dêste outeiro.

E para te dar glĂłria mais subida,
No meu tronco feliz, alto Pinheiro,
O teu nome escreverei de Margarida.

À Tua Porta Há um Pinheiro Manso

À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra…

E, Ă  noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

Paisagem

Dorme sob o silĂŞncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finĂ­ssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim da árvores avanço.

Ao fundo do pomar, entre folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvĂ­ssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do lĂ­mpido regato.

Nenhuma ave sequer, sobre a macia alfombra,
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechĂŁ sob a noturna sombra.

E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas a dentro entrando, a noite desce, desce…
E espalham-se no cĂ©u camandulas de estrelas…

Soneto XXXXI

Quando as cerĂşleas ondas no mar alto,
Co’ a branda viração quieto e manso,
Que empolando-se vão de lanço em lanço,
Prognosticam dos ventos bravo assalto,

Os Delfins, com ligeiro e leve salto,
Buscam do melhor porto o mor descanso,
Passando a tempestade em seu remanso
Já livres de temor e sobressalto.

O bravo mar, Ă© este bravo mundo,
Os Delfins, todos nĂłs que nele andamos,
As religiões, seguros mansos portos.

Para eles deste mar nos acolhamos,
Antes que em seu abismo alto e profundo
Soçobrados fiquemos, despois mortos.

Despois Que Quis Amor Que Eu SĂł Passasse

Despois que quis Amor que eu sĂł passasse
quanto mal já por muitos repartiu,
entregou me Ă  Fortuna, porque viu
que nĂŁo tinha mais mal que em mim mostrasse.

Ela, porque do Amor se avantajasse
no tormento que o CĂ©u me permitiu,
o que para ninguém se consentiu,
para mim sĂł mandou que se inventasse.

Eis me aqui vou com vário som gritando,
copioso exemplário para a gente
que destes dous tiranos Ă© sujeita,

desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
que deste tão pequeno está contente!

Quem Vos Levou De Mim, Saudoso Estado

Quem vos levou de mim, saudoso estado,
que tanta sem-razĂŁo comigo usastes?
Quem foi, por quem tĂŁo presto me negastes,
esquecido de todo o bem passado?

Trocastes-me um descanso em um cuidado
tĂŁo duro, tĂŁo cruel, qual m’ordenastes;
a fé, que tínheis dado, me negastes,
quando mais nela estava confiado.

Vivia sem receio deste mal;
Fortuna, que tem tudo a sua mercĂŞ,
amor com desamor me revolveu.

Bem sei que neste caso nada val,
que quem naceu chorando, justo Ă©
que pague com chorar o que perdeu.

Romantismo

Quisera repousar desta vida de agora,
e esquecer no silĂŞncio a dor que me lacera…
– nĂŁo posso ter em mim o ardor da primavera,
– na casa de meu peito uma saudade chora…

E há sempre uma lembrança a recordar de outrora
que me faz sonhador… E há sempre uma quimera,
que ainda vive em minha alma à semelhança da hera
pregada sobre o muro em ruĂ­nas que a vigora…

Quisera me afastar do mundo, e a alma selvagem
repousar bem distante Ă  beira de um remanso
entre o beijo do vento e o choro da folhagem…

E esperar sem ninguĂ©m o prosseguir da vida…
Depois… chegando a morte, em preito ao meu descanso
deixar a minha cruz na solidĂŁo perdida!…

Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta

Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.

Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.

Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.

Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.