Sonetos sobre Entendimento

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Sonetos de entendimento escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Em Tormentos Cruéis

Em tormentos cruéis, tal sofrimento,
em tĂŁo contĂ­nua dor, que nunca aliva,
chamar a morte sempre, e que ela, altiva,
se ria dos meus rogos, no tormento!

E ver no mal que todo entendimento
naturalmente foge, e quanto aviva
a dor mais o vagar da alma cativa,
a quem nĂŁo farĂĄ crer que Ă© tudo um vento?

Bem sei uns olhos, que tĂȘm toda a culpa,
e sĂŁo os meus, que a toda parte vĂȘm
apĂłs o que vĂȘem sempre e os desculpa.

Ó minhas visĂ”es altas, meu sĂł bem,
quem vos a vĂłs nĂŁo vĂȘ, esse me culpa,
e eu sou o só que as vejo, outrem ninguém!

XLVI

NĂŁo vĂȘs, Lise, brincar esse menino
Com aquela avezinha? Estende o braço;
Deixa-a fugir; mas apertando o laço,
A condena outra vez ao seu destino?

Nessa mesma figura, eu imagino,
Tens minha liberdade; pois ao passo,
Que cuido, que estou livre do embaraço,
EntĂŁo me prende mais meu desatino.

Em um contĂ­nuo giro o pensamento
Tanto a precipitar-me se encaminha,
Que nĂŁo vejo onde pare o meu tormento.

Mas fora menos mal esta Ăąnsia minha,
Se me faltasse a mim o entendimento,
Como falta a razĂŁo a esta avezinha.

Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso

Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;

Qual lĂ­ngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti hĂĄ se vĂȘ perdida?

Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂ­so,
Logo o engenho me falta, o espĂ­rito mĂ­ngua.

Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.

Soneto Das Alturas

As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar nĂŁo desĂĄgua, nem no rio.

Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente Ă© no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.

Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidĂŁo deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.

E embora nada atinja, nĂŁo se acalma
e, sendo alma, transpÔe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefåvel e não o vento.

Quando A Suprema Dor Muito Me Aperta

Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.

Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.

Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.

Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.

Soneto III

Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha Ă© descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
TĂȘm a alma, aceso o peito, presa a vida;

Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhĂŁ clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De ĂŒa virtude a poucas concedida;

Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;

Divino e repousado movimento,
E muito mais, que estĂĄ em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.

Quando em Meu Desvelado Pensamento

Quando em meu desvelado pensamento
O teu formoso gesto se afigura,
NĂŁo sei que afecto sinto, ou que ternura,
Que a toda esta alma dĂĄ contentamento.

Ali fico num largo esquecimento,
Contemplando na minha conjectura
De teu sereno rosto a graça pura,
De teus olhos o doce movimento.

Porém logo a inconstante fantasia
Me acorda o entendimento arrebatado,
E desfaz todo o bem que me fingia,

Sendo tal este gosto imaginado,
Que de Amor outra glĂłria eu nĂŁo queria
Mais que trazer-te sempre em meu cuidado.

Amor Ă© um EspĂ­rito InvisĂ­vel

Dizem que fere amor com passadores
e que traz em matar o pensamento,
mas eu julgo que tem amor de vento
quem cuida haver no mundo tais amores.

Também dizem que o pintam os Pintores
menino, nu e cego: e tĂŁo sem tento,
que Ă© mais cego e mais nu d’entendimento,
quem cuida que em amores cabem tais cores.

Amor Ă© um espĂ­rito invisĂ­vel,
que entra por onde quer, e abranda o peito
sem cor, sem arco, aljava, ou seta dura:

Pode num peito humano o impossĂ­vel,
recebe-se somente no conceito,
e tem no coração posse segura.

Amar Ă© Conhecer Virtude Ardente

AMOR QUE, SEM DETER-SE NO ASPECTO SENSITIVO, PASSA AO INTELECTUAL

Mandou-me, ai FĂĄbio!, que a amasse Flora,
e que nĂŁo a quisesse; meu cuidado,
obediente, confuso, torturado,
sem desejĂĄ-la, tal beleza adora.

O que o humano afecto sente e chora
goza o entendimento, enamorado
do espĂ­rito eterno, encarcerado
neste claustro mortal que o entesoura.

Amar Ă© conhecer virtude ardente;
o querer Ă© vontade interessada,
grosseira e rude, passageiramente.

O corpo Ă© terra, sĂȘ-lo-ĂĄ, foi nada;
de Deus procede Ă  eternidade a mente:
eterno amante sou de eterna amada.

Tradução de José Bento

Se pena por amar-vos se merece

Se pena por amar-vos se merece,
Quem dela livre estĂĄ? ou quem isento?
Que alma, que razĂŁo, que entendimento
Em ver-vos se nĂŁo rende e obedece?

Que mor glĂłria na vida se oferece
Que ocupar-se em vĂłs o pensamento?
Toda a pena cruel, todo o tormento
Em ver-vos se nĂŁo sente, mas esquece.

Mas se merece pena quem amando
ContĂ­nuo vos estĂĄ, se vos ofende,
O mundo matareis, que todo Ă© vosso.

Em mim, Senhora, podeis ir começando,
Que claro se conhece e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.

Conselhos A Qualquer Tolo Para Parecer Fidalgo, Rico E Discreto

Bote a sua casaca de veludo,
E seja capitĂŁo sequer dois dias,
Converse Ă  porta de Domingos Dias,
Que pega fidalguia mais que tudo.

Seja um magano, um pĂ­caro, um cornudo,
VĂĄ a palĂĄcio, e apĂłs das cortesias
Perca quanto ganhar nas mercancias,
E em que perca o alheio, esteja mudo.

Sempre se ande na caça e montaria,
DĂȘ nova solução, novo epĂ­teto,
E diga-o, sem propĂłsito, Ă  porfia;

Quem em dizendo: “facção, pretexto, efecto”.
SerĂĄ no entendimento da Bahia
Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.

A JoĂŁo De Deus

Se Ă© lei, que rege o escuro pensamento,
Ser vĂŁ toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento;

É lei tambĂ©m, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E sĂł ter como certa realidade
O que nos mostra claro o entendimento.

O que hĂĄ de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crĂȘ de fĂ©, logo duvida;
Se procura, sĂł acha… o desatino!

SĂł Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida,
Seja a terra degrĂȘdo, o cĂ©u destino.

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”

Retrato de um BĂȘbado

Perdi-me vendo a pipa, o torno aberto;
Minha alma estĂĄ metida em vinho tinto;
TĂŁo bĂȘbado estou que jĂĄ nĂŁo sinto
Ser bĂȘbado coberto ou encoberto.

Tenho a cama longe, o sono perto,
No chĂŁo estou e erguer-me nĂŁo consinto,
A barriga de inchada aperta o cinto,
Falando estou dormindo qual desperto.

Venha mais vinho e dĂȘem-mo vezes cento,
Que alegra o coração, sustenta a vida,
E pouco vai que engrosse o entendimento.

Vingar-me quero, que Ă© grande a bebida;
Tudo o que nĂŁo Ă© beber Ă© lixo e vento,
Que para tĂŁo grande gosto Ă© curta a vida.

Verdade, Amor, RazĂŁo, Merecimento

Verdade, Amor, RazĂŁo, Merecimento,
qualquer alma farĂŁo segura e forte;
porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,
tĂȘm do confuso mundo o regimento.

Efeitos mil revolve o pensamento
e nĂŁo sabe a que causa se reporte;
mas sabe que o que Ă© mais que vida e morte,
que não o alcança humano entendimento.

Doctos varÔes darão razÔes subidas,
mas sĂŁo experiĂȘncias mais provadas,
e por isso Ă© melhor ter muito visto.

Cousas hĂĄ i que passam sem ser criadas
e cousas criadas hĂĄ sem ser passadas,
mas o melhor de tudo Ă© crer em Cristo.

Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse

Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂ­zo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,

verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!