Diferente
Buscando o vĂŁo Ideal que me seduz,
Sem que o atinja me disperso e gasto,
E ansiosamente aos braços duma cruz
Ergo o perfil de iluminado e casto.JĂĄ tristemente desdenhoso afasto
O manto de burel dos ombros nus;
E a noite pisa a forma do meu rasto,
Se deixo atrĂĄs de mim passos de luz.Na minha tez suave e nazarena,
Transparecem vislumbres dessa pena
Que Deus pelos estranhos hĂ sentido…E frio e calmo, a divergir da Raça,
Mal poiso os låbios no cristal da taça
Por onde as outras almas tĂȘm bebido!
Sonetos sobre Nus
63 resultadosBom Dia, Amigo Sol!
Bom dia, amigo Sol! A casa Ă© tua!
As bandas da janela abre e escancara,
– deixa que entre a manhĂŁ sonora e clara
que anda lĂĄ fora alegre pela rua!Entre! Vem surpreendĂȘ-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara…
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne Ă© branca como a Lua!Bom dia, amigo Sol! Ă esse o meu ninho…
Que nĂŁo repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços…Entra! SĂł tu possuis esse direito,
– de surpreendĂȘ-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!…
Afrodite II
Cabelo errante e louro, a pedraria
Do olhar faiscando, o mĂĄrmore luzindo
AlvirrĂłseo do peito, – nua e fria,
Ela Ă© a filha do mar, que vem sorrindo.Embalaram-na as vagas, retinindo,
Ressoantes de pĂ©rolas, – sorria
Ao vĂȘ-la o golfo, se ela adormecia
Das grutas de Ăąmbar no recesso infindo.Vede-a: veio do abismo! Em roda, em pĂȘlo
Nas ĂĄguas, cavalgando onda por onda
Todo o mar, surge um povo estranho e belo;VĂȘm a saudĂĄ-la todos, revoando,
Golfinhos e tritÔes, em larga ronda,
Pelos retorsos bĂșzios assoprando.
PĂĄlida, Ă Luz Da LĂąmpada Sombria
PĂĄlida, Ă luz da lĂąmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das åguas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!Era mais bela! o seio palpitando…
Negros olhos as pĂĄlpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…NĂŁo te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
Ontologia do Amor
Tua carne é a graça tenra dos pomares
e abre-se teu ventre de uma a outra lua;
de teus prĂłprios seios descem dois luares
e desse luar vestida Ă© que ficas nua.Ănsia de voo em asas de ficar
de ti mesma sou o mar e o fundo.
Praia dos seres, quem te viajar
só naufragando recupera o mundo.Ritmo de céu, por quem és pergunta
de uma azul resposta que nĂŁo trazes junta
vitral de carne em catedral infinda.Ter-te amor Ă© jĂĄ rezar-te, prece
de um imenso altar onde acontece
quem no próprio corpo é céu ainda.
Nua E Crua
Doire a Poesia a escura realidade
E a mim a encubra! Um visionĂĄrio ardente
Quis vĂȘ-la nua um dia; e, ousadamente,
Do åureo manto despoja a divindade;O estema da perpétua mocidade
Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,
Inteiramente nua e inteiramente
Crua, como a Verdade! E era a Verdade!Fita-a em seguida, e atĂŽnito recua…
– Ă Musa! exclama entĂŁo, magoado e triste,
Traja de novo a louçainha tua!Veste outra vez as roupas que despiste!
Que olhar se apraz em ver-te assim tĂŁo nua?…
Ă nudez da Verdade quem resiste?!
Aspiração Suprema
Como os cegos e os nus pede um abrigo
A alma que vive a tiritar de frio.
Lembra um arbusto frĂĄgil e sombrio
Que necessita do bom sol amigo.Tem ais de dor de trĂȘmulo mendigo
Oscilante, sonĂąmbulo, erradio.
Ă como um tĂȘnue, cristalino fio
D’estrelas, como etĂ©reo e louro trigo.E a alma aspira o celestial orvalho,
Aspira o cĂ©u, o lĂmpido agasalho,
sonha, deseja e anseia a luz do Oriente…Tudo ela inflama de um estranho beijo.
E este Anseio, este Sonho, este Desejo
Enche as Esferas soluçantemente.
Ăltima PĂĄgina
Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
Numa palpitação de flores e de ninhos.
Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos
(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.VerĂŁo. (Lembras-te Dulce?) Ă beira-mar, sozinhos,
Tentou-nos o pecado: olhaste-me… e pecamos;
E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
Ă Laura, a vez primeira em que nos abraçamos…Veio o inverno. PorĂ©m, sentada em meus joelhos,
Nua, presos aos meus os teus lĂĄbios vermelhos,
(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor…Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passas as estaçÔes e passam as mulheres…
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!
XVIII
Dormes… Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, Ă tĂșnica estendida?SĂŁo meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vĂŁo, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro… e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiroBeijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hĂĄlito sorvendo
Por que surge tĂŁo cedo a luz do dia?!
TitĂŁs Negros
Hirtas de Dor, nos ĂĄridos desertos
FormidĂĄveis fantasmas das Legendas,
Marcham além, sinistras e tremendas,
As caravanas, dentre os cĂ©us abertos…Negros e nus, negros TitĂŁs, cobertos
Das bocas vis das chagas vis e horrendas,
Marcham, caminham por estranhas sendas,
Passos vagos, sonĂąmbulos, incertos…Passos incertos e os olhares tredos,
Na convulsĂŁo de trĂĄgicos segredos,
De agonias mortais, febres vorazes…TĂȘm o aspecto fatal das feras bravas
E o rir pungente das legiÔes escravas,
De dantescos e torvos Satanases!…
Soneto XXII
Ao mesmo
Rico Almazém, que Deus estima e preza,
Mais forte que o poder do inferno forte,
Bem te armas de ua morte e de outra morte,
Para qualquer encontro e brava empresa.Arma-se o fraco cĂĄ de fortaleza
Para que assi resista ao duro corte;
Mas Deus sempre peleja d’outra sorte,
Cobrindo o forte de mortal fraqueza.Usou c’o inferno deste prĂłprio modo,
Iscando o anzol da natureza sua
Co’ a nossa; e foi-se o pece trĂĄs o engano.E co’ as armas da carne rota e nua
Dos MĂĄrtires venceu o mundo todo,
Hoje em ti as pÔem para socorro humano.
Amor Ă© um EspĂrito InvisĂvel
Dizem que fere amor com passadores
e que traz em matar o pensamento,
mas eu julgo que tem amor de vento
quem cuida haver no mundo tais amores.Também dizem que o pintam os Pintores
menino, nu e cego: e tĂŁo sem tento,
que Ă© mais cego e mais nu d’entendimento,
quem cuida que em amores cabem tais cores.Amor Ă© um espĂrito invisĂvel,
que entra por onde quer, e abranda o peito
sem cor, sem arco, aljava, ou seta dura:Pode num peito humano o impossĂvel,
recebe-se somente no conceito,
e tem no coração posse segura.
O Teu Olhar
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendÔes ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
CĂ©us do Oriente, em brasa, como beijos,Mares onde nĂŁo cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de herĂłis e marinheiros,
Lanças nuas em rĂștilos lampejos;Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Ăndia, a visĂŁo do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!
Soneto Da Mulher Ao Sol
Uma mulher ao sol – eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lĂĄbios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pĂłlen da luz.Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol – eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo Ășmido, e um sorriso
Ă flor dos lĂĄbios entreabertos para o gozo.Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluceE tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente – e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir…
Soneto Sentimental Ă Cidade De SĂŁo Paulo
Ă cidade tĂŁo lĂrica e tĂŁo fria!
MercenĂĄria, que importa – basta! – importa
Que Ă noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agoniaNĂŁo te amo Ă luz plĂĄcida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frĂgida.Sinto como a tua Ăris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal hĂĄ se o lar onde se esperaTraz saudade de alguma Baviera
Se a poesia Ă© tua, e em cada mesa
HĂĄ um pecador morrendo de beleza?
JuĂzo
Quando, nos quatro Ăąngulos da Terra,
Troarem as trombetas ressurgentes,
Despertadoras dos mortais dormentes,
Por onde um Deus irado aos homens berra:Prontos, num campo, em apinhada serra,
Todos nus assistir devem viventes
Ao JuĂzo Final e ver, patentes,
Seus delitos, que um livro eterno encerra.EntĂŁo, aberto o CĂ©u, e o Inferno aberto,
Todos ali verĂŁo: e a sorte imensa
Duma mĂĄgoa sem fim, dum gozo certo.VerĂŁo recto juiz pesar a ofensa
Na balança integral, e o justo acerto,
Dando da vida e morte igual sentença.
Ăcaro
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mĂŁos postas e adorei-a.Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidÔes desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia…Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silĂȘncio gelou em derredor…
E eu levantei a face, a tremer todo:Jesus! ruĂra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.
Primeiras VigĂlias
Dos revoltos lençóis sobre o deserto
Despejava-se, em ondas silenciosas,
O luar dessas noites vaporosas,
De seu lĂąnguido cĂĄlix todo aberto.Rangia a cama, e deslizavam, perto
Alvas, femĂneas formas ondulosas;
E eu a idear, nas Ăąnsias amorosas,
Uns ombros nus, um colo descoberto.E a gemer: – “Abeirai-vos de meu leito,
Ă sensuais visĂ”es da adolescĂȘncia,
E inflamai-vos na pira em que me inflamo!Fervem paixÔes despertas no meu peito;
Descai a flor virgĂnea da inocĂȘncia,
E irrompe o fruto dolorido… Eu amo!”
Plena Nudez
Eu amo os gregos tipos de escultura:
PagĂŁs nuas no mĂĄrmore entalhadas;
Não essas produçÔes que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliĂȘncias destacadas…NĂŁo quero, a VĂȘnus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevĂȘ-la
De transparente tĂșnica atravĂ©s:Quero vĂȘ-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pĂ©s!
Soneto de amor
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressĂ”es, nem alma… Abre-me o seio,
Deixa cair as pĂĄlpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas lĂnguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ĂĄgeis e delgadas.E em duas bocas uma lĂngua…, â unidos,
NĂłs trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.Depois… â abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; nĂŁo digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!