Sonetos sobre Anjos

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Sonetos de anjos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Desobriga

Os meus peccados, Anjo! os meus peccados!
Contar-t’os? Para que, se nĂŁo tĂȘm fim…
Sou santo ao pé dos outros desgraçados,
Mas tu és mais que santa ao pé de mim!

A ti accendo cyrios perfumados,
Faço novenas, queimo-te alecrim,
Quando soffro, me vejo com cuidados…
Nas tuas rezas, lembra-te de mim!

Que eu seja puro d’alma e pensamento!
E que, em dia do grande julgamento,
Minhas culpas nĂŁo sejam de maior:

Pois tenho, que o céu tudo aponta e marca,
Um processo a correr n’essa comarca,
Cujo delegado Ă© Nosso Senhor…

Abandonada

Ao meu irmĂŁo Odilon dos Anjos

Bem depressa sumiu-se a vaporosa
Nuvem de amores, de ilusÔes tão bela;
O brilho se apagou daquela estrela
Que a vida lhe tornava venturosa!

Sombras que passam, sombras cor-de-rosa
– Todas se foram num festivo bando,
Fugazes sonhos, gĂĄrrulos voando
– Resta somente um’alma tristurosa!

Coitada! o gozo lhe fugiu correndo,
Hoje ela habita a erma soledade,
Em que vive e em que aos poucos vai morrendo!

Seu rosto triste, seu olhar magoado,
Fazem lembrar em noute de saudade
A luz mortiça d’um olhar nublado.

AtĂ© que um Dia…

Meus versos eram rosas, lĂ­rios, heras,
borboletas, regatos, cotovias
cantando suas doces melodias,
anjos, sereias, ninfas e quimeras.

Meus versos eram pombas entre as feras
e, na festa das horas e dos dias,
ia dançando penas e alegrias
e o ano tinha quatro primaveras.

E a festa continua… Ă© tambĂ©m festa
o cardo e a urze, o tojo, a murta, a giesta,
a chuva no beiral, o vento Norte,

o gosto a mar, a lĂĄgrimas, a sal,
até que um dia a vida, a bem ou mal,
exausta de cantar me empreste Ă  morte.

Dualidade

Sei que Ă© Amor, meu amor…porque o desejo
o meu prĂłprio desejo tĂŁo violento,
dir-se-ia ter pudor, ter sentimento,
quando estĂĄs junto a mim, quando te vejo.

É um clarim a vibrar como um harpejo,
misto de impulso e de deslumbramento.
Sei que Ă© Amor, meu amor…porque o desejo
Ă© desejo e ternura a um sĂł momento.

Beijo-te a boca, as mĂŁos, e hei de beijar-te
nessa dupla emoção, (violento e terno)
em que a minha alma inteira se reparte,

– e a perceber em meu estranho ardor,
que hĂĄ uma luta entre o efĂȘmero e o eterno,
entre um demĂŽnio e um anjo em todo Amor!

Horas De Sombra

Horas de sombra, de silĂȘncio amigo
Quando hĂĄ em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nĂłs o seu perfil antigo.

Horas que o coração nĂŁo vĂȘ perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.

Horas da compaixĂŁo e da clemĂȘncia,
Dos segredos sagrados da existĂȘncia,
De sombras de perdĂŁo sempre benditas.

Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.

A Minha AvĂł

Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias…
Gota de luz nas regiÔes sombrias
De minha vida triste e amargurada.

Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias…
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!

Minh’alma vai cantar… Transforma o seio
N’um cofre santo de carĂ­cias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro… –

Eu quero vĂȘ-lo, em desejada calma,
No rico santuĂĄrio de tu’alma…
– HĂłstia guardada n’um cibĂłrio de ouro! –

Violinos

Pelas bizarras, gĂłticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visÔes mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula…

Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso cĂ©u que alĂ©m se azula…
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ângelus arrula…

Rezam de joelhos anjos de mĂŁos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando…

É a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
MagnĂłlias e lĂ­rios desfolhando…

O Coração

O coração é a sagrada pira
Onde o mistério do sentir flameja.
A vida da emoção ele a deseja
como a harmonia as cordas de uma lira.

Um anjo meigo e cĂąndido suspira
No coração e o purifica e beija…
E o que ele, o coração, aspira, almeja
É o sonho que de lágrimas delira.

É sempre sonho e tambĂ©m Ă© piedade,
Doçura, compaizão e suavidade
E graça e bem, misericórdia pura.

Uma harmonia que dos anjos desce,
Que como estrela e flor e som floresce
Maravilhando toda criatura!

Soneto

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
PorquĂȘ esperar, porquĂȘ, se nĂŁo se alcança
Mais do que a angĂșstia que nos Ă© devida?

Antes aproveitar a nossa herança
De intençÔes e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mĂŁo que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventĂĄmos e nos fita.

Dona Flor

Ela Ă© tĂŁo meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepĂșsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca Ășmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que Ă© primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, lĂ­mpido, radiante…
Mas, ai! sob ĂȘsse angĂ©lico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
– Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…

IV

Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visĂ”es crepusculares…
Tu és uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vĂȘs no azul o teu caixĂŁo de pinho.

És a essĂȘncia de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂ­tola da prece…

Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandĂĄlias trazes…

Visita

Adornou o meu quarto a flor do cardo,
Perfumei-o de almiscar recendente;
Vesti-me com a purpura fulgente,
Ensaiando meus cantos, como um bardo;

Ungi as mĂŁos e a face com o nardo
Crescido nos jardins do Oriente,
A receber com pompa, dignamente,
Mysteriosa visita a quem aguardo.

Mas que filha de reis, que anjo ou que fada
Era essa que assim a mim descia,
Do meu casebre ĂĄ humida pousada?…

Nem princezas, nem fadas. Era, flor,
Era a tua lembrança que batia
Ás portas de ouro e luz do meu amor!

Inferno

HĂĄ no centro da Terra ampla caverna,
Reino imenso dos anjos rebelados,
Lago horrendo de enxofres inflamados,
Que acende o sopro da Vingança eterna.

O seu fogo maldito Ă© sem lucerna,
Que faz trevas dos fumos condensados.
Seus tectos e alçapÔes, enfarruscados,
NĂŁo deixam lĂĄ entrar a luz externa.

Silvosos gritos, hĂłrridos lamentos,
Blasfémias, maldiçÔes, desata o vício
Bramando, sem cessar, em seus tormentos.

Que imensos réus no eterno precipício
Caindo estĂŁo, a todos os momentos!
O Inferno sem fim, fatal suplĂ­cio.

Pálida, À Luz Da Lñmpada Sombria

PĂĄlida, Ă  luz da lĂąmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das åguas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando…
Negros olhos as pĂĄlpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…

NĂŁo te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!

Acordando

Em sonho, Ă s vezes, se o sonhar quebranta
Este meu vĂŁo sofrer; esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o cĂ©u a minh’alma sobe e canta.

Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao mundo traz piedosa mais um dia…
Canta o enlevo das cousas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta…

Mas, de repente, um vento humido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda. — A noite Ă© negra e muda: a dor

CĂĄ vela, como d’antes, ao meu lado…
Os meus cantos de luz, anjo adorado,
SĂŁo sonho sĂł, e sonho o meu amor!

Esterilidade

Ao vĂȘ-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles rĂ©pteis da Índia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno d’uma lança.

Como um vasto areal, ou como um céu ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
— Assim ela caminha, a passo, indiferente,
InsensĂ­vel Ă  dor, ao sofrimento humano.

Seus olhos tĂȘem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,

Onde tudo Ă© fulgor, ouro, metais, diamantes
VĂȘ-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda — essa inutilidade!

Tradução de Delfim Guimarães

Ah! Os RelĂłgios

Amigos, nĂŁo consultem os relĂłgios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fĂșteis problemas tĂŁo perdidas
que atĂ© parecem mais uns necrolĂłgios…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
nĂŁo o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma Ă© dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguĂ©m – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas sĂŁo…

Se Eu Fosse Um Padre

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermÔes,
nĂŁo falaria em Deus nem no Pecado
– muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduçÔes,

nĂŁo citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terrĂ­veis maldiçÔes…
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infĂąncia me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
… a um belo poema – ainda que de Deus se aparte –
um belo poema sempre leva a Deus!

A Perfeição

A Perfeição Ă© a celeste ciĂȘncia
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mĂłrbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescĂȘncia.

Noss’alma fica da clarividĂȘncia
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essĂȘncia.

Noss’alma fica como o ser que Ă s lutas
As mĂŁos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.

A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra.!

O Amor E A Morte

(com tema de Augusto dos Anjos)

Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.

O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.

VĂȘ: um dia, a bigorna desses Paços
cortarå, no martelo de seus aços,
e o sangue, hĂŁo de abrasĂĄ-lo os inimigos.

E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirĂĄ, contra nĂłs, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos DragÔes antigos.