Soneto
Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
PorquĂȘ esperar, porquĂȘ, se nĂŁo se alcança
Mais do que a angĂșstia que nos Ă© devida?Antes aproveitar a nossa herança
De intençÔes e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mĂŁo que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventĂĄmos e nos fita.
Sonetos sobre Anjos
50 resultadosDona Flor
Ela Ă© tĂŁo meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepĂșsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca Ășmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que Ă© primavera, e que amanhece o dia.Um rosto de anjo, lĂmpido, radiante…
Mas, ai! sob ĂȘsse angĂ©lico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulherQue a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
– Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…
IV
Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visĂ”es crepusculares…
Tu Ă©s uma ave que perdeu o ninho.Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vĂȘs no azul o teu caixĂŁo de pinho.Ăs a essĂȘncia de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂtola da prece…Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandĂĄlias trazes…
Visita
Adornou o meu quarto a flor do cardo,
Perfumei-o de almiscar recendente;
Vesti-me com a purpura fulgente,
Ensaiando meus cantos, como um bardo;Ungi as mĂŁos e a face com o nardo
Crescido nos jardins do Oriente,
A receber com pompa, dignamente,
Mysteriosa visita a quem aguardo.Mas que filha de reis, que anjo ou que fada
Era essa que assim a mim descia,
Do meu casebre ĂĄ humida pousada?…Nem princezas, nem fadas. Era, flor,
Era a tua lembrança que batia
Ăs portas de ouro e luz do meu amor!
Inferno
HĂĄ no centro da Terra ampla caverna,
Reino imenso dos anjos rebelados,
Lago horrendo de enxofres inflamados,
Que acende o sopro da Vingança eterna.O seu fogo maldito é sem lucerna,
Que faz trevas dos fumos condensados.
Seus tectos e alçapÔes, enfarruscados,
NĂŁo deixam lĂĄ entrar a luz externa.Silvosos gritos, hĂłrridos lamentos,
BlasfĂ©mias, maldiçÔes, desata o vĂcio
Bramando, sem cessar, em seus tormentos.Que imensos rĂ©us no eterno precipĂcio
Caindo estĂŁo, a todos os momentos!
O Inferno sem fim, fatal suplĂcio.
PĂĄlida, Ă Luz Da LĂąmpada Sombria
PĂĄlida, Ă luz da lĂąmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das åguas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!Era mais bela! o seio palpitando…
Negros olhos as pĂĄlpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…NĂŁo te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
Acordando
Em sonho, Ă s vezes, se o sonhar quebranta
Este meu vĂŁo sofrer; esta agonia,
Como sobe cantando a cotovia,
Para o cĂ©u a minh’alma sobe e canta.Canta a luz, a alvorada, a estrela santa,
Que ao mundo traz piedosa mais um dia…
Canta o enlevo das cousas, a alegria
Que as penetra de amor e as alevanta…Mas, de repente, um vento humido e frio
Sopra sobre o meu sonho: um calafrio
Me acorda. â A noite Ă© negra e muda: a dorCĂĄ vela, como d’antes, ao meu lado…
Os meus cantos de luz, anjo adorado,
SĂŁo sonho sĂł, e sonho o meu amor!
Esterilidade
Ao vĂȘ-la caminhar em trajos vaporosos,
Parece que desliza em voluptuosa dança,
Como aqueles rĂ©pteis da Ăndia, majestosos,
Que um faquir faz mover em torno d’uma lança.Como um vasto areal, ou como um cĂ©u ardente,
Como as vagas do mar em seu fragor insano,
â Assim ela caminha, a passo, indiferente,
InsensĂvel Ă dor, ao sofrimento humano.Seus olhos tĂȘem a luz dos cristais rebrilhantes,
E o seu todo estranho onde, a par, se lobriga
O anjo inviolado e a muda esfinge antiga,Onde tudo Ă© fulgor, ouro, metais, diamantes
VĂȘ-se resplandecer a fria majestade
Da mulher infecunda â essa inutilidade!Tradução de Delfim GuimarĂŁes
Ah! Os RelĂłgios
Amigos, nĂŁo consultem os relĂłgios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fĂșteis problemas tĂŁo perdidas
que atĂ© parecem mais uns necrolĂłgios…Porque o tempo Ă© uma invenção da morte:
nĂŁo o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma Ă© dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguĂ©m – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas sĂŁo…
Se Eu Fosse Um Padre
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermÔes,
nĂŁo falaria em Deus nem no Pecado
– muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduçÔes,não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terrĂveis maldiçÔes…
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infĂąncia me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!Porque a poesia purifica a alma
… a um belo poema – ainda que de Deus se aparte –
um belo poema sempre leva a Deus!
A Perfeição
A Perfeição Ă© a celeste ciĂȘncia
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mĂłrbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescĂȘncia.Noss’alma fica da clarividĂȘncia
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
Ă dos prantos divina e pura essĂȘncia.Noss’alma fica como o ser que Ă s lutas
As mĂŁos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra.!
O Amor E A Morte
(com tema de Augusto dos Anjos)
Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
â Ăł Corça branca, Ăł ruiva Leoparda.O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.VĂȘ: um dia, a bigorna desses Paços
cortarå, no martelo de seus aços,
e o sangue, hĂŁo de abrasĂĄ-lo os inimigos.E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirĂĄ, contra nĂłs, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos DragÔes antigos.
Bendita
Bendita sejas, minha mĂŁe, bendito
Seja o teu seio, imaculado e santo,
Onde derrama as gotas de seu pranto
Meu dolorido coração aflito.à minha mãe, ó anjo sacrossanto,
Bendito seja o teu amor, bendito!
Ouve do CĂ©u o amargurado grito
Cheio da dor de quem soluça tanto.E deixa que repouse em teus joelhos
A minha fronte, ouvindo os teus conselhos
Longe do mundo, ó sempiterna dita!Envia lå do céu no teu sorriso
A morte que levou-te ao ParaĂso…
Bendita sejas, minha mĂŁe, bendita!
Soneto V – Ă Sra. Marieta Landa
Disseste a nota amena d’alegria,
E, arrebatado entĂŁo nesse momento
De um doce, divinal contentamento,
Eu senti que minh’alma aos cĂ©us subia.Disseste a nota da melancolia,
Negra nuvem toldou-me o pensamento;
Senti que agudo espinho virulento
Do coração as fibras me rompia.Ăs anjo ou nume, tu que desta sorte
Trazes o peito humano arrebatado
Em sucessivo e rĂĄpido transporte?!Anjo ou nume nĂŁo Ă©s; mas, se te Ă© dado
No canto dar a vida, ou dar a morte,
Tens nas mĂŁos teu Porvir, teu bem, teu fado.
Anjo No Nome, Angélica Na Cara
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso Ă© ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senĂŁo em vĂłs se uniformara?Quem veria uma flor, que nĂŁo a cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tĂŁo luzente,
Que por seu Deus, o nĂŁo idolatra?Se como Anjo sois dos meus altares,
FĂŽreis o meu custĂłdio, e minha guarda,
Livrara eu de diabĂłlicos azares.Mas vejo, que tĂŁo bela, e tĂŁo galharda,
Posto que os Anjos nunca dĂŁo pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e nĂŁo me guarda.
Despede Teu Pudor
Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memĂłria
Uma nudez nascida para a glĂłria
Sofrer de meu olhar que te heroĂzaTudo teu corpo tem, nĂŁo te humaniza
Uma cegueira fĂĄcil de vitĂłria
E como a perfeição não tem história
SĂŁo leves teus enredos como a brisaConstante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opÔe à luta e luto
E tombo como um sol abandonadoEnquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.
Saudade do Teu Corpo
Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo â como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que nĂŁo mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…Ȉ o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar Ă© escuridade…Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
Ă de noite este corpo que me assombra…
VĂȘs?! A saudade Ă© um escultor antigo!
O Anjo De Pernas Tortas
A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rĂĄpido que o prĂłprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pĂ©s â um pĂ©-de-vento!Num sĂł transporte a multidĂŁo contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu unĂssono canto de esperança.Garrincha, o anjo, escuta e atende: â Goooool!
Ă pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. à pura dança!
VisĂŁo Guiadora
Ă alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ă delicada e lĂąnguida beleza
Nas cadeias das lĂĄgrimas cativa.FrĂĄgil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂșsica aflitiva.Alma de acerbo, amargurado exĂlio,
Perdida pelos cĂ©us num vago idĂlio
Com as almas e visÔes dos desolados.à tu que és boa e porque és boa és bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.
Mancebos! De Mil Louros Triunfantes
Mancebos! De mil louros triunfantes
Adornai o Moisés da mocidade,
O Anjo que nos guia da verdade
Pelos doces caminhos sempre ovantes.Coroai de grinaldas verdejantes
Quem rompeu para a PĂĄtria nova idade,
Guiando pelas leis sĂŁs da amizade
Os moços do progresso sempre amantes.VĂȘ, Brasil, este filho que o teu nome
Sobre o mapa dos povos ilustrados
Descreve qual o forte de VendĂŽme.Conhece que os Andradas e os Machados,
Que inda vivem nas asas do renome
Não morrem nestes céus abençoados;