Sonetos sobre Fogo

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Sonetos de fogo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

XII

Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho Ă  sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ásperos oiteiros,
Com violĂŞncia maior no campo ardia.

Sufocava se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.

Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.

Seu descuido em seu fogo desculpava;
Que mal feria o sol tĂŁo penetrante,
Onde maior incĂŞndio a alma abrasava.

Soneto I – Leandro E Hero

O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma nĂŁo se apaga
O fogo com que o facho se acendia.

Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).

Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!… Ă©s morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!

Morreste!… mas… (e Ă s ondas se arrojando
Assim termina já sorvendo a morte)
Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”

Soneto Das Alturas

As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar não deságua, nem no rio.

Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente Ă© no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.

Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidĂŁo deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.

E embora nada atinja, nĂŁo se acalma
e, sendo alma, transpõe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefável e não o vento.

A uma AusĂŞncia

Sinto-me, sem sentir, todo abrasado
No rigoroso fogo que me alenta;
O mal, que me consome, me sustenta;
O bem, que me entretém, me dá cuidado.

Ando sem me mover, falo calado;
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta;
Alegro-me de ver-me atormentado.

Choro no mesmo ponto em que me rio;
No mor risco me anima á confiança;
Do que menos se espera estou mais certo.

Mas se de confiado desconfio,
É porque, entre os receios da mudança,
Ando perdido em mim como em deserto.

Baby!

Baby! Sossega a tua voz. NĂŁo digas mais
Essas canções do Mundo. Deixa que eu esqueço
Que fui menino ao colo de seus pais.
Deixa! Que o coração em si mesmo o adormeço…

Com olhos de criança olho os desiguais
Dias e nuvens, sĂłs, passando, e empalideço…
Canto de Prometeu todo desfeito em ais!
E a vida, a vida atĂ©, brinquedo que aborreço…

Mundo dos meus enganos como a desventura!
ExperiĂŞncia, – pobre fumo! Anela o meu cabelo
E põe-me o bibe azul e antigo da Ternura…

Que a vida, essa Babel desfeita que se embala,
ainda Ă© para mim – criança de Deus, pesadelo
Da infância das fanfarras, fogo de Bengala!

Espasmos

Alma das gerações, alma lendária
Que tens tanto de Hamlet, tanto de Ofélia,
A candidez da rórida camélia
E as lágrimas da Sede hereditária.

Alma dormente, tumultuosa, vária,
Acorde de harpa misteriosa e célia,
Virgindade selvagem de bromélia,
Alma do Eleito, do Plebeu, do Pária.

És a chama do Amor, negro-vermelha,
De onde rompeu a fĂşlgida centelha
Que a Flor de fogo fez gerar no Dante.

Com teus espasmos e delicadezas,
Nervosas e secretas sutilezas
Enches todo este Abismo soluçante!

Fogo

Faísca luminar da etérea chama
Que acendes nossa máquina vivente,
Que fazes nossa vista refulgente
Com eléctrico gás, com subtil flama:

A nossa construção por ti se inflama;
Por ti, o nosso sangue gira quente;
Por ti, as fibras tem vigor potente,
Teu vivo ardor por elas se derrama.

Tu, Fogo animador, nos vigorizas,
E Ă  maneira de um voltejante rio,
Por todo o nosso corpo te deslizas.

O homem, só por ti tem força e brio
Mas, se tu o teu giro finalizas,
Quando a chama se apaga, ele cai frio.

Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga

Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o CĂ©u conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;

comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memĂłria, que suspira,
sĂł por fazer convosco eterna liga.

Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tĂŁo viva vos terei, que frio e fome
vos nĂŁo possam tirar, nem vĂŁos perigos.

Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vĂłs, sĂł com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.

XXXIII

Quando adivinha que vou vĂŞ-Ia, e Ă  escada
Ouve-me a voz e o meu andar conhece,
Fica pálida, assusta-se, estremece,
E nĂŁo sei por que foge envergonhada.

Volta depois. À porta, alvoroçada,
Sorrindo, em fogo as faces, aparece:
E talvez entendendo a muda prece
De meus olhos, adianta-se apressada.

Corre, delira, multiplica os passos;
E o chĂŁo, sob os seus passos murmurando,
Segue-a de um hino, de um rumor de festa

E ah! que desejo de a tomar nos braços,
O movimento rápido sustando
Das duas asas que a paixĂŁo lhe empresta.

O Lutador

Buscou no amor o bálsamo da vida,
NĂŁo encontrou senĂŁo veneno e morte.
Levantou no deserto a roca-forte
Do egoĂ­smo, e a roca em mar foi submergida!

Depois de muita pena e muita lida,
De espantoso caçar de toda sorte,
Venceu o monstro de desmedido porte
– A ululante Quimera espavorida!

Quando morreu, lĂ­nguas de sangue ardente,
Aleluias de fogo acometiam,
Tomavam todo o céu de lado a lado.

E longamente, indefinidamente,
Como um coro de ventos sacudiam
Seu grande coração transverberado!

A Musa Enferma

Ă“ minha musa, entĂŁo! que tens tu, meu amor?
Que descorada estás! No teu olhar sombrio
Passam fulgurações de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.

Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mau, visĂŁo cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?

Eu quisera que tu, saudável e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristĂŁo, ritmado, te pulsara

Como do silabálirio antigo os sons variados,
Onde reinam, o par, os deuses decantados;
Febo — pai das canções, e Pã — senhor da seara!

Tradução de Delfim Guimarães

Primavera

Ah! quem nos dera que isso, como outrora,
inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
que inda juntos pudéssemos agora
ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora,
e, no chĂŁo, sobre os troncos cheios de hera,
sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”

E esse corpo de rosa recendia,
e aos meus beijos de fogo palpitava,
alquebrado de amor e de cansaço…

A alma da terra gorjeava e ria…
Nascia a primavera…E eu te levava,
primavera de carne, pelo braço!

Inferno

Há no centro da Terra ampla caverna,
Reino imenso dos anjos rebelados,
Lago horrendo de enxofres inflamados,
Que acende o sopro da Vingança eterna.

O seu fogo maldito Ă© sem lucerna,
Que faz trevas dos fumos condensados.
Seus tectos e alçapões, enfarruscados,
Não deixam lá entrar a luz externa.

Silvosos gritos, hĂłrridos lamentos,
Blasfémias, maldições, desata o vício
Bramando, sem cessar, em seus tormentos.

Que imensos réus no eterno precipício
Caindo estĂŁo, a todos os momentos!
O Inferno sem fim, fatal suplĂ­cio.

Aquela Triste E Leda Madrugada

Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.

Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂ­a, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderá ver se apartada.

Ela só, viu as lágrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.

Hora MĂ­stica

Noite caindo … CĂ©u de fogo e flores.
Voz de CrepĂşsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
SilĂŞncio … Eis-me rezando aos fins do dia.

Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.

Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha Ăłpera de Sol ao Ăşltimo arranco.

E, oh! hora mĂ­stica em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.

NĂŁo Sei quem em VĂłs Mais Vejo

NĂŁo sei qu’em vĂłs mais vejo; nĂŁo sei que
mais ouço e sinto ao rir vosso e falar;
nĂŁo sei qu’entendo mais, tĂ© no calar,
nem quando vos nĂŁo vejo a alma que vĂŞ;

Que lhe aparece em qual parte qu’estĂ©,
olhe o céu, olhe a terra, ou olhe o mar;
e, triste aquele vosso suspirar,
em que tanto mais vai, que direi qu’Ă©?

Em verdade nĂŁo sei; nem isto qu’anda
antre nĂłs: ou se Ă© ar, como parece,
se fogo doutra sorte e doutra lei,

Em que ando, e de que vivo; nunca abranda;
por ventura que Ă  vista resplandece.
Ora o que eu sei tĂŁo mal, como o direi?

NĂŁo me Fales de GlĂłria: Ă© Outro o Altar

NĂŁo me fales de glĂłria: Ă© outro o altar
Onde queimo piedoso o meu incenso,
E animado de fogo mais intenso,
De fé mais viva, vou sacrificar.

A glĂłria! pois que ha n’ela que adorar?
Fumo, que sobre o abysmo anda suspenso…
Que vislumbre nos dá do amor immenso?
Esse amor que ventura faz gosar?

Ha outro mais perfeito, unico eterno,
Farol sobre ondas tormentosas firme,
De immoto brilho, poderoso e terno…

SĂł esse hei-de buscar, e confundir-me
Na essencia do amor puro, sempiterno…
Quero sĂł n’esse fogo consumir-me!

Vou de Suspiros Todo este Ar Enchendo

Vou de suspiros todo est’ ar enchendo,
vou a terra de lágrimas regando,
mais água aos rios, mais às fontes dando,
e com meu fogo em tudo fogo acendo.

E quando os olhos meus, senhora, estendo
para onde o Amor e vĂłs m’estais chamando,
as altas serras em qu’ os vou quebrando
da vista me tolher s’ estĂŁo doendo.

Mas nisto acode Amor, que sempre voa;
eu pelas asas, eu pelo arco o tenho,
té me levar consigo onde desejo.

E jurarei, senhora, que vos vejo,
jurarei qu’ essa doce voz me soa.
Nesta imaginação só me sostenho.

Sem Causa, Juntamente Choro e Rio

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando;
Num’ hora acho mil anos, e Ă© de jeito
Que em mil anos nĂŁo posso achar um’ hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que sĂł porque vos vi, minha Senhora.

Amor Ă© um Fogo que Arde sem se Ver

Amor Ă© um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?