XII
Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho Ă sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ásperos oiteiros,
Com violĂŞncia maior no campo ardia.Sufocava se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.Seu descuido em seu fogo desculpava;
Que mal feria o sol tĂŁo penetrante,
Onde maior incĂŞndio a alma abrasava.
Sonetos sobre Fogo
109 resultadosSoneto I – Leandro E Hero
O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma nĂŁo se apaga
O fogo com que o facho se acendia.Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!… Ă©s morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!Morreste!… mas… (e Ă s ondas se arrojando
Assim termina já sorvendo a morte)
Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”
Soneto Das Alturas
As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar não deságua, nem no rio.Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente Ă© no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidĂŁo deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.E embora nada atinja, nĂŁo se acalma
e, sendo alma, transpõe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefável e não o vento.
A uma AusĂŞncia
Sinto-me, sem sentir, todo abrasado
No rigoroso fogo que me alenta;
O mal, que me consome, me sustenta;
O bem, que me entretém, me dá cuidado.Ando sem me mover, falo calado;
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta;
Alegro-me de ver-me atormentado.Choro no mesmo ponto em que me rio;
No mor risco me anima á confiança;
Do que menos se espera estou mais certo.Mas se de confiado desconfio,
É porque, entre os receios da mudança,
Ando perdido em mim como em deserto.
Baby!
Baby! Sossega a tua voz. NĂŁo digas mais
Essas canções do Mundo. Deixa que eu esqueço
Que fui menino ao colo de seus pais.
Deixa! Que o coração em si mesmo o adormeço…Com olhos de criança olho os desiguais
Dias e nuvens, sĂłs, passando, e empalideço…
Canto de Prometeu todo desfeito em ais!
E a vida, a vida atĂ©, brinquedo que aborreço…Mundo dos meus enganos como a desventura!
ExperiĂŞncia, – pobre fumo! Anela o meu cabelo
E põe-me o bibe azul e antigo da Ternura…Que a vida, essa Babel desfeita que se embala,
ainda Ă© para mim – criança de Deus, pesadelo
Da infância das fanfarras, fogo de Bengala!
Espasmos
Alma das gerações, alma lendária
Que tens tanto de Hamlet, tanto de Ofélia,
A candidez da rórida camélia
E as lágrimas da Sede hereditária.Alma dormente, tumultuosa, vária,
Acorde de harpa misteriosa e célia,
Virgindade selvagem de bromélia,
Alma do Eleito, do Plebeu, do Pária.És a chama do Amor, negro-vermelha,
De onde rompeu a fĂşlgida centelha
Que a Flor de fogo fez gerar no Dante.Com teus espasmos e delicadezas,
Nervosas e secretas sutilezas
Enches todo este Abismo soluçante!
Fogo
FaĂsca luminar da etĂ©rea chama
Que acendes nossa máquina vivente,
Que fazes nossa vista refulgente
Com eléctrico gás, com subtil flama:A nossa construção por ti se inflama;
Por ti, o nosso sangue gira quente;
Por ti, as fibras tem vigor potente,
Teu vivo ardor por elas se derrama.Tu, Fogo animador, nos vigorizas,
E Ă maneira de um voltejante rio,
Por todo o nosso corpo te deslizas.O homem, só por ti tem força e brio
Mas, se tu o teu giro finalizas,
Quando a chama se apaga, ele cai frio.
Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga
Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o CĂ©u conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memĂłria, que suspira,
sĂł por fazer convosco eterna liga.Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tĂŁo viva vos terei, que frio e fome
vos não possam tirar, nem vãos perigos.Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vĂłs, sĂł com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.
XXXIII
Quando adivinha que vou vĂŞ-Ia, e Ă escada
Ouve-me a voz e o meu andar conhece,
Fica pálida, assusta-se, estremece,
E não sei por que foge envergonhada.Volta depois. À porta, alvoroçada,
Sorrindo, em fogo as faces, aparece:
E talvez entendendo a muda prece
De meus olhos, adianta-se apressada.Corre, delira, multiplica os passos;
E o chĂŁo, sob os seus passos murmurando,
Segue-a de um hino, de um rumor de festaE ah! que desejo de a tomar nos braços,
O movimento rápido sustando
Das duas asas que a paixĂŁo lhe empresta.
O Lutador
Buscou no amor o bálsamo da vida,
NĂŁo encontrou senĂŁo veneno e morte.
Levantou no deserto a roca-forte
Do egoĂsmo, e a roca em mar foi submergida!Depois de muita pena e muita lida,
De espantoso caçar de toda sorte,
Venceu o monstro de desmedido porte
– A ululante Quimera espavorida!Quando morreu, lĂnguas de sangue ardente,
Aleluias de fogo acometiam,
Tomavam todo o céu de lado a lado.E longamente, indefinidamente,
Como um coro de ventos sacudiam
Seu grande coração transverberado!
A Musa Enferma
Ă“ minha musa, entĂŁo! que tens tu, meu amor?
Que descorada estás! No teu olhar sombrio
Passam fulgurações de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mau, visĂŁo cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?Eu quisera que tu, saudável e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristão, ritmado, te pulsaraComo do silabálirio antigo os sons variados,
Onde reinam, o par, os deuses decantados;
Febo — pai das canções, e Pã — senhor da seara!Tradução de Delfim Guimarães
Primavera
Ah! quem nos dera que isso, como outrora,
inda nos comovesse! Ah! quem nos dera
que inda juntos pudéssemos agora
ver o desabrochar da primavera!SaĂamos com os pássaros e a aurora,
e, no chĂŁo, sobre os troncos cheios de hera,
sentavas-te sorrindo, de hora em hora:
“Beijemo-nos! amemo-nos! espera!”E esse corpo de rosa recendia,
e aos meus beijos de fogo palpitava,
alquebrado de amor e de cansaço…A alma da terra gorjeava e ria…
Nascia a primavera…E eu te levava,
primavera de carne, pelo braço!
Inferno
Há no centro da Terra ampla caverna,
Reino imenso dos anjos rebelados,
Lago horrendo de enxofres inflamados,
Que acende o sopro da Vingança eterna.O seu fogo maldito é sem lucerna,
Que faz trevas dos fumos condensados.
Seus tectos e alçapões, enfarruscados,
Não deixam lá entrar a luz externa.Silvosos gritos, hórridos lamentos,
BlasfĂ©mias, maldições, desata o vĂcio
Bramando, sem cessar, em seus tormentos.Que imensos rĂ©us no eterno precipĂcio
Caindo estĂŁo, a todos os momentos!
O Inferno sem fim, fatal suplĂcio.
Aquela Triste E Leda Madrugada
Aquela triste e leda madrugada,
cheia toda de mágoa e de piedade,
enquanto houver no mundo saudade
quero que seja sempre celebrada.Ela sĂł, quando amena e marchetada
saĂa, dando ao mundo claridade,
viu apartar se de ua outra vontade,
que nunca poderá ver se apartada.Ela só, viu as lágrimas em fio,
que, de uns e d’outros olhos derivadas,
s’acrescentaram em grande e largo rio.Ela viu as palavras magoadas
que puderam tornar o fogo frio,
e dar descanso Ă s almas condenadas.
Hora MĂstica
Noite caindo … CĂ©u de fogo e flores.
Voz de CrepĂşsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
SilĂŞncio … Eis-me rezando aos fins do dia.NĂ©voa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha Ăłpera de Sol ao Ăşltimo arranco.E, oh! hora mĂstica em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.
NĂŁo Sei quem em VĂłs Mais Vejo
NĂŁo sei qu’em vĂłs mais vejo; nĂŁo sei que
mais ouço e sinto ao rir vosso e falar;
nĂŁo sei qu’entendo mais, tĂ© no calar,
nem quando vos nĂŁo vejo a alma que vĂŞ;Que lhe aparece em qual parte qu’estĂ©,
olhe o céu, olhe a terra, ou olhe o mar;
e, triste aquele vosso suspirar,
em que tanto mais vai, que direi qu’Ă©?Em verdade nĂŁo sei; nem isto qu’anda
antre nĂłs: ou se Ă© ar, como parece,
se fogo doutra sorte e doutra lei,Em que ando, e de que vivo; nunca abranda;
por ventura que Ă vista resplandece.
Ora o que eu sei tĂŁo mal, como o direi?
NĂŁo me Fales de GlĂłria: Ă© Outro o Altar
NĂŁo me fales de glĂłria: Ă© outro o altar
Onde queimo piedoso o meu incenso,
E animado de fogo mais intenso,
De fĂ© mais viva, vou sacrificar.A glĂłria! pois que ha n’ela que adorar?
Fumo, que sobre o abysmo anda suspenso…
Que vislumbre nos dá do amor immenso?
Esse amor que ventura faz gosar?Ha outro mais perfeito, unico eterno,
Farol sobre ondas tormentosas firme,
De immoto brilho, poderoso e terno…SĂł esse hei-de buscar, e confundir-me
Na essencia do amor puro, sempiterno…
Quero sĂł n’esse fogo consumir-me!
Vou de Suspiros Todo este Ar Enchendo
Vou de suspiros todo est’ ar enchendo,
vou a terra de lágrimas regando,
mais água aos rios, mais às fontes dando,
e com meu fogo em tudo fogo acendo.E quando os olhos meus, senhora, estendo
para onde o Amor e vĂłs m’estais chamando,
as altas serras em qu’ os vou quebrando
da vista me tolher s’ estĂŁo doendo.Mas nisto acode Amor, que sempre voa;
eu pelas asas, eu pelo arco o tenho,
té me levar consigo onde desejo.E jurarei, senhora, que vos vejo,
jurarei qu’ essa doce voz me soa.
Nesta imaginação só me sostenho.
Sem Causa, Juntamente Choro e Rio
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.Estando em terra, chego ao céu voando;
Num’ hora acho mil anos, e Ă© de jeito
Que em mil anos nĂŁo posso achar um’ hora.Se me pergunta alguĂ©m porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que sĂł porque vos vi, minha Senhora.
Amor Ă© um Fogo que Arde sem se Ver
Amor Ă© um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?