Sonetos sobre Mármore

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Sonetos de mármore escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Afrodite II

Cabelo errante e louro, a pedraria
Do olhar faiscando, o mármore luzindo
AlvirrĂłseo do peito, – nua e fria,
Ela Ă© a filha do mar, que vem sorrindo.

Embalaram-na as vagas, retinindo,
Ressoantes de pĂ©rolas, – sorria
Ao vĂŞ-la o golfo, se ela adormecia
Das grutas de âmbar no recesso infindo.

Vede-a: veio do abismo! Em roda, em pĂŞlo
Nas águas, cavalgando onda por onda
Todo o mar, surge um povo estranho e belo;

Vêm a saudá-la todos, revoando,
Golfinhos e tritões, em larga ronda,
Pelos retorsos bĂşzios assoprando.

XXXIII

Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Teu nome hei de estampar, Ăł Francelisa,
A ver, se o bruto mármore eterniza
A tua, mais que ingrata, formosura.

Já cintilam teus olhos: a figura
Avultando já vai; quanto indecisa
Pasmou na efígie a idéia, se divisa
No engraçado relevo da escultura.

Teu rosto aqui se mostra; eu nĂŁo duvido,
Acuses meu delĂ­rio, quando trato
De deixar nesta pedra o vulto erguido;

É tosca a prata, o ouro é menos grato;
Contemplo o teu rigor: oh que advertido!
Só me dá esta penha o teu retrato!

Ante a Paisagem

Eu fujo da Paisagem. Tenho medo.
Os pinheirais sĂŁo em marfim bordados.
Sou paisagem-cetim num olhar quedo,
Oiro louco sonhando cortinados.

Fujo de mim porque já sou Paisagem.
Procura-me SatĂŁ no meu chorar…
Seus passos, o ruĂ­do da folhagem.
Cimos de lĂ­rios velhos de luar.

As tuas mĂŁos fechadas e desertas,
Janelas pra o jardim, jamais abertas,
Fiam de mármore um correr de rios…

E os teus olhos cansados de saudades.
Eunucos possuindo divindades…
Hora-luar a de teus olhos frios…

PlenilĂşnio

Vês este céu tão límpido e constelado
E este luar que em fĂşlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotões de prata…
VĂŞs este cĂ©u de mármore azulado…

Vês este campo intérmino, encharcado
Da luz que a lua aos páramos desata…
Vês este véu que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado…

VĂŞs estes rios, tĂŁo fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
VĂŞs estes rios cheios de ardentias…

VĂŞs esta mole e transparente gaze…
Pois Ă©, como isso me parecem quase
Iguais, assim, Ă s nossas alegrias!

Tortura Eterna

ImpotĂŞncia cruel, Ăł vĂŁ tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ă“ cĂ­rculos dantescos da loucura!
Ă“ luta, Ă“ luta secular, insana!

Que tu nĂŁo possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.

Que tu nĂŁo posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.

Ă“ Sons intraduzĂ­veis, Formas, Cores!…
Ah! que eu nĂŁo possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mármores eternos!

Musa ImpassĂ­vel I

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um JĂł, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idĂ­lico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistĂ­quio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.

PresĂ­dio

Nem todo o corpo Ă© carne… NĂŁo, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?

E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
NĂŁo, meu amor… Nem todo o corpo Ă© carne:
Ă© tambĂ©m água, terra, vento, fogo…

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memĂłria o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono…
Nem sĂł de carne Ă© feito este presĂ­dio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

Plena Nudez

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliĂŞncias destacadas…

NĂŁo quero, a VĂŞnus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevĂŞ-la
De transparente túnica através:

Quero vĂŞ-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pĂ©s!

A Freira Morta

(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressões das cinzas frias…

Pelas negras abĂłbadas sombrias
Donde pende uma lâmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro apĂłs se estende…
E no luar da lâmpada que pende
Brilham clarões de amores condenados…

Como que vem do tĂşmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mármores sagrados!

Cristo E A AdĂşltera

(Grupo de Bernardelli)

Sente-se a extrema comoção do artista
No grupo ideal de plácida candura,
Nesse esplendor tĂŁo fino da escultura
Para onde a luz de todo o olhar enrista.

Que campo, ali, de rĂştila conquista
Deve rasgar, do mármore na alvura,
O estatuário — que amplidĂŁo segura
Tem — de alma e braço, de razĂŁo e vista!

VĂŞ-se a mulher que implora, ajoelhada,
A mais serena compaixĂŁo sagrada
De um Cristo feito a largos tons gloriosos.

De um Nazareno compassivo e terno,
D’olhos que lembram, cheios de falerno,
Dois inefáveis corações piedosos!

Lembrança

Fui Essa que nas ruas esmolou
E fui a que habitou Paços Reais;
No mármore de curvas ogivais
Fui Essa que as mĂŁos pálidas poisou…

Tanto poeta em versos me cantou!
Fiei o linho Ă  porta dos casais…
Fui descobrir a ĂŤndia e nunca mais
Voltei! Fui essa nau que nĂŁo voltou…

Tenho o perfil moreno, lusitano,
E os olhos verdes, cor do verde Oceano,
Sereia que nasceu de navegantes…

Tudo em cinzentas brumas se dilui…
Ah, quem me dera ser Essas que eu fui,
As que me lembro de ter sido… dantes!…

2A Sombra – Bárbara

Erguendo o cálix que o Xerez perfuma.
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;

Um dorso de ValquĂ­ria… alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tĂŁo vivos, como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;

Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e mĂşsicas respira…
No lábio – um beijo… no beijar – um hino;

Harpa eĂłlia a esperar que o vento a fira,
– Um pedaço de mármore divino…
– É o retrato de Bárbara – a Hetaira.

Êxtase De Mármore

Ă€ grande atriz ApolĂ´nia.

O mármore profundo e cinzelado
De uma estátua viril, deliciosa;
Essa pedra que geme, anseia e goza
Num misticismo altĂ­ssimo e calado;

Essa pedra imortal — campo rasgado
A comoção mais íntima e nervosa
Da alma do artista, de um frescor de rosa,
Feita do azul de um céu muito azulado;

Se te visse o clarĂŁo que pelos ombros
Teus, rola, cai, nos mĂşltiplos assombros
Da Arte sonora, plena de harmonia;

O mármore feliz que é muito artista
TambĂ©m — como tu Ă©s — Ă  tua vista
De humildade e ciĂşme, coraria!

Madalena

…e lhe regou de lágrimas os pĂ©s e os enxugou com os cabelos da sua cabeça. Evangelho de S. Lucas.

Ă“ Madalena, Ăł cabelos de rastos,
LĂ­rio poluĂ­do, branca flor inĂştil…
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,

De resignar-se torpemente dĂşctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
EnsangĂĽentado, enxovalhado, inĂştil,

Dentro do peito, abominável cômico!
Morrer tranqĂĽilo, – o fastio da cama…
Ó redenção do mármore anatômico,

Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ă“ Madalena, Ăł cabelos de rastos!

ImpassĂ­vel

Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um sĂł dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.

A Imensidade nunca mais quer vĂŞ-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.

Serpente De Cabelos

A tua trança negra e desmanchada
Por sobre o corpo nu, torso inteiriço,
Claro, radiante de esplendor e viço,
Ah! lembra a noite de astros apagada.

LuxĂşria deslumbrante e aveludada
Através desse mármore maciço
Da carne, o meu olhar nela espreguiço
Felinamente, nessa trance ondeada.

E fico absorto, num torpor de coma,
Na sensação narcótica do aroma,
Dentre a vertigem tĂşrbida dos zeros.

És a origem do Mal, és a nervosa
Serpente tentadora e tenebrosa,
Tenebrosa serpente de cabelos!…

Os Versos que Te Fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

TĂŞm dolĂŞncias de veludos caros,
SĂŁo como sedas brancas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu nĂŁo tos digo ainda…
Que a boca da mulher Ă© sempre linda
Se dentro guarda um verso que nĂŁo diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E, nesse beijo, Amor, que eu te nĂŁo dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Pecadora

Tinha no olhar cetĂ­neo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simb’lo do Pecado.

Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.

No entanto, esta mulher de grĂŁ beleza,
Moldada pela mĂŁo da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado,

Do destino fatal, presa, morria
Uma noute entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!

Em Memória de Angélica

Quantas vidas possíveis já descansam
Nesta bem pobre e diminuta morte,
Quantas vidas possĂ­veis que outra sorte
Daria ao esquecimento ou à lembrança!

Quando eu morrer, morrerá um passado;
Com esta flor, morreu sĂł um futuro
Nas águas que o ignoram, o mais puro
Porvir hoje pios astros arrasado.

Eu, como ela, morro em infinitos
Destinos que já não me oferece o acaso;
Procura a minha sombra os gastos mitos

De uma pátria que sempre deu a face.
Um breve mármore diz a sua memória;
Sobre nĂłs todos cresce, atroz, a histĂłria.

N. H.

Tu nĂŁo Ă©s de Romeu a doce amante,
A triste Julieta, que suspira,
Solto o cabelo aos ventos ondeante,
Inquietas cordas de suspensa lira.

Não és Ofélia, a virgem lacrimante,
Que ao luar nos jardins vaga e delira,
E é levada nas águas flutuante,
Como em sonho de amor que cedo expira.

És a estátua de mármore de rosa;
Galatéia acordando voluptuosa
Do grego artista ao fogo de mil beijos…

És a lânguida Júlia que desmaia,
És Haidéia nos côncavos da praia;
Fosse eu o Dom JoĂŁo dos teus desejos!…