XXXII
Se os poucos dias, que vivi contente,
Foram bastantes para o meu cuidado,
Que pode vir a um pobre desgraçado,
Que a idéia de seu mal não acrescente!Aquele mesmo bem, que me consente,
Talvez propício, meu tirano fado,
Esse mesmo me diz, que o meu estado
Se há de mudar em outro diferente.Leve pois a fortuna os seus favores;
Eu os desprezo já; porque é loucura
Comprar a tanto preço as minhas dores:Se quer, que me não queixe, a sorte escura,
Ou saiba ser mais firme nos rigores,
Ou saiba ser constante na brandura.
Sonetos sobre Fados
66 resultadosVós, Crédulos Mortais, Alucinados
Vós, crédulos mortais, alucinados
de sonhos, de quimeras, de aparências
colheis por uso erradas consequências
dos acontecimentos desastrados.Se à perdição correis precipitados
por cegas, por fogosas, impaciências,
indo a cair, gritais que são violências
de inexoráveis céus, de negros fados.Se um celeste poder tirano e duro
às vezes extorquisse as liberdades,
que prestava, ó Razão, teu lume puro?Não forçam corações as divindades,
fado amigo não há nem fado escuro:
fados são as paixões, são as vontades.
Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
Depois com ferros vis se vê cingido:Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existência à morte!Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.
O Suspiro
Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de Vénus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos corações a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro of’rece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tão infeliz, que isso me basta.
Dionysio
Ungido para o fado e a nova festa
Meu carnaval profano já celebra
As quarentenas dívidas da carne
Na cela de costelas das mulheres.Como devasso réu, confesso fauno,
No vinho das delícias me declaro
Sem culpa e sem pecado original
Pois nessa pena sou igual a tantos.Já disse certa vez em cantoria:
De nada me arrependo e reconfirmo
Agora que o meu tempo é só de gozo.A vida que me dou não dá guarida
Nem guarda desalentos de tristeza
Somente na alegria é que me morro.
LIV
Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incêndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cítara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.Se vós, glórias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
Não ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tão livre de vós, que da saudade
Não receia abrasar-se no tormento.Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.
Nossa Língua
para o poeta Antoniel Campos*
O doce som de mel que sai da boca
na língua da saudade e do crepúsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu músculo
na hora que é preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opúsculo.Dizer e maldizer do mel ao fel
é fado de cantigas tão antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abrigana língua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que não se cala.* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra língua a minha língua cale.”
Soneto De Aniversário
Setembro me agasalha nos seus galhos
e de amor canto no seu verde ventre:
Eis a ventura vaga em danação,
bronze canonizado nas cigarras.O canto é breve, fino, e já anuncia
o inconfundível som do último acorde:
aquele dó de peito em nó estrídulo.
Como Bashô sonhara, é despedidaque mal se sabe, é morte anunciada,
canora liturgia sazonal.
Em setembro me mato e me renasçoem canto livre, rouco, sem ter palco,
representando de cor e salteado
o meu 13, que é fado e sortilégio.
Dialética
Quando não se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
à saga que se faz senha.Rio, termômetro da várzea,
geografia de sol e chuva;
linha d’água, arco em curva,
elementos dessa faina.Um pássaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,queimando encardidos lírios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo círios.
Ars Poética
Nesse afago do meu fado afogado
as águas já me sabem nadador.
A rês na travessia marejada
gado da grei de um mar revelador.Vou e volto lambendo o sal do fardo
língua no labirinto, ardendo em cor
furtiva, enquanto messe temperada,
da tribo das palavras sou cantor.Procuro em frio exílio tipográfico
o verbo mais sonoro em melodia
o ritmo para a cal de um pasto cáustico.Sou boi e sou vaqueiro dia a dia
no laço entrelaçado fiz-me prático
catador de capins nas pradarias.
LXX
Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuía!Já crédito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glória, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que é suposto.
Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?
Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãmente dados,Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?Se não tivéreis já longa exp’riência
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência.Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo não curou, nem larga ausência,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?
Este Amor Que Vos Tenho, Limpo E Puro
Este amor que vos tenho, limpo e puro,
de pensamento vil nunca tocado,
em minha tenra idade começado,
tê-lo dentro nesta alma só procuro.De haver nele mudança estou seguro,
sem temer nenhum caso ou duro Fado,
nem o supremo bem ou baixo estado,
nem o tempo presente nem futuro.A bonina e a flor asinha passa;
tudo por terra o Inverno e Estio
deita, só para meu amor é sempre Maio.Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
e que essa ingratidão tudo me enjeita,
traz este meu amor sempre em desmaio.
Comunhão
Reprimirei meu pranto!… Considera
Quantos, minh’alma, antes de nós vagaram,
Quantos as mãos incertas levantaram
Sob este mesmo céu de luz austera!…— Luz morta! amarga a própria primavera! —
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes só por instinto, e se apoiaram
Na obscura e heróica fé, que os retempera…E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende á lei de ignotas multidões. —
Seguirei meu caminho confiado,Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhão dos nossos pais antigos.
XL
Quem chora ausente aquela formosura,
Em que seu maior gosto deposita,
Que bem pode gozar, que sorte, ou dita,
Que não seja funesta, triste, e escura!A apagar os incêndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita:
Mas se era a que perdi, glória infinita,
Outra igual que esperança me assegura!Já de tanto delírio me despeço;
Porque o meu precipício encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que alívio posso dar a meu cuidado!
Marília De Dirceu
Soneto 5
Ao templo do Destino fui levado:
Sobre o altar num cofre se firmava,
Em cujo seio cada qual buscava,
Tremendo, anúncio do futuro estado.Tiro um papel e lio – céu sagrado,
Com quanta causa o coração pulsava!
Este duro decreto escrito estava
Com negra tinta pela mão do fado:“Adore Polidoro a bela Ormia,
sem dela conseguir a recompensa,
nem quebrar-lhe os grilhões a tirania.”Dar mãos Amor mo arranca, e sem detença,
Três vezes o levando à boca impia,
Jurou cumprir à risca a tal sentença.
Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
então nü’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.Ah! quanto milhor fora não vos ver,
gostos, que assi passais tão de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:sem vós já me não fica que perder,
se não se for esta cansada vida,
que por mor perda minha não perdi.
Camões, Grande Camões, quão Semelhante
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrílego gigante;Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.Modelo meu tu és, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Tudo quanto Sonhei se Foi Perdido
O que sonhei e antes de vivido
Era perfeito e lúcido e divino,
Tudo quanto sonhei se foi perdido
Nas ondas caprichosas do destino.Que os fados em mim mesmo depuseram
Razões de ser e de não ser, contrárias,
Nas emoções que, dentro em mim, cresceram
Tumultuosas, carinhosas, várias.Naqueles seres que fui dentro de um ser,
Que viveram de mais para eu viver
A minha vida luminosa e calma,Se desdobraram gestos de menino
E rudes arremedos de assassino.
Foram almas de mais numa só alma.
Soneto V – À Sra. Marieta Landa
Disseste a nota amena d’alegria,
E, arrebatado então nesse momento
De um doce, divinal contentamento,
Eu senti que minh’alma aos céus subia.Disseste a nota da melancolia,
Negra nuvem toldou-me o pensamento;
Senti que agudo espinho virulento
Do coração as fibras me rompia.És anjo ou nume, tu que desta sorte
Trazes o peito humano arrebatado
Em sucessivo e rápido transporte?!Anjo ou nume não és; mas, se te é dado
No canto dar a vida, ou dar a morte,
Tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado.