Sonetos sobre Alma

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Sonetos de alma escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Sempre E Sempre

De longe ou perto, juntas, separadas,
Olhando sempre os mesmos horizontes,
Presas, unidas nossas duas fontes
Gêmeas, ardentes, novas, inspiradas;

Vendo cair as lágrimas prateadas,
Sentindo o coro harmônico das fontes,
Sempre fitando a cúspide dos montes
E o rosicler das frescas alvoradas;

Sempre embebendo os límpidos olhares
Na claridão dos humildes luares,
No loiro sol das crenças se embebendo,

Vão nossas almas brancas e floridas
Pelo futuro azul das nossas vidas,
Sempre se amando, sempre se querendo.

Plenilúnio

Desmaia o plenilúnio. A gaze pálida
Que lhe serve de alvíssimo sudário
Respira essências raras, toda a cálida
Mística essência desse alampadário.

E a lua é como um pálido sacrário,
Onde as almas das virgens em crisálida
De seios alvos e de fronte pálida,
Derramam a urna dum perfume vário.

Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctâmbula do Amor,
Eu, noctâmbulo da Dor e da Saudade.

Ah! como a branca e merencórea lua,
Também envolta num sudário – a Dor,
Minh’alma triste pelos céus flutua!

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Quando Apareces, Fica-Se Impassível

Quando apareces, fica-se impassível
E mudo e quedo, trêmulo, gelado!…
Quer-se ficar com atenção, calado,
Quer-se falar sem mesmo ser possível!.

Anda-se c’o a alma n’um estado horrível
O coração completamente ervado!…
Quer-se dar palmas, mas sem ser notado,
Quer-se gritar, n’uma explosão temível!…

Sobe-se e desce-se ao país das fadas,
Vaga-se co’as nuvens das mansões douradas
Sob um esforço colossal, titânico!…

E as idéias galopando voam…
Então lá dentro sem parar, ressoam
As indomáveis convulsões do crânio!!…

Mãe…

Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido…

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio…
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido…

Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!

Gadêa Pelichek Sebastião

Gadêa… Pelichek… Sebastião…
Lobo Alvim… Ah, meus velhos camaradas!
Aonde foram vocês? Onde é que estão
Aquelas nossas ideais noitadas?

Fiquei sozinho… Mas não creio, não,
Estejam nossas almas separadas!
Às vezes sinto aqui, nestas calçadas,
O passo amigo de vocês… E então

Não me constranjo de sentir-me alegre,
De amar a vida assim, por mais que ela nos minta…
E no meu romantismo vagabundo

Eu sei que nestes céus de Porto Alegre
É para nós que inda S. Pedro pinta
Os mais belos crepúsculos do mundo!…

Único Remédio

Como a chama que sobe e que se apaga
Sobem as vidas a espiral de Inferno.
O desespero é como o fogo eterno
Que o campo quieo em convulções alaga…

Tudo é veneno, tudo cardo e praga!
E al almas que têm sede de falerno
Bebem apenas o licor moderno
Do tédio pessimista que as esmaga.

Mas a Caveira vem se aproximando,
Vem exótica e nua, vem dançando,
No estrambotismo lúgubre vem vindo.

E tudo acaba então no horror insano –
– Desespero do Inferno e tédio humano –
Quando, d’esguelha, a Morte surge, rindo…

O Morcego

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

8A Sombra – Último Fantasma

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada…
Sobre as névoas te libras vaporoso …

Baixas do céu num vôo harmonioso!…
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! …

Onde nos vimos nós? És doutra esfera ?
És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .
Por quem meu peito em sonhos desespera?

Quem és tu? Quem és tu? – És minha sorte!
És talvez o ideal que est’alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!

Oração Da Noite

Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,

Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.

Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,

Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.

Agonia De Um Filósofo

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo…
O Inconsciente me assombra e eu nêle tolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!

Assisto agora à morte de um inseto!…
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de pólo a pólo
O ideal de Anaximandro de Mileto!

No hierático areopago heterogêneo
Das idéas, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!…

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!

Minha Mãe

Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer – Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.

Sobre Estas Duras, Cavernosas Fragas

Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n’alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.

Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co’a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.

Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.

Inefável!

Nada há que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no Silêncio borda
D’estrelas todo o céu em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!

todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!

No Jardim Das Oliveiras

“Minh’alma é triste até à morte…” Doce,
Jesus falou… E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.

Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.

“Pai, tem piedade…” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.

Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!

Desobriga

Os meus peccados, Anjo! os meus peccados!
Contar-t’os? Para que, se não têm fim…
Sou santo ao pé dos outros desgraçados,
Mas tu és mais que santa ao pé de mim!

A ti accendo cyrios perfumados,
Faço novenas, queimo-te alecrim,
Quando soffro, me vejo com cuidados…
Nas tuas rezas, lembra-te de mim!

Que eu seja puro d’alma e pensamento!
E que, em dia do grande julgamento,
Minhas culpas não sejam de maior:

Pois tenho, que o céu tudo aponta e marca,
Um processo a correr n’essa comarca,
Cujo delegado é Nosso Senhor…

Maria das Quimeras

Maria das Quimeras me chamou
Alguém.. Pelos castelos que eu ergui
P’las flores d’oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.

Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minh’alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh’alma, Alguém, tudo levou!

Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores d’oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?

Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?…
Aonde estão os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?…

O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas etrenas, pouco a pouco…

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

O Cometa

Um cometa passava… Em luz, na penedia,
Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava;
Entregava-se ao sol a terra, como escrava;
Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia…

Assolavam a terra o terremoto, a lava,
A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia;
Mas renascia o amor, o orgulho revivia,
Passavam religiões… E o cometa passava.

E fugia, riçando a ígnea cauda flava…
Fenecia uma raça; a solidão bravia
Povoava-se outra vez. E o cometa voltava…

Escoava-se o tropel das eras, dia a dia:
E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava
A sua eternidade ! E o cometa sorria…

Quarenta Anos

Sim! como um dia de verão, de acesa
Luz, de acesos e cálidos fulgores,
Como os sorrisos da estação das flores,
Foi passando também tua beleza.

Hoje, das garras da descrença presa,
Perdes as ilusões. Vão-se-te as cores
Da face. E entram-te n’alma os dissabores,
Nublam-te o olhar as sombras da tristeza.

Expira a primavera, O sol fulgura
Com o brilho extremo. . . E aí vêm as noites frias,
Aí vem o inverno da velhice escura…

Ah! pudesse eu fazer, novo Ezequias,
Que o sol poente dessa formosura
Volvesse à aurora dos primeiros dias!