Sonetos sobre Flores

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Sonetos de flores escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Espera

Se tivesse mandado uma palavra: -“espera!”
Sem mais nada, nem mesmo explicar até quando,
eu teria ficado atĂ© hoje esperando…
– era a eterna ilusĂŁo de que fosses sincera…

Que importa a vida, o Sol, a primavera,
se eras a vida, o Sol, a flor desabrochando?
Se tivesses mandado uma palavra: -“espera!”
eu teria ficado atĂ© hoje esperando…

NĂŁo mandaste, tu nada disseste, e eu segui
sem saber que fazer da vida que era tua
procurando com o mundo esquecer-me de ti…

E afinal o destino, irĂ´nico e mordaz,
ontem, fez-me cruzar com o teu olhar na rua,
ouvir dizer-te: -“espera!…”E ser tarde demais…

Fervet Amor

Dá para a cerca a estreita e humilde cela
Dessa que os seus abandonou, trocando
O calor da famĂ­lia ameno e brando
Pelo claustro que o sangue esfria e gela.

Nos florões manuelinos da janela
Papeiam aves o seu ninho armando,
VĂŞem-se ao longe os trigos ondulando ..
Maio sorri na Pradaria bela.

Zumbe o inseto na flor do rosmaninho:
Nas giestas pousa a abelha ébria de gozo:
Zunem besouros e palpita o ninho.

E a freira cisma e cora, ao ver, ansioso,
Do seu catre virgĂ­neo sobre o linho
Um par de borboletas amoroso.

Soneto Do Breve Momento

Plumas de ninhos em teus seios; urnas
De rubras flores em teu ventre; flores
Por todo corpo teu, terso das dores
De primaveras loucas e noturnas.

Pântanos vegetais em tuas pernas
A fremir de serpentes e de saĂşrios
Itinerantes pelos multivários
Rios de águas estáticas e eternas.

Feras bramindo nas estepes frias
De tuas brancas nádegas vazias
Como um deserto transmudado em neve.

E em meio a essa inumana fauna e flora
Eu, nu e sĂł, a ouvir o Homem que chora
A vida e a morte no momento breve.

Inefável!

Nada há que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no SilĂŞncio borda
D’estrelas todo o cĂ©u em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!

todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!

Maria das Quimeras

Maria das Quimeras me chamou
Alguém.. Pelos castelos que eu ergui
P’las flores d’oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.

Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minh’alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh’alma, AlguĂ©m, tudo levou!

Maria das Quimeras, que fim deste
Ă€s flores d’oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?

Pelo mundo, na vida, o que Ă© que esperas?…
Aonde estĂŁo os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?…

Quarenta Anos

Sim! como um dia de verĂŁo, de acesa
Luz, de acesos e cálidos fulgores,
Como os sorrisos da estação das flores,
Foi passando também tua beleza.

Hoje, das garras da descrença presa,
Perdes as ilusões. Vão-se-te as cores
Da face. E entram-te n’alma os dissabores,
Nublam-te o olhar as sombras da tristeza.

Expira a primavera, O sol fulgura
Com o brilho extremo. . . E aĂ­ vĂŞm as noites frias,
AĂ­ vem o inverno da velhice escura…

Ah! pudesse eu fazer, novo Ezequias,
Que o sol poente dessa formosura
Volvesse Ă  aurora dos primeiros dias!

XLI

Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno…
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.

Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o prĂłprio inferno.

Cantam esta mansĂŁo, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De Ăşmido pĂł que há de abafar-lhe os cantos…

Cada um de nĂłs Ă© a bĂşssola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte…

A Meu Pai Doente

Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei tambĂ©m, trilhando as mesmas ruas…
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!

Que cousa triste! O campo tĂŁo sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!

Magoaram-te, meu Pai?! Que mĂŁo sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!

– Seria a mĂŁo de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
Deus nĂŁo havia de magoar-te assim!

Soneto de Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A Ăşnica entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez… — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tĂŁo bela!

Soneto A Oxford

Ă“ Oxford, prende o sol em tuas pontas
GĂłticas; dormem divinas harmonias
Em tuas torres puras e sombrias
E em teus jardns de grandes flores tontas.

O eterno farfalhar de Christ Church Meadows
E as mesmas águas trêmulas dos Ices
Enchem meu coração da antiga fé
Dos bardos que ilustraram tuas classes.

Rebanhos de hoje e sempre; hoje meninos
De capa preta, que o pastor dos sinos
Tange dos sinos que me estĂŁo chamando

Aos claustros de presságio e na penumbra
Sobre os quais, pela noite, se vislumbra
O fantasma de Magdalen, perscrutando…

Claro E Escuro

Dentro — os cristais dos tempos fulgurantes,
MĂşsicas, pompas, fartos esplendores,
Luzes, radiando em prismas multicores,
Jarras formosas, lustres coruscantes,

PĂşrpuras ricas, galas flamejantes,
Cintilações e cânticos e flores;
Promiscuamente férvidos odores,
MĂłrbidos, quentes, finos, penetrantes.

Por entre o incenso, em lĂ­mpida cascata,
Dos siderais turĂ­bulos de prata,
Das sedas raras das mulheres nobres;

Clara explosão fantástica de aurora,
Deslumbramentos, nos altares! — Fora,
Uma falange intérmina de pobres.

Quando As Folhas CaĂ­rem Nos Caminhos

Quando as folhas caĂ­rem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nĂłs dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,

e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
– “Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!”

E por onde eu passar e tu passares,
hĂŁo de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos…

E por nĂłs, na tristeza do sol posto,
hĂŁo de falar as rugas do meu rosto
hĂŁo de falar os teus cabelos brancos.

Majestade CaĂ­da

Esse cornĂłide deus funambulesco
Em torno ao qual as Potestades rugem,
Lembra os trovões, que tétricos estrugem,
No riso alvar de truĂŁo carnavalesco.

De ironias o momo picaresco
Abre-lhe a boca e uns dentes de ferrugem,
Verdes gengivas de ácida salsugem
Mostra e parece um Sátiro dantesco.

Mas ninguém nota as cóleras horríveis,
Os chascos, os sarcasmos impassĂ­veis
Dessa estranha e tremenda Majestade.

Do torvo deus hediondo, atroz, nefando,
Senil, que embora, rindo, está chorando
Os Noivados em flor da Mocidade!

Soneto Do Amor Demais

Não, já não amo mais os passarinhos
A quem, triste, contei tanto segredo
Nem amo as flores despertadas cedo
Pelo vento orvalhado dos caminhos.

NĂŁo amo mais as sombras do arvoredo
Em seu suave entardecer de ninhos
Nem amo receber outros carinhos
E até de amar a vida tenho medo.

Tenho medo de amar o que de cada
Coisa que der resulte empobrecida
A paixĂŁo do que se der Ă  coisa amada

E que nĂŁo sofra por desmerecida
Aquela que me deu tudo na vida
E que de mim sĂł quer amor – mais nada.

O Anel de Corina

Enquanto espera a hora combinada
De o remeter com flores a Corina,
OvĂ­dio oscĂşla o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.

— « Como eu te invejo, ó prenda afortunada !
« Com ela vais dormir, mimosa e fina,
« Com ela has-de banhar-te na piscina
« Donde sairá, qual Venus, orvalhada,

« O dorso e o seio lhe verás de rosas,
« E selarás as cartas deliciosas
« Com que em minh’alma alento e esp’rança verte…

« E temendo (suprema f’licidade!)
« Que a cera adira á pedra, ai! então ha-de
« Com a ponta da língua humedecer-te! »

Tarde Demais…

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
PĂ´s-se o silĂŞncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que nĂŁo pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ă“ meu Amor?!…”

Charneca Em Flor

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frĂ©mito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lágrimas apago…

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já nĂŁo sou, Amor, Soror Saudade…

Olhos a arder em ĂŞxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

Alencar

HĂŁo de anos volver, – nĂŁo como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
HĂŁo de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vĂ­vidos e leves…

Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rĂşsticos e breves,
Da indiana escreveste,-ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.

E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.

Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
NĂŁo consumiu o engenho, a flor, o encanto…

Evocação

Oh Lua voluptuosa e tentadora,
Ao mesmo tempo trágica e funesta,
Lua em fundo revolto de floresta
E de sonho de vaga embaladora.

Langue visĂŁo mortal e sedutora,
Dos Vergéis sederais pálida giesta,
Divindade sutil da morna sesta
Da lasciva paixĂŁo fascinadora.

Flor fria, flor algente, flor gelada
Do desconsolo e dos esquecimentos
E do anseio, da febre atormentada.

Tu que soluças pelos céus nevoentos
Longo soluço mágico de fada,
Dá-me os teus doces acalentamentos!

Ăšltimo Porto

Este o paĂ­s ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festões, desata
A Natureza o virginal tesouro;

Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A água alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro…

Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;

E a terra, a mĂŁe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.