Sonetos sobre ClarÔes

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Sonetos de clarÔes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

InconstĂąncia

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi Ă  Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarĂŁo nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer…
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando…

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que hĂĄ de partir tambĂ©m… nem eu sei quando…

À Janela De Garcia De Resende

Janela antiga sobre a rua plana…
Ilumina-a o luar com seu clarĂŁo…
Dantes, a descansar de luta insana,
Fui, talvez, flor no poĂ©tico balcĂŁo…

Dantes! Da minha glĂłria altiva e ufana,
Talvez…Quem sabe?…Tonto de ilusĂŁo,
Meu rude coração de alentejana
Me palpitasse ao luar nesse balcĂŁo…

MĂ­stica dona, em outras Primaveras,
Em refulgentes horas de outras eras,
Vi passar o cortejo ao sol doirado…

Bandeiras! Pajens! O pendĂŁo real!
E na tua mĂŁo, vermelha, triunfal,
Minha divisa: um coração chagado!…

Requiescat

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memĂłria,
Dorme tranqĂŒila no esplendor da glĂłria,
Longe das amarguras do cansaço…

IlusĂŁo, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flĂłrea,
Quando as visÔes da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…

Ó Ilusão! Estranha caravana
de åguias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarĂŁo do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…

Aleluia! Aleluia!

Dentre um cortejo de harpas e alaĂșdes
Ó Arcanjo sereno, Arcanjo níveo,
Baixas-te Ă  terra, ao mundanal convĂ­vio…
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.

Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alĂ­vio
Aos bĂĄratros, Ă s brenhas, ao declĂ­vio
Deste caminho de Ăąnsias e ataĂșdes…

Jå que desceste das regiÔes celestes,
Nesse clarĂŁo flamĂ­vomo das vestes,
Através dos troféus da Eternidade

Traz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angĂșstias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!

Poema Final

Ó cores virtuais que jazeis subterrñneas,
_ FulguraçÔes azuis, vermelhos de hemoptise,
Represados clarÔes, cromåticas vesùnias,
No limbo onde esperais a luz que vos batize,

As pĂĄlpebras cerrai, ansiosas nĂŁo veleis.
Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,
TĂŁo graves de cismar, nos bocais dos museus,
E escutando o correr da ĂĄgua na clepsidra,

Vagamente sorris, resignados e ateus,
Cessai de cogitar, o abismo nĂŁo sondeis.
Gemebundo arrulhar dos sonhos nĂŁo sonhados,

Que toda a noite errais, doces almas penando,
E as asas lacerais na aresta dos telhados,
E no vento expirais em um queixume brando,
Adormecei. NĂŁo suspireis. NĂŁo respireis.

VisĂŁo

Noiva de SatanĂĄs, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonùmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixÔes, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das IlusÔes tantålico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂȘ bendita!

Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

ManhĂŁ

Alta alvorada. — Os Ășltimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarÔes primeiros.

Da passarada os vĂŽos condoreiros,
Os cantos e o ar que as ĂĄrvores ramalha
Lembram combate, estrĂ­dula batalha
De elementos contrĂĄrios e altaneiros.

Vozes, trinados, vibraçÔes, rumores
Crescem, vĂŁo se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.

E como um rei num galeĂŁo do Oriente
O sol pÔe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.

Tortura Eterna

ImpotĂȘncia cruel, Ăł vĂŁ tortura!
Ó Força inĂștil, ansiedade humana!
Ó círculos dantescos da loucura!
Ó luta, Ó luta secular, insana!

Que tu nĂŁo possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.

Que tu nĂŁo posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarÔes supernos.

Ó Sons intraduzĂ­veis, Formas, Cores!…
Ah! que eu nĂŁo possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mĂĄrmores eternos!

Em uma Tarde de Outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as ĂĄguas miro, absorto.
Outono… Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto…

Por que, belo navio, ao clarĂŁo das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A ĂĄgua cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos…
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarĂŁo nascente do arrebol…

Clamando

BĂĄrbaros vĂŁos, dementes e terrĂ­veis
Bonzos tremendos de ferrenho aspeto,
Ah! deste ser todo o clarĂŁo secreto
Jamais pĂŽde inflamar-vos, ImpassĂ­veis!

Tantas guerras bizarras e incoercĂ­veis
No tempo e tanto, tanto imenso afeto,
SĂŁo para vĂłs menos que um verme e inseto
Na corrente vital pouco sensĂ­veis.

No entanto nessas guerras mais bizarras
De sol, clarins e rĂștilas fanfarras,
Nessas radiantes e profundas guerras…

As minhas carnes se dilaceraram
E vão, das IlusÔes que flamejaram,
Com o prĂłprio sangue fecundando as terras…

O IncĂȘndio De Roma

Raiva o incĂȘndio. A ruir, soltas, desconjuntadas,
As muralhas de pedra, o espaço adormecido
De eco em eco acordando ao medonho estampido,
Como a um sopro fatal, rolam esfaceladas.

E os templos, os museus, o CapitĂłlio erguido
Em mĂĄrmor frĂ­gio, o Foro, as erectas arcadas
Dos aquedutos, tudo as garras inflamadas
Do incĂȘndio cingem, tudo esbroa-se partido.

Longe, reverberando o clarĂŁo purpurino,
Arde em chamas o Tibre e acende-se o horizonte.
Impassível, porém, no alto do Palatino,

Nero, com o manto grego ondeando ao ombro, assoma
Entre os libertos, e Ă©brio, engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição de Roma.

Chuva De Ouro

A Rainha desceu do CapitĂłlio
Agora mesmo — vede-lhe o regaço…
Como tem flores, como traz o braço
Farto de jĂłias, como pisa o sĂłlio

Triunfantemente, numa unção, num óleo
Mais santo e doce que essa luz do espaço…
E como desce com bravura de aço…
Pois se a Rainha, como um rico espĂłlio,

O seu brioso coração foi dando
Aos pobrezinhos, que inda estĂŁo gozando
BĂȘnçãos mais puras qu’os clarĂ”es diurnos,

Por certo que hĂĄ de vir descendo a escada
Do CapitĂłlio da virtude — olhada
Pelos Albergues infantis, noturnos!

À Memória De Uma Ave

Quando morre uma criança,
Diz-se que o pĂĄlido anjinho
Voou como uma esperança.
Foi para o céu direitinho.

Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.

Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avesinha querida
Se extingue como um clarĂŁo.

Ponho-me a rir, pois, divina!
Ouço cantar, em surdina,
Tu’alma em meu coração.

A Freira Morta

(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressĂ”es das cinzas frias…

Pelas negras abĂłbadas sombrias
Donde pende uma lĂąmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro apĂłs se estende…
E no luar da lĂąmpada que pende
Brilham clarĂ”es de amores condenados…

Como que vem do tĂșmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mĂĄrmores sagrados!

Bilhete

O teu vulto ficou na lembrança guardado,
vivo, por muitas horas!… e em meus olhos baços
Fitei-te – como alguĂ©m que ansioso e torturado
Tentasse inutilmente reavivar teus traços…

Num relance te vi – depois, quase irritado
Fugi, – e reparei que ao marcar os meus passos
ia a dizer teu nome e a ver por todo lado
o teu vulto… o teu rosto… e o clarĂŁo dos teus braços!

Talvez eu faça mal em querer ser sincero,
censurarĂĄs – quem sabe? Essa minha ousadia,
e pensarĂĄs atĂ© que minto, e que exagero…

Ou dirĂĄs, que eu falar-te nesse tom, nĂŁo devo,
que o que escrevo Ă© infantil e absurdo, Ă© fantasia,
e afinal tens razĂŁo… nem sei por que te escrevo!

Olavo Bilac

Vim afinal para o solar dos astros,
De irradiaçÔes puríssimas e belas,
Numa viagem de alterosos mastros,
Numa viagem de saudosas velas…

Das alegrias nos febris enastros
Que as almas prendem para percebĂȘ-las,
Vim cantando e feliz, fugindo aos rastros
Da terra de onde vi e ouvi estrelas.

E por aqui, nas lĂșcidas paisagens,
Vestido das mais fluĂ­dicas roupagens
Tecido de ouro, nos clarĂ”es imersos…

Ando a gozar, entre lauréis e palmas,
O que cantei na terra, junto Ă s almas,
Na eterna florescĂȘncia dos meus versos.

Supremo Anseio

Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espĂ­rito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.

Abre-se em mim esse clarĂŁo, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarĂŁo, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.

Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existĂȘncia de ilusĂ”es cravada
Eu veja sempre refulgir bem perto

Esse clarĂŁo esplendoroso e louro
Do amor de mĂŁe — que Ă© como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.

Metamorfose

A Carlos Ferreira

O sol em fogo pelo ocaso explode
Nesse estertor, que os crĂąnios assoberba.
Vivo, o clarĂŁo, nuns frocos exacerba
Dos ideais a original nevrose.

Da natureza os anafis mouriscos
Ante o cariz da atmosfera muda,
Soam queixosos, numa nota aguda,
Da luz que esvai-se aos derradeiros discos.

O pensamento que flameja e luta
Nos ares rasga aprofundado sulco…
A sombra desce nos lisins da gruta;

E a lua nova — a peregrina Onfale,
Como em um plaustro luminoso, hiulco,
Surge através dos pinheirais do vale.

O Sol Da Tarde

Aquela tarde em que eu estava em Roma,
aquela tarde com sol da manhĂŁ,
como ser sĂł a tarde, se era a soma
do sol filtrado pela telha vĂŁ?

Assim sĂŁo sob o sol todas as tardes:
são clarÔes e janelas, são aromas,
e o silĂȘncio que cala o vĂŁo alarde
da tarde que se estende sobre Roma.

Sob o sol que declina, aqui estou
esperando que a noite caia em Roma
como um pĂĄlio que oculta o nada e a morte.

Roma dos obeliscos e sarcĂłfagos!
Depois de tanto sol e tanto vento
a noite desce e eu sou a noite e pĂł.

VisĂŁo Da Morte

Olhos voltados para mim e abertos
Os braços brancos, os nervosos braços,
Vens d’espaços estranhos, dos espaços
Infinitos, intĂ©rminos, desertos…

Do teu perfil os tĂ­midos, incertos
Traços indefinidos, vagos traços
Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
Outra luz de que os céus ficam cobertos.

Deixam nos céus uma outra luz mortuåria,
Uma outra luz de lĂ­vidos martĂ­rios,
De agonies, de mĂĄgoa funerĂĄria…

E causas febre e horror, frio, delĂ­rios,
Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
Branca e sinistra no clarĂŁo dos cĂ­rios!