Sonetos sobre Arte

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Sonetos de arte escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Trabalho E Luz I

Luz e trabalho, eis a divisa imensa
Da nova legião de um mundo novo.
Das águias do porvir fecunde-se o ovo
No vigor do trabalho unido à crença.

D’árvore humanidade à luz intensa
Do livre ensino brota o são renovo
Rico de luz se nobilita o povo
Do trabalho na santa recompensa.

Trabalham para a luz almas, que alentam
O brilho do trabalho. Os benefícios
Da luz da educação a Deus contentam.

Trabalho e luz contra o furor dos vícios,
No trabalho e na luz que a paz sustentam,
Glória ao Liceu de Artes e de Ofícios.

É Bem Feliz

É bem feliz por certo, o que somente
Ao rústico lavor acostumado
Conduzir sabe os bois, reger o arado,
E dar à terra a provida semente.

A arte de a lavrar sempre inocente
Estuda só, e ignora afortunado
As novas leis, as máximas de Estado,
E os documentos de enganar a gente.

Projectos vãos não forma, e sempre isento
Da soberba ambição, nunca a Lisboa
Foi dobrar o joelho ao valimento.

Cabana humilde, onde nasceu, povoa;
E seguro no próprio abatimento,
Só tem medo do Céu, quando trovoa.

Repouso na Alegria Comedido

Leda serenidade deleitosa,
Que representa em terra um paraíso;
Entre rubis e perlas, doce riso,
Debaixo de ouro e neve, cor-de-rosa;

Presença moderada e graciosa,
Onde ensinando estão despejo e siso
Que se pode por arte e por aviso,
Como por natureza, ser formosa;

Fala de que ou já vida, ou morte pende,
Rara e suave, enfim, Senhora, vossa,
Repouso na alegria comedido:

Estas as armas são com que me rende
E me cativa Amor; mas não que possa
Despojar-me da glória de rendido.

A Dor da Ausência Fica Mais Pequena

Quando vejo que meu destino ordena
Que, por me experimentar, de vós me aparte,
Deixando de meu bem tão grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena,

O duro desfavor, que me condena,
Quando pela memória se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausência fica mais pequena.

Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, este tão fora
De me não apartar também da vida?

Eu refrearei tão áspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.

Dizem Que A Arte É A Clâmide De Idéia

Dizem que a arte é a clâmide de idéia
A peregrina irradiação celeste,
E d’isso a prova singular já deste
Sorvendo d’ela a divinal sabéia!.

Da “Georgeta” na feliz estréia,
Asseverar-nos ainda mais vieste
Que és um gênio, que te vás de preste
Tornando o assombro de qualquer platéia!…

Sinto uns transportes fervorosos, ledos
Quando nas cenas de sutis enredos
Fulgem-te os olhos co’a expressão dos astros!…

E as turbas mudas, impassíveis, calmas
Sentem mil mundos lhes crescer nas almas…
Vão-te seguindo os luminosos rastros!…

Eternos Atalaias

Os sentimentos servem de atalaias
Para guiar as multidões errantes
Que caminham tremendo, vacilantes
Pelas desertas, infinitas praias…

Abrangendo da Terra as fundas raias,
Atingindo as esferas mais distantes,
São como incensos, mirras odorantes,
Miraculosas, fúlgidas alfaias.

Tudo em que logo transfiguram,
Encantam tudo,tudo em torno apuram,
Penetram, sem cessar, por toda parte.

Alma por alma em toda a parte enflamam.
E grandes, largos, imortais, derramam
As melancólicas estrelas d’Arte!

Visão

Noiva de Satanás, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonâmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixões, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das Ilusões tantálico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sê bendita!

Seja bendito esse clarão eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

Eu Como, Eu Bebo, Eu Durmo

Eu como, eu bebo, eu durmo e a vida passo
Ora bem, ora mal, como sucede:
Tomo tabaco, e chá; e se mo pede
O génio alguma vez, eu Nize abraço:

As vezes jogo, as vezes versos faço,
Que mais que a arte a natureza mede:
E talvez por saber como procede
Em se mover o Sol círculos traço.

Alguma vez me agrada a soledade,
Outras vezes a nobre companhia;
E desta sorte vou passando a idade:

E espero assim que venha a morte fria
Com o manto da eterna escuridade
Encobrir-me de todo a luz do dia.

Uma Palavra

Meu canto busca sempre uma palavra
que seja companheira na canção
da minha voz que canta e se declara:
viver a vida inteira de emoção.

Uma palavra só não se prepara
puxando outra palavra sem razão
na vida que se encanta e se dispara
no claro tiro cego de paixão.

Viver a arte que procura ver
os lábios desbotados da linguagem
deixando a claridade me envolver

no sopro que me leva na paisagem
amaciando a pena ao escrever
teu nome, meu amor, minha viagem

Lágrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausência é de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

Nervos D’Oiro

Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n’alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!

Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!

O coração, numa imperial oferta.
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mão,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!

E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,
Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são
Toda a Arte suprema dos meus versos!

O Remorso

Cometi o pior desses pecados
Que podem cometer-se. Não fui sendo
Feliz. Que os glaciares do esquecimento
Me arrastem e me percam, despiedados.

Plos meus pais fui gerado para o jogo
Arriscado e tão belo que é a vida,
Para a terra e a água, o ar, o fogo.
Defraudei-os. Não fui feliz. Cumprida

Não foi sua vontade. A minha mente
Aplicou-se às simétricas porfias
Da arte, que entretece ninharias.

Valentia eu herdei. Não fui valente.
Não me abandona. Está sempre ao meu lado
A sombra de ter sido um desgraçado.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Neste Horrível Sepulcro Da Existência

Neste horrível sepulcro da existência
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razão se vê sem arte,
Com que dome a frenética impaciência:

Aqui pela opressão, pela violência
Que em todos os sentidos se reparte,
Transitório poder que imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotência!

Aqui onde o peito abrange, e sente,
Na mais ampla expressão acha estreiteza,
Negra idéia do abismo assombra a mente.

Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e não gozar da Natureza ?

Olhos

II
A Grécia d’Arte, a estranha claridade
D’aquela Grécia de beleza e graça,
Passa, cantando, vai cantando e passa
Dos teus olhos na eterna castidade.

Toda a serena e altiva heroicidade
Que foi dos gregos a imortal couraça,
Aquele encanto e resplendor de raça
Constelada de antiga majestade,

Da Atenas flórea toda o viço louro,
E as rosas e os mirtais e as pompas d’ouro,
Odisséias e deuses e galeras…

Na sonolência de uma lua aziaga,
Tudo em saudade nos teus olhos vaga,
Canta melancolias de outras eras!…

O Que Alguém Disse

“Refugia-te na Arte” diz-me Alguém
“Eleva-te num vôo espiritual,
Esquece o teu amor, ri do teu mal,
Olhando-te a ti própria com desdém.

Só é grande e perfeito o que nos vem
Do que em nós é Divino e imortal!
Cega de luz e tonta de ideal
Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!”

No poente doirado como a chama
Estas palavras morrem… E n’Aquele
Que é triste, como eu, fico a pensar…

O poente tem alma: sente e ama!
E, porque o sol é cor dos olhos d’Ele,
Eu fico olhando o sol, a soluçar…

Apocalipse

Minha divinatória Arte ultrapassa
os séculos efêmeros e nota
Diminuição dinâmica, derrota
Na atual força, integérrima, da Massa.

É a subversão universal que ameaça
A Natureza, e, em noite aziaga e ignota,
Destrói a ebulição que a água alvorota
E põe todos os astros na desgraça!

São despedaçamentos, derrubadas,
Federações sidéricas quebradas…
E eu só, o último a ser, pelo orbe adeante,

Espião da cataclísmica surpresa
A única luz tragicamente acesa
Na universalidade agonizante!

Ao Estrídulo Solene Dos Bravos

– Os Trópicos pulando as palmas batem…
Em pé nas ondas – O Equador dá vivas!…

Ao estrídulo solene dos bravos! das platéias,
Prossegues altaneira, oh! ídolo da arte!…
– O sol pára o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idéias.

A velha natureza escreve-te odisséias…
A estrela, a nívea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!

Perpassam vagos sons na harpa do mistério
Lá, quando no proscênio te ergues imperando
– Oh! Íbis magistral do mundo azul – sidério!

Então da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…

Em Busca Da Beleza V

Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que são beijos?
A vida é só o esperar morrer.

Longe da dor e longe do prazer,
Conheçamos no sono os benfazejos
Poderes únicos; sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.

C’roado de papoilas e trazendo
Artes porque com sono tira sonhos,
Venha Morfeu, que as almas envolvendo,

Faça a felicidade ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos risonhos
Só de sentirmos nada já sentir.

Carta ao Mar

Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lyrico, choroso,
E terno visionario, meu amigo!

Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vae ter comtigo,
– Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, – vasto e humido jazigo!

Nada é mais triste, tragico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!…
Mas tambem, quem te poude consollar?!

Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! –
E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;
– A Musica é mais triste inda que o Mar!

Rir!

Rir! Não parece ao século presente
Que o rir traduza, sempre, uma alegria…
Rir! Mas não rir como essa pobre gente
Que ri sem arte e sem filosofia.

Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente,
Com que André Gil eternamente ria.
Rir! Mas com o rir demolidor e quente
Duma profunda e trágica ironia.

Antes chorar! Mais fácil nos parece.
Porque o chorar nos ilumina e nos aquece
Nesta noite gelada do existir.

Antes chorar que rir de modo triste…
Pois que o difícil do rir bem consiste
Só em saber como Henri Heine rir!…