Sonetos sobre Esquecimento

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Sonetos de esquecimento escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

EspĂ­rito Imortal

EspĂ­rito imortal que me fecundas
Com a chama dos viris entusiasmos,
Que transformas em glĂĄdios os sarcasmos
Para punir as multidÔes profundas!

Ó alma que transbordas, que me inundas
De brilhos, de ecos, de emoçÔes, de pasmos
E fazes acordar de atros marasmos
Minh’alma, em tĂ©dios por charnecas fundas.

Força genial e sacrossanta e augusta,
Divino Alerta para o Esquecimento,
Voz companheira, carinhosa e justa.

Tens minha MĂŁo, num doce movimento,
Sobre essa Mão angélica e robusta,
EspĂ­rito imortal do Sentimento!

LIV

Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incĂȘndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cĂ­tara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.

Se vĂłs, glĂłrias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
NĂŁo ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.

Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tĂŁo livre de vĂłs, que da saudade
NĂŁo receia abrasar-se no tormento.

Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.

PĂĄra-me de Repente o Pensamento

PĂĄra-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz, do esquecimento…

PĂĄra surpreso, escrutador, atento,
Como pĂĄra m cavalo alucinado
Ante um abismo sĂșbito rasgado…
PĂĄra e fica e demora-se um momento.

PĂĄra e fica na doida correria…
PĂĄra Ă  beira do abismo e se demora
E mergulha na noite escura e fria

Um olhar de aço que essa noite explora…
Mas a espora da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora.

Ó tu, consolador dos malfadados

Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mĂĄgoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:

Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vĂłs, sonhos d’amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visĂŁo de seus agrados:

Filha das trevas, frouxa sonolĂȘncia,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausĂȘncia!

Ah!, findou para mim tĂŁo leda sorte;
Agora Ă© sĂł feliz minha existĂȘncia
No mudo estado, que arremeda a morte.

Me Vejo com MemĂłrias Perseguido

Se quando vos perdi, minha esperança,
A memĂłria perdera juntamente
Do doce bem passado e mal presente,
Pouco sentira a dor de tal mudança.

Mas Amor, em quem tinha confiança,
Me representa mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo e contente,
Por me tirar a vida esta lembrança.

De cousas de que apenas um sinal
Havia, porque as dei ao esquecimento,
Me vejo com memĂłrias perseguido.

Ah dura estrela minha! Ah grĂŁo tormento!
Que mal pode ser mor, que no meu mal
Ter lembranças do bem que é jå passado?

Quando em Meu Desvelado Pensamento

Quando em meu desvelado pensamento
O teu formoso gesto se afigura,
NĂŁo sei que afecto sinto, ou que ternura,
Que a toda esta alma dĂĄ contentamento.

Ali fico num largo esquecimento,
Contemplando na minha conjectura
De teu sereno rosto a graça pura,
De teus olhos o doce movimento.

Porém logo a inconstante fantasia
Me acorda o entendimento arrebatado,
E desfaz todo o bem que me fingia,

Sendo tal este gosto imaginado,
Que de Amor outra glĂłria eu nĂŁo queria
Mais que trazer-te sempre em meu cuidado.

Lågrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vĂłs piedade
De tĂŁo longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vĂłs, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausĂȘncia Ă© de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lågrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cå me acharå minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

De Vós Me Aparto, Ó Vida! Em Tal Mudança

De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
se mais hå de perder quem mais alcança.

Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas ĂĄguas do eterno esquecimento
segura passarå minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.

Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glĂłria que em sofrer tal pena sentem.

Sou

Sou o que sabe nĂŁo ser menos vĂŁo
Que o vĂŁo observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmĂŁo.

Sou, tĂĄcitos amigos, o que sabe
Que a Ășnica vingança ou o perdĂŁo
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao Ăłdio humano essa curiosa chave.

Sou o que, apesar de tĂŁo ilustres modos
De errar, nĂŁo decifrou o labirinto
Singular e plural, ĂĄrduo e distinto,

Do tempo, que Ă© de um sĂł e Ă© de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.

II

Leia a posteridade, Ăł pĂĄtrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:

NĂŁo vĂȘs nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um ĂĄlamo copado;
NĂŁo vĂȘs ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo banhando as pĂĄlidas areias
Nas porçÔes do riquíssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

Conto de Fadas

Eu trago-te nas mĂŁos o esquecimento
Das horas mĂĄs que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha prĂłpria dor.

Os meus gestos sĂŁo ondas de Sorrento…
Trago no nome as letras de uma flor…
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento…

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepĂșsculos da tarde,
O sol que Ă© d’oiro, a onda que palpita.

Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
– Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A Princesa do conto: “Era uma vez…”

De Martins Pena Foi Bem Triste A Sorte

De Martins Pena foi bem triste a sorte:
Moço, bem moço, quando o seu talento
Desabrochava n’um deslumbramento,
Caiu, ferido pela mĂŁo da morte!

Era, entretanto, um lutador, um forte,
E, como nĂŁo merece o esquecimento,
Que a nossa festa, ao menos um momento,
O seu risonho espĂ­rito conforte.

Quem o amou e o leu em vĂŁo procura
O seu nome na placa de uma esquina
Ou sobre a pedra de uma sepultura!

Porém, voltando à brasileira cena,
HĂĄ de brilhar a estrela peregrina
Que se chamou Luiz Carlos Martins Pena!

Velhice

Água do rio Letes, onde passas?
Venha a mim o teu curso benfazejo
Que sepulta alegrias ou desgraças
No mesmo esquecimento sem desejo.

Quero beber-te por contĂ­nuas taças…
E Ă s horas do passado que revejo,
Pedir-te que as afogues e desfaças
Na carĂ­cia e na esmola do teu beijo!

Quem de si nunca esteve satisfeito
E com novas empresas sĂł procura
Corrigir seu engano ou seu defeito,

NĂŁo pode recordar sem amargura
Que a mais nenhum esforço tem direito
Na ruĂ­na presente e na futura…

Qualquer Coisa de Paz

Qualquer coisa de paz. Talvez somente
a maneira de a luz a concentrar
no volume, que a deixa, inteira, assente
na gravidade interior de estar.

Qualquer coisa de paz. Ou, simplesmente,
uma ausĂȘncia de si, quase lunar,
que iluminasse o peso. E a corrente
de estar por dentro do peso a gravitar.

Ou planalto de vento. MilenĂĄria
semeadura de meditação
expondo à intempérie a sua årea

de esquecimento. Aonde a solidĂŁo,
a pesar sobre si, quase que arruĂ­na
a luz da fronte onde a atenção domina.

O Convertido

Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma Ăąnsia impotente de infinito.

Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!

Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!

Amortalhei na FĂ© o pensamento,
E achei a paz na inĂ©rcia e esquecimento…
SĂł me falta saber se Deus existe!

A uma Partida

Partistes-vos, e a alma juntamente
Em partes desiguais se me partiu;
A melhor, que era vossa, vos seguiu;
Ficou-me a outra, fraca e descontente.

Bem sei que a natureza o nĂŁo consente,
Mas Amor, que mais pode, o consentiu,
Por que a fé que em presença vos serviu,
Também vos sirva agora, estando ausente.

Eu, sem mim e sem vĂłs, nĂŁo sei que espero,
Nem com que maravilhas me sustento
Nas sombras tristes do meu bem passado.

SĂł sei que cada dia mais vos quero,
E que por mais que possa o esquecimento,
Nunca poderĂĄ mais que meu cuidado.

Se AlgĂŒ’hora Em VĂłs A Piedade

Se algĂŒ’hora em vĂłs a piedade
de tĂŁo longo tormento se sentira,
nĂŁo consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saĂŒdade.

Apartei me de vĂłs, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausĂȘncia Ă© de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.

Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lågrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.

E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cå me acharå minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.

Nocturno

EspĂ­rito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu sĂł entendes bem o meu tormento…

Como um canto longĂ­nquo – triste e lento-
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento…

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visÔes, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém!

Mais Hå-de Perder quem Mais Alcança

De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
Se mais hå-de perder quem mais alcança!

Mas dou-vos esta firme segurança:
Que, posto que me mate o meu tormento,
Pelas ĂĄguas do eterno esquecimento
Segura passarå minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com cousa outra alguma se contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueçam.

Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereçam
A glĂłria que em sofrer tal pena sentem.

Se ao Mundo Predissesses teu Morrer

Se ao mundo predissesses teu morrer
na morte a natureza ir-te-ia Ă  frente
volvendo com mandado intransigente
no eterno esquecimento o prĂłprio ser

O céu se rosaria docemente
por do teu corpo a roupa enfim descer
florestas tingiria o teu sofrer
de negro e a noite o mar barca silente

Luto sem nome com estrelas mede
a estela ao teu olhar no arco celeste
e a escuridĂŁo de espesso muro impede

que a luz da nova primavera preste
A estação vĂȘ nos astros que pararam
as cisternas que a morte te espelharam.

Tradução de Vasco Graça Moura