Espera
Se tivesse mandado uma palavra: -“espera!”
Sem mais nada, nem mesmo explicar até quando,
eu teria ficado até hoje esperando…
– era a eterna ilusão de que fosses sincera…Que importa a vida, o Sol, a primavera,
se eras a vida, o Sol, a flor desabrochando?
Se tivesses mandado uma palavra: -“espera!”
eu teria ficado até hoje esperando…Não mandaste, tu nada disseste, e eu segui
sem saber que fazer da vida que era tua
procurando com o mundo esquecer-me de ti…E afinal o destino, irônico e mordaz,
ontem, fez-me cruzar com o teu olhar na rua,
ouvir dizer-te: -“espera!…”E ser tarde demais…
Sonetos sobre Sol
368 resultadosFermosos Olhos
Fermosos olhos, quem ver-vos pretende
A vista dera em preço se vos vira,
Que ainda que perder-vos a sentira,
A perda de não ver-vos não se entende.A graça dessa luz não na comprende
Quem qual ao sol a vós seus olhos vira,
Que o cego Amor que cego deles tira,
Com vossos próprios raios a defende.Não pode a vista humana conhecer
Qual seja a vossa cor, que a luz forçosa
Não consente mostrar tanta beleza.Se eu, que em vendo-a ceguei, pude ainda ver,
Uma cor vi, porém cor tão fermosa
Que me não pareceu da natureza.
Colar De Pérolas
A F’licidade é um colar de pérolas,
Pérolas caras, de valor pujante,
Belas estrofes de Petrarca e Dante
Mais cintilantes que as manhãs mais cérulas.Para que enfim esse colar bendito,
Perdure sempre, inteiramente egrégio,
Como uma tela do pintor Correggio,
Sem resvalar no lodaçal maldito:Faz-se preciso umas paixões bem retas,
Cheias de uns tons de muito sol — completas…
Faz-se preciso que do amor na febre,Nos grandes lances de vigor preclaro,
Desse colar esplendoroso e raro,
Nem uma pérola, uma só se quebre!…
De Açucenas E Rosas Misturadas
De açucenas e rosas misturadas
não se adornam as vossas faces belas,
nem as formosas tranças são daquelas
que dos raios do sol foram forjadas.As meninas dos olhos delicadas,
verde, preto ou azul não brilha nelas;
mas o autor soberano das estrelas
nenhumas fez a elas comparadas.Ah, Jônia, as açucenas e as rosas,
a cor dos olhos e as tranças d’oiro
podem fazer mil Ninfas melindrosas;Porém quanto é caduco esse tesoiro:
vós, sobre a sorte toda das formosas,
inda ostentais na sábia frente o loiro!
Maria das Quimeras
Maria das Quimeras me chamou
Alguém.. Pelos castelos que eu ergui
P’las flores d’oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minh’alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh’alma, Alguém, tudo levou!Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores d’oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?…
Aonde estão os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?…
O Cometa
Um cometa passava… Em luz, na penedia,
Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava;
Entregava-se ao sol a terra, como escrava;
Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia…Assolavam a terra o terremoto, a lava,
A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia;
Mas renascia o amor, o orgulho revivia,
Passavam religiões… E o cometa passava.E fugia, riçando a ígnea cauda flava…
Fenecia uma raça; a solidão bravia
Povoava-se outra vez. E o cometa voltava…Escoava-se o tropel das eras, dia a dia:
E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava
A sua eternidade ! E o cometa sorria…
Quarenta Anos
Sim! como um dia de verão, de acesa
Luz, de acesos e cálidos fulgores,
Como os sorrisos da estação das flores,
Foi passando também tua beleza.Hoje, das garras da descrença presa,
Perdes as ilusões. Vão-se-te as cores
Da face. E entram-te n’alma os dissabores,
Nublam-te o olhar as sombras da tristeza.Expira a primavera, O sol fulgura
Com o brilho extremo. . . E aí vêm as noites frias,
Aí vem o inverno da velhice escura…Ah! pudesse eu fazer, novo Ezequias,
Que o sol poente dessa formosura
Volvesse à aurora dos primeiros dias!
Sol Poente
Tardinha… “Ave-Maria, Mãe de Deus…”
E reza a voz dos sinos e das noras…
O sol que morre tem clarões d’auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!Horas que têm a cor dos olhos teus…
Horas evocadoras doutras horas…
Lembranças de fantásticos outroras,
De sonhos que não tenho e que eram meus!Horas em que as saudades, p’las estradas,
Inclinam as cabeças mart’rizadas
E ficam pensativas… meditando…Morrem verbenas silenciosamente…
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pálida boca desfolhando…
Falavam-me de Amor
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.
Dilacerações
Ó carnes que eu amei sangrentamente,
Ó volúpias letais e dolorosas,
Essências de heliótropos e de rosas
De essência morna, tropical, dolente…Carnes virgens e tépidas do Oriente
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente…Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores…Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em cores…
Respiro e Vejo
Respiro e vejo. A noite e cada sol
vão rompendo de mim a todo o instante,
tarde e manhã que são tecido tempo,
chuva e colheita. O céu, repouso e vento.Vergel de aves. Vou entre viveiros,
a caçar com o olhar, passarinhagem
dos pequeninos sóis e das estrelas
que emigram neste céu de goiabeiras.mas sigo a jardinagem, podo o tempo,
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo,
as florações da luz e da cegueira.E, no dia, suspensa cachoeira,
neste jogo sagrado, vivo e vejo
o que veio em meus olhos desenhado.
Soneto A Oxford
Ó Oxford, prende o sol em tuas pontas
Góticas; dormem divinas harmonias
Em tuas torres puras e sombrias
E em teus jardns de grandes flores tontas.O eterno farfalhar de Christ Church Meadows
E as mesmas águas trêmulas dos Ices
Enchem meu coração da antiga fé
Dos bardos que ilustraram tuas classes.Rebanhos de hoje e sempre; hoje meninos
De capa preta, que o pastor dos sinos
Tange dos sinos que me estão chamandoAos claustros de presságio e na penumbra
Sobre os quais, pela noite, se vislumbra
O fantasma de Magdalen, perscrutando…
Soneto a Vermeer
De luto, a minha avó costura à máquina,
e gira um cata-vento em plena sala.
Vejo seu rosto, sombra que a janela
corrompe contra um pátio amareladode sol e de mosaicos. Sobre a mesa,
a tesoura, um esquadro, alguns retalhos
e a imóvel solidão. A minha avó,
com os seus olhos azuis, o tempo acalma.A minha avó é jovem, mansa e apenas
a limpidez de tudo. Sonho vê-la
no seu vestido negro, a gola branca
contra o corpo de cão, negro, da máquina:a roda, de perfil, parece imóvel
e a vida não se exila na beleza.
LVIII
Altas serras, que ao Céu estais servindo
De muralhas, que o tempo não profana,
Se Gigantes não sois, que a forma humana
Em duras penhas foram confundindo?lá sobre o vosso cume se está rindo
O Monarca da luz, que esta alma engana;
Pois na face, que ostenta, soberana,
O rosto de meu bem me vai fingindo.Que alegre, que mimoso, que brilhante
Ele se me afigura! Ah qual efeito
Em minha alma se sente neste instante!Mas ai! a que delírios me sujeito!
Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Em vós descubro ó penhas o seu peito?
À Fragilidade da Vida Humana
Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse estio em vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave em doce agrado.Se a nau, o sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,Olha, cego imortal, e considera
Que és rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.
Na Aldeia
A Cristóvão Aires
Duas horas da tarde. Um sol ardente
Nos colmos dardejando, e nos eirados.
Sobreleva aos sussurros abafados
O grito das bigornas estridente.A taberna é vazia; mansamente
Treme o loureiro nos umbrais pintados;
Zumbem à porta insectos variegados,
Envolvidos do sol na luz tremente.Fia à soleira uma velhinha: o filho
No céu mal acordou da aurora o brilho
Saiu para os cansaços da lavoura.A nora lava na ribeira, e os netos
Ao longe correm seminus, inquietos,
No mar ondeante da seara loura.
Quando As Folhas Caírem Nos Caminhos
Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos,e que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
– “Como se amaram esses coitadinhos!
como ela vai, como ele vai contente!”E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos…E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto
hão de falar os teus cabelos brancos.
Vão Arrebatamento
Partes um dia das Curiosidades
Do teu ser singular, partes em busca
De alamas irmãs, cujo esplendor ofusca
As celestes, divinas claridades.Rasgas terras e céus, imensidades,
Dos perigos da Vida a vaga brusca,
Queima-te o sol que na Amplidão corusca
E consola-te a lua das saudades.Andas por toda a parte, em toda a parte
A sedução das almas a falar-te,
Como da Terra luminosos marcos.E a sorrir e a gemer e soluçando
Ah! Sempre em busca de almas vais andando
Mas em vez delas encontrando charcos!
Minh’alma Está Agora Penetrando
Minh’alma está agora penetrando
Lá na etérea plaga, cristalina!
Que música meu Deus febril, divina
Nos páramos azuis vai retumbando!Além, d’áureo dossel se está rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
Diáfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croadoDe um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lábios faz soltar pujante brado
Hosanas! não morreu! apenas dorme.
XII
Fatigado da calma se acolhia
Junto o rebanho à sombra dos salgueiros;
E o sol, queimando os ásperos oiteiros,
Com violência maior no campo ardia.Sufocava se o vento, que gemia
Entre o verde matiz dos sovereiros;
E tanto ao gado, como aos pegureiros
Desmaiava o calor do intenso dia.Nesta ardente estação, de fino amante
Dando mostras Daliso, atravessava
O campo todo em busca de Violante.Seu descuido em seu fogo desculpava;
Que mal feria o sol tão penetrante,
Onde maior incêndio a alma abrasava.