Sonetos sobre AusĂȘncia

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Sonetos de ausĂȘncia escritos por poetas consagrados, filĂłsofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Se me Aparto de ti, Deus da Bondade

Se me aparto de ti, Deus da bondade,
Que ausĂȘncia tĂŁo cruel! Como Ă© possĂ­vel
Que me leve a um abismo tĂŁo terrĂ­vel
O pendor infeliz da humanidade!

Conforta-me, Senhor, que esta saudade
Me despedaça o coração sensível;
Se a teus olhos na cruz sou desprezĂ­vel,
NĂŁo olhes para a minha iniquidade!

À suave esperança me entregaste,
E o preço de teu sangue precioso
Me afiança que não me abandonaste.

Se, justo, castigar-me te é forçoso,
lembra-te que te amei, e me criaste
para habitar contigo o CĂ©u lustroso!

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?

Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lĂĄgrimas vertidas,
Tantos suspiros vĂŁos vĂŁmente dados,

Como nĂŁo sois vĂłs jĂĄ desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?

Se nĂŁo tivĂ©reis jĂĄ longa exp’riĂȘncia
Das sem-razÔes de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vĂłs a resistĂȘncia.

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo nĂŁo curou, nem larga ausĂȘncia,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?

PrelĂșdio Da Gota D’ Água

Cheio da tua ausĂȘncia me angustio
a cada hora que passa… a cada instante…
– pelo meu pensamento, como um fio,
Ă©s uma gota d’ĂĄgua, tremulante…

Uma gota suspensa e cintilante,
lĂ­mpida e imĂłvel como um desafio…
Tua ausĂȘncia, – Ă© a presença triunfante
daquela gota que ficou no fio. . .

As outras todas, céleres, pingaram,
e caĂ­ram na terra onde secaram,
sĂł tu ficaste, Ășltima gota, assim

como uma estrela sem ter firmamento,
suspensa ao fio do meu pensamento
e a brilhar, sem cair… dentro de mim…

A Dor da AusĂȘncia Fica Mais Pequena

Quando vejo que meu destino ordena
Que, por me experimentar, de vĂłs me aparte,
Deixando de meu bem tĂŁo grande parte,
Que a mesma culpa fica grave pena,

O duro desfavor, que me condena,
Quando pela memĂłria se reparte,
Endurece os sentidos de tal arte
Que a dor da ausĂȘncia fica mais pequena.

Mas como pode ser que na mudança
Daquilo que mais quero, este tĂŁo fora
De me não apartar também da vida?

Eu refrearei tão åspera esquivança,
Porque mais sentirei partir, Senhora,
Sem sentir muito a pena da partida.

A concha

A minha casa Ă© concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciĂȘncia:
Fechada de marés, a sonhos e a lixos,
O horto e os muros sĂł areia e ausĂȘncia.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocĂȘncia
Se Ă s vezes dĂĄ uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhadosa de vidro, e escadarias
FrĂĄgeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.

A minha casa… Mas Ă© outra a histĂłria:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memĂłria.

Ó tu, consolador dos malfadados

Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mĂĄgoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:

Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vĂłs, sonhos d’amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visĂŁo de seus agrados:

Filha das trevas, frouxa sonolĂȘncia,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausĂȘncia!

Ah!, findou para mim tĂŁo leda sorte;
Agora Ă© sĂł feliz minha existĂȘncia
No mudo estado, que arremeda a morte.

As LĂĄgrimas

Exaltemos as lĂĄgrimas. Na pele das veias,
bom dia, ĂĄguas. GratidĂŁo ao rosto, Ă s cores,
ao sulco nos olhos. PorquĂȘ este ardor, este
temor da erva pisada? Adormecem comigo,

meigas fĂĄbricas de quietude e solidĂŁo
no calmo azul branco da sua breve cor.
Que longe se vĂŁo no ar amargo, sob o Ă­mpeto
delirante de as transformar em leis extintas,

ironias ou jĂșbilos. Rolem ou finjam
incansĂĄveis trabalhos ou dores, assim
conspiram em outras portas, outros mistérios.

Perco-as entre conversas, o sono, o amor.
Aos olhos desertos sua ausĂȘncia os desgasta.
Louvemos nas lĂĄgrimas o seu fulgor vĂŁo.

AusĂȘncia Misteriosa

Uma hora sĂł que o teu perfil se afasta,
Um instante sequer, um sĂł minuto
Desta casa que amo — vago luto
Envolve logo esta morada casta.

Tua presença delicada basta
Para tudo tornar claro e impoluto…
Na tua ausĂȘncia, da Saudade escuto
O pranto que me prende e que me arrasta…

Secretas e sutis melancolias
Recuadas na Noite dos meus dias
VĂȘm para mim, lentas, se aproximando.

E em toda casa, nos objetos, erra
Um sentimento que nĂŁo Ă© da Terra
E que eu mudo e sozinho vou sonhando…

Absurdo

Ninguém te disse nada, ninguém soube
do anel que se perdia em tuas mĂŁos
e crescia nas coisas reduzindo-as
Ă  ausĂȘncia mais completa do existir.

Mesmo quando o limite era essa zona
fugidia de gestos e silĂȘncios
e a noite desdobrava em tua pele
o mapa das cidades compassivas,

ninguém pÎde saber do imprevisível,
do lado mais secreto e numeroso
que havia em ti, na vida que buscavas

e que perdias sempre, por mais fundo,
por mais limpo que fosse o privilégio
da mĂĄgoa sempre nova de perdĂȘ-la.

Lågrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vĂłs piedade
De tĂŁo longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vĂłs, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausĂȘncia Ă© de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lågrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cå me acharå minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

Soneto XXXX

Num seco ramo, nĂș de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vĂȘ-lo a cada sombra se lhe antolha.

Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque nĂŁo consente
A dor ver ĂĄgua clara, juntamente
A envolve c’os pĂ©s e o bico molha.

Se ausĂȘncia e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausĂȘncia, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,

Que farĂŁo em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a nĂŁo sentir, e acabe.

Soneto Da Sentida SolidĂŁo

A falta Ă© complemento da saudade,
servida em larga ausĂȘncia nos ponteiros,
bandeja dos segundos que se evade,
em pasto das desoras, sorrateira.

Estar Ă© seduzir sem muito alarde,
no avaro aqui agora companheiro,
o porto da atenção que se me guarde
o ser presente da sanha viageira.

Partir Ă© sentimento de voltar,
liberta, eu sei, no vento e seu afoite,
navega a sina em rasa preamar;

ela, essa ausente, é dona e meu açoite,
no seu impulso presto em navegar,
vai se enfunando em névoa pela noite.

Ah, Mas Aqui, Onde Irreais Erramos

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mĂŁos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque Ă© ausĂȘncia e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nĂłs exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Roseacruz conhece e cala.

Soneto de Mal Amar

Invento-te    recordo-te   distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.

A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciĂșme atormentada
a provar-me que ainda nĂŁo estou morto.

E as coisas que eu nĂŁo disse? Que nĂŁo digo:
Meu terraço de ausĂȘncia    meu castigo
meu pĂąntano de rosas afogadas.

Por ti me reconheço e contradigo
chĂŁo das palavras mĂĄgoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.

Qualquer Coisa de Paz

Qualquer coisa de paz. Talvez somente
a maneira de a luz a concentrar
no volume, que a deixa, inteira, assente
na gravidade interior de estar.

Qualquer coisa de paz. Ou, simplesmente,
uma ausĂȘncia de si, quase lunar,
que iluminasse o peso. E a corrente
de estar por dentro do peso a gravitar.

Ou planalto de vento. MilenĂĄria
semeadura de meditação
expondo à intempérie a sua årea

de esquecimento. Aonde a solidĂŁo,
a pesar sobre si, quase que arruĂ­na
a luz da fronte onde a atenção domina.

Quem Quiser Ver D’amor Üa ExcelĂȘncia

Quem quiser ver d’Amor ĂŒa excelĂȘncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me pÔe minha ventura,
por ter de minha fĂ© experiĂȘncia.

Onde lembranças mata a longa ausĂȘncia,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade estĂĄ segura,
quando mor risco corre a paciĂȘncia.

Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;

Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂ­ngua o nome, n’alma a vista pura.

Vinham Rosas na Bruma Florescidas

Vinham rosas na bruma florescidas
rodear no teu nome a sua ausĂȘncia.
E a si se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparĂȘncia.

Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mĂĄgoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem sĂł lugar de mĂĄgoa.

MĂĄgoa nĂŁo de antes ou de depois. Presente
sempre actual de cada bruma ou rosa,
relativos ou nĂŁo no espelho ausente.

E ausente sĂł porque, se nĂŁo repousa,
Ă© nome rodopio que, na mente,
em bruma a brisa em que se aviva a rosa.

NĂŁo Estejas Longe de Mim um Dia que Seja

NĂŁo estejas longe de mim um dia que seja, porque,
porque, nĂŁo sei dizĂȘ-lo, Ă© longo o dia,
e estarei à tua espera como nas estaçÔes
quando em algum sitio os comboios adormeceram.

NĂŁo te afastes uma hora porque entĂŁo
nessa hora se juntam as gotas da insĂłnia
e talvez o fumo que anda Ă  procura de casa
venha matar ainda meu coração perdido.

Ai que nĂŁo se quebre a tua silhueta na areia,
ai que na ausĂȘncia as tuas pĂĄlpebras nĂŁo voem:
nĂŁo te vĂĄs por um minuto, Ăł bem-amada,

porque nesse minuto terĂĄs ido tĂŁo longe
que atravessarei a terra inteira perguntando
se voltarĂĄs ou me deixarĂĄs morrer.

Soneto, Ă s Cinco Horas da Tarde

Agora que me instigo e me arremesso
ao branco ofĂ­cio de prender meu sono
e depois atirĂĄ-lo em seu vestido
feito de céu e restos de incerteza,

recolho inutilmente de seus lĂĄbios
a precisĂŁo do sangue do silĂȘncio
e inauguro uma tarde em suas mĂŁos
grĂĄvidas de gestos e de rumos.

Pelo temor e o débil sobressalto
de encontrar sua ausĂȘncia numa esquina
quando extingui canção e permanĂȘncia,

guardei todo o impossĂ­vel de seus olhos,
embora ouvisse, longe, além dos mapas,
bruscos mastins de cedro em seus cabelos.

Amor

Quando Ă© noite, e, na voz da Imensidade,
Um alto sonho em lĂĄgrimas crepita,
Tua graça de morte me visita,
Teu olhar Ă© um sorriso de saudade…

E a tua AusĂȘncia intimamente invade
Meu coração que morto inda palpita;
E a lĂĄgrima que eu sangro se ilimita,
Reflecte em sua dor a eternidade!

Vens de Além; são de sombras teus vestidos;
Tua noite de morte me ilumina,
Confundimos em ĂȘxtase os sentidos…

Um canto ri na cruz da nossa dor;
Canto onde brilha uma oração divina,
Morre o Desejo e principia o Amor!