Sonetos sobre Mortos

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Sonetos de mortos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Mudez Perversa

Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude de pedra, concentrando
No entanto, n’alma, convulsões de guerra!

A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo grossas pás de terra.

Não te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrível que não gera nada,
Que não diz nada, não tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho prumo
Da alma fico com a alma alucinada!

O Pântano

Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pântano é o túmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranqüilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, à espera de quem passa
Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta…

E eu sinto a angústia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da água morta!

Bem Mostrou o Pintor Estilo Agudo

Bem mostrou o pintor estilo agudo
No retrato, senhora, que vos mando,
Pois não só o parecer foi retratando,
Mas os efeitos com mais alto estudo.

Se vai mudo ante vós, eu fico mudo;
Se surdo, e cego, bem cego, e surdo ando;
Se morto, a vida vai-se-me acabando;
Em fim que vai conforme a mim em tudo.

Mas na ventura fica avantajado,
Que vai (com gosto vosso) à vossa mão,
Onde será melhor visto, e tratado:

Mercês, que se deviam por razão
Ao próprio original, porque o traslado
Não vê, nem sente de que preço são.

Cegueira Bendita

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

Não vejo nada, tudo é morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho…

Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!…

E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!

Nessa Sala Perdida Na Inglaterra

Nessa sala perdida na Inglaterra
Vivo entre coisas mortas, vivo e mudo
Poeta louco e triste, eu te saúdo
No teu quarto de século na terra

Não te valha essa máscara de estudo
Nem te sirva essa máscara de guerra
Valha-te essa tristeza que te aterra
E essa loucura que em tua alma é tudo

Mova-te o sangue que em teu ser lateja
Leve-te o estro lúcido e distante
Que consomes nos copos de cerveja

Leve-te a vida ao bem da tua amante
E a mote, que do túmulo te beija
Viva-te como um momento deste instante.

Soneto I – Leandro E Hero

O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma não se apaga
O fogo com que o facho se acendia.

Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).

Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!… és morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!

Morreste!… mas… (e às ondas se arrojando
Assim termina já sorvendo a morte)
Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”

Tarde Demais…

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”

No Egito

Sob os ardentes sóis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhão desfila,
Abre as asas no páramo infinito.

O Egito é sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqüila
A alma descansa do sofrer prescrito.

Sobre as ruínas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana…

E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a própria dor humana!

Diário duma Mulher

Meu rosto já tem vincos de cansaço.
Murcharam como as rosas minhas faces.
Já não posso estreitar-te num abraço,
sem temer, meu Amor, que não me abraces!

O luar nos meus olhos fez-se baço.
Meus lábios, se algum dia tu beijasses!…
Meu passado, porém, morreu no espaço,
qual nuvem que em chuvisco transformasses!

O futuro não tem de que viver.
O amor — raízes mortas que não nascem —,
os sonhos, estão como se embarcassem

num cruzeiro de calma, sem saber
que o é… Mas essa calma hoje é sinónimo
de um sentimento misterioso, anónimo…

Consolo Amargo

Mortos e mortos, tudo vai passando,
Tudo pelos abismos se sumindo…
Enquanto sobre a Terra ficam rindo
Uns, e já outros, pálidos, chorando…

Todos vão trêmulos finalizando,
Para os gelados túmulos partindo,
Descendo ao tremedal eterno, infindo,
Mortos e mortos, num sinistro bando.

Tudo passa espectral e doloroso,
Pulverulentamente nebuloso
Como num sonho, num fatal letargo…

Mas, de quem chora os mortos, entretanto,
O Esquecimento vem e enxuga o pranto,
E é esse apenas o consolo amargo!

Mundos Extintos

São tão remotas as estrelas que,
apesar da vertiginosa velocidade da luz,
elas se apagam. e continuam a brilhar durante séculos.

MORREM OS MUNDOS… Silenciosa e escura,
Eterna noite cinge-os. Mudas, frias,
Nas luminosas solidões da altura
Erguem-se, assim, necrópoles sombrias…

Mas pra nós, di-lo a ciência, além perdura
A vida, e expande as rútilas magias…
Pelos séculos em fora a luz fulgura
Traçando-lhes as órbitas vazias.

Meus ideais! extinta claridade –
Mortos, rompeis, fantásticos e insanos
Da minh’alma a revolta imensidade…

E sois ainda todos os enganos
E toda a luz, e toda a mocidade
Desta velhice trágica aos vinte anos…

Torre de Névoa

Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! …”

Calaram-se os poetas, tristemente …
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu! …

Porto inseguro

A liberdade bate à minha porta,
tão carente de mim, pedindo abrigo.
Quero ampará-la e penso que consigo
detê-la, mas seria tê-la morta.

Livre para pairar num céu sem peias,
na solidão de um vôo sem destino,
por que perder, nos olhos de águia, o tino,
vindo a quem se agrilhoa sem cadeias?

Deusa das asas! Seu vagar escapa
a meus sentidos, seu desejo alcança
tudo que a mim se esconde atrás da capa.

Vá embora daqui! Siga seu rumo!
Sou prisioneiro, um órfão da esperança
e arrasto um vôo cego em chão sem prumo.

Soneto XXI

As Relíquias de S. Cruz de Coimbra

Aquela Águia gentil de vista estranha
A Cristo viu, co’ a mão de estrelas chea,
Solícito, qual anda o que semea
C’os olhos longos no que ao longe apanha.

Lavrador foi no mundo, e com tamanha
Sede que inda de lá fruito granjea.
Mas ai Senhor, em terra e triste area,
Mal estrelas se dão, pouco se ganha.

Bem sabe Cristo o que semea, e onde:
As vivas mortes são de mortas vidas
(Que hoje neste sagrado templo esconde)

Estrelas, que de carne estão vistidas.
A quem semea seu valor responde,
E bem, donde as semea merecidas.

Divino Instante

Ser uma pobre morta inerte e fria,
Hierática, deitada sob a terra,
Sem saber se no mundo há paz ou guerra,
Sem ver nascer, sem ver morrer o dia;

Luz apagada ao alto e que alumia,
Boca fechada à fala que não erra,
Urna de bronze que a Verdade encerra,
Ah! ser Eu essa morta inerte e fria!

Ah! fixar o efémero! Esse instante
Em que o teu beijo sôfrego de amante
Queima o meu corpo frágil de âmbar loiro;

Ah! fixar o momento em que, dolente,
Tuas pálpebras descem, lentamente,
Sobre a vertigem dos teus olhos de oiro!

Uma Amiga

Aqueles que eu amei, não sei que vento
Os dispersou no mundo, que os não vejo…
Estendo os bracos e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento…

Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!

Daquela primavera venturosa
Não resta uma flor so, uma so rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!

Tu so foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnece-lo!

VIII

Este é o rio, a montanha é esta,
Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,
Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh quão lembrado estou de haver subido
Aquele monte, e as vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando;
Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.

Requiescat

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memória,
Dorme tranqüila no esplendor da glória,
Longe das amarguras do cansaço…

Ilusão, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flórea,
Quando as visões da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…

Ó Ilusão! Estranha caravana
de águias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarão do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…

Renascimento

A Alma não fica inteiramente morta!
Vagas Ressurreições do Sentimento
Abrem já, devagar, porta por porta,
Os palácios reais do Encantamento!

Morrer! Findar! Desfalecer! que importa
Para o secreto e fundo movimento
Que a alma transporta, sublimiza e exorta,
Ao grande Bem do grande Pensamento!

Chamas novas e belas vão raiando,
Vão se acendendo os límpidos altares
E as almas vão sorrindo e vão orando…

E pela curva dos longínquos ares
Ei-las que vêm, como o imprevisto bando
Dos albatrozes dos estranhos mares…

Insónia

Noite calada, como num lamento,
A voz das coisas ponho-me a escutar,
E ela vai, vai subindo ao Firmamento,
Num murmúrio constante, a soluçar.

Noites de Outono, como chora o vento…
Noites sem brilho, noites sem luar.
Noites de Outono, sois o meu tormento,
Tombam as folhas, ponho-me a cismar.

Noite morta. Lá fora a ventania
Passa rezando estranha litania,
Como sinos dobrando ao entardecer.

Vento que choras, dolorido canto,
Unge meus olhos, deixa-mos em pranto,
Para melhor assim adormecer.