Sonetos sobre Arte

47 resultados
Sonetos de arte escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Auto-Retrato

Poeta Ă© certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesĂŁo na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido Ă  portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelĂŁ
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate
palavrĂŁo de machĂŁo no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

O Azar

Com peso tal, nĂŁo me ajeito;
Dá-me, Sísifo, vigor!
Embora eu tenha valor,
A Arte Ă© larga e o Tempo Estreito.

Longe dos mortos lembrados,
A um obscuro cemitério,
Minh’alma , tambor funĂ©reo,
Vai rufar trechos magoados.

— Há muitas jóias ocultas
Na terra fria, sepulturas
Onde nĂŁo chega o alviĂŁo;

Muita flor exala a medo
Seus perfumes no degredo
Da profunda solidĂŁo

Tradução de Delfim Guimarães

XXXV

Aquele, que enfermou de desgraçado,
NĂŁo espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.

Por mais, que gire o espĂ­rito cansado
Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.

NĂŁo basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:

E bem que o peito humano as forças prove,
Que há de fazer o temerário empenho,
Onde o raio Ă© do CĂ©u, a mĂŁo de Jove.

Um Dia Guttemberg

Um dia Guttemberg c’o a alma aos cĂ©us suspensa,
Pegou do escopro ingente e pĂ´s-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!

Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pĂł, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o cĂ©u, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrĂ­vel treva densa!…

Ergueram-se mil povos ao som das melopéias,
Das grandes cavatinas olĂ­mpicas da arte!
Raiou o novo sol das fĂşlgidas idĂ©ias!…

Porém, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…

Não Pode Tirar-me as Esperanças

Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas conquanto nĂŁo pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e nĂŁo se vĂŞ.

Que dias há que na alma me tem posto
Um nĂŁo sei quĂŞ, que nasce nĂŁo sei onde;
Vem nĂŁo sei como; e dĂłi nĂŁo sei porquĂŞ.

A AngĂşstia

Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tĂŁo rubro,
A solene dolência dos poentes, além.

Eu rio-me da Arte, do Homem, das canções,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio plas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.

NĂŁo creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a que chamam Amor.

Já farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrágio maior.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

XVI

Toda a mortal fadiga adormecia
No silĂŞncio, que a noite convidava;
Nada o sono suavĂ­ssimo alterava
Na muda confusĂŁo da sombra fria:

SĂł Fido, que de amor por Lise ardia,
No sossego maior nĂŁo repousava;
Sentindo o mal, com lágrimas culpava
A sorte; porque dela se partia.

VĂŞ Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Querer enternecĂŞ-na Ă© inĂştil arte;
Fazer o que ela quer, Ă© rigor forte:

Mas de modo entre as penas se reparte;
Que Ă  Lise rende a alma, a vida Ă  morte:
Por que uma parte alente a outra parte.

Noli Me Tangere

A exaltação emocional do Gozo,
O Amor, a GlĂłria, a CiĂŞncia, a Arte e a Beleza
Servem de combustĂ­veis Ă  ira acesa
Das tempestades do meu ser nervoso!

Eu sou, por conseqĂĽĂŞncia um ser monstruoso!
Em minha arca encefálica indefesa
Choram as forças más da Natureza
Sem possibilidades de repouso!

Agregados anĂ´malos malditos
Despedaçam-se, mordem-se, dão gritos
Nas minhas camas cerebrais funĂ©reas…

Ai! NĂŁo toqueis em minhas faces verdes,
Sob pena, homens felizes, de sofrerdes
A sensação de todas as misérias!

Está O Lascivo E Doce Passarinho

Está o lascivo e doce passarinho
com o biquinho as penas ordenando;
o verso sem medida, alegre e brando,
espedindo no rĂşstico raminho;

o cruel caçador (que do caminho
se vem calado e manso desviando)
na pronta vista a seta endireitando,
lhe dá no Estígio lago eterno ninho.

Dest’ arte o coração, que livre andava,
(posto que já de longe destinado)
onde menos temia, foi ferido.

Porque o Frecheiro cego me esperava,
para que me tomasse descuidado,
em vossos claros olhos escondido.

Picadeiro

Estava sossegado lá no fundo
Do meu eu e de mim sem muita pressa
Nesses momentos calmos que circundo
Roteiro e enredo em ato que começa

Minha descida ao palco do meu mundo
Que venho e represento a farsa dessa
Comédia que é de arte em que aprofundo
A pena desgarrada em vĂŁ promessa

De bem cantar somente o mais fecundo
Sonho sonhado sem a dor expressa
Que a vida vai me dando num segundo

O desempenho em títere da peça
Neste papel de doce vagabundo
Que me faz rir da dor doída à beça.

O MartĂ­rio Do Artista

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A Ăłrbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do Ăşltimo momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à mingua
Da prĂłpria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vĂŁo falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a lĂ­ngua,
E nĂŁo lhe vem Ă  boca uma palavra!

À Morte Peço a Paz Farto de Tudo

À morte peço a paz farto de tudo,
de ver talento a mendigar o pĂŁo,
e o oco abonitado e farfalhudo,
e a pura fé rasgada na traição,

e galas de ouro es despejados bustos,
e a virgindade Ă  bruta rebentada,
e em justa perfeição tratos injustos,
e o valor da inépcia valer nada,

e autoridade na arte pôr mordaça,
e pedantes a engenho dando lei,
e a verdade por lorpa como passa,

e no cativo bem o mal ser rei.
Farto disto, nĂŁo deixo o meu caminho,
pois se eu morrer, Ă© o meu amor sozinho.

És dos Céus o Composto Mais Brilhante

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
TernĂ­ssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se nĂŁo rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razĂŁo com teus risos se mistura.

És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mĂŁos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.

Êxtase De Mármore

Ă€ grande atriz ApolĂ´nia.

O mármore profundo e cinzelado
De uma estátua viril, deliciosa;
Essa pedra que geme, anseia e goza
Num misticismo altĂ­ssimo e calado;

Essa pedra imortal — campo rasgado
A comoção mais íntima e nervosa
Da alma do artista, de um frescor de rosa,
Feita do azul de um céu muito azulado;

Se te visse o clarĂŁo que pelos ombros
Teus, rola, cai, nos mĂşltiplos assombros
Da Arte sonora, plena de harmonia;

O mármore feliz que é muito artista
TambĂ©m — como tu Ă©s — Ă  tua vista
De humildade e ciĂşme, coraria!

Soneto 279 A Leila MĂ­ccolis

Que tem de pequenina, tem de terna.
Concentra em si um pouquinho da maneira
de cada mulher brava brasileira:
Pagu, Tarsila, Anita. Ela Ă© moderna.

Por décadas de luta, já governa
o mundo alternativo, farta feira
de arte, em vibrações de feiticeira:
Assim Ă© Leila MĂ­ccolis, eterna.

Respeito a seus direitos ela cobra.
Ao bom comportamento Ă© sempre avessa.
À fácil caretice não se dobra.

A frase lapidar dessa cabeça
Ă© verso que resume grande obra:
“Falo do Ăłbvio, antes que me esqueça.”

Pede o Desejo, Dama, que Vos Veja

Pede o desejo, Dama, que vos veja:
Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem nĂŁo sabe o que deseja.

Não há cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
NĂŁo quer logo o desejo o desejado,
SĂł por que nunca falte onde sobeja.

Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,

Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

Vaso ChinĂŞs

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinĂŞs, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste Ă  desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um nĂŁo sei quĂŞ com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

Eu Cantarei De Amor TĂŁo Docemente

Eu cantarei de amor tĂŁo docemente,
por uns termos em si tĂŁo concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.

O Mar Agita-se, como um Alucinado

O Mar agita-se, como um alucinado:
A sua espuma aflui, baba da sua Dor…
Posto o escafandro, com um passo cadenciado,
Desce ao fundo do Oceano algum mergulhador.

Dá-lhe um aspecto estranho a campânula imensa:
Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano:
Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença
Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano!

E em vão as ondas se lhe enroscam à cabeça:
Ele desce orgulhoso, impassĂ­vel, sem pressa,
Com suprema altivez, com ironias calmas:

Assim devemos nĂłs, Poetas, no Mundo entrar,
Sem nos deixarmos absorver por esse Mar
— Pois a Arte é, para nós, o escafandro das Almas!

Poeira

Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, Ă  luz da Arte, risonho,
Busca fazer faiscar: pĂł, que se ergue Ă  carreira
Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.

Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.

Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,
Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:

Que Ă©s o humĂ­limo pĂł duma estrada sem povo,
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.