Passagens de Paul Verlaine

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Frases, pensamentos e outras passagens de Paul Verlaine para ler e compartilhar. Os melhores escritores estĂŁo em Poetris.

LassidĂŁo

Ah, por favor, doçura, doçura, doçura!
Acalma esses arroubos febris, minha bela.
Mesmo em grandes folguedos, a amante sĂł deve
Mostrar o abandono calmo da irmĂŁ pura.

Sê lânguida, adormece-me com os teus afagos,
Iguais aos teus suspiros e ao olhar que embala.
O abraço do ciúme, o espasmo impaciente
NĂŁo valem um sĂł beijo, mesmo quando mente!

Mas dizes-me, criança, em teu coração de ouro
A paixĂŁo mais selvagem toca o seu clarim!…
Deixa-a trombetear Ă  vontade, a impostora!

Chega essa testa à minha, a mão também, assim,
E faz-me juramentos pra amanhĂŁ quebrares,
Chorando até ser dia, impetuosa amada!

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Creio que Ă© menos importante amar a alma de uma mulher que o seu corpo. Ao fim e ao cabo, a alma Ă© imortal, e terei tempo de sobra para a amar, mas o corpo…

A uma Mulher

Pra vĂłs sĂŁo estes versos, pla consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pla vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.

Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta!

Ah! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do ParaĂ­so
NĂŁo passar de uma Ă©cloga Ă  vista do meu!

E os cuidados que vĂłs podeis ter sĂŁo apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
— Querida — num belo dia de um Setembro ameno.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Sabedoria I, III

Que dizes, viajante, de estações, países?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?

Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto Ă© igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,

Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insípidos recém-nascidos.

Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e também da Política
Com o sangue desonrado em mĂŁos sujas de tinta.

E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tĂŁo triste e louca, na verdade!

Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu?

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A vida humilde, cheia de trabalhos fáceis e aborrecidos, é uma obra de eleição que exige muito amor.

Voto

Ah! primeiras amantes! oaristos!, dourados
Cabelos, o azul dos olhos, carne em flor
De corpos juvenis, e entre o seu odor
As carĂ­cias a medo e com espontaneidade!

Ficaram já distantes essas alegrias
E todas as canduras! Rumo Ă  Primavera
Dos remorsos fugiram aos negros Invernos
Das minhas dores, dos meus cansaços e agonias!

E eis-me aqui, agora, sĂł e abatido,
Desesperado e mais frio que os avĂłs mais antigos,
TĂŁo pobre como um ĂłrfĂŁo sem irmĂŁ crescida.

Ă“ mulher de amor meigo e tĂŁo reconfortante,
Suave e pensativa, que nunca se espanta
E nos beija na testa, como uma criança!

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Nevermore

Ah, lembrança, lembrança, que me queres? O Outono
Fazia voar os tordos plo ar desmaiado

E o sol dardejava um monĂłtono raio
No bosque amarelado onde a nortada ecoa.

A sonhar caminhávamos os dois, a sós,
Ela e eu, pensamento e cabelos ao vento.
De repente, fitou-me em olhar comovente:
«Qual foi o teu mais belo dia?» disse a voz

De oiro vivo, sonora, em fresco timbre angélico.
Um sorriso discreto deu-lhe a minha réplica
E entĂŁo, como um devoto, beijei-lhe a mĂŁo branca.

— Ah! as primeiras flores, como são perfumadas!
E como em nĂłs ressoa o murmĂşrio vibrante
Desse primeiro sim dos lábios bem-amados!

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

O Meu Sonho Habitual

Tenho Ă s vezes um sonho estranho e penetrante
Com uma desconhecida, que amo e que me ama
E que, de cada vez, nunca Ă© bem a mesma
Nem Ă© bem qualquer outra, e me ama e compreende.

Porque me entende, e o meu coração, transparente
SĂł pra ela, ah!, deixa de ser um problema
Só pra ela, e os suores da minha testa pálida,
Só ela, quando chora, sabe refrescá-los.

Será morena, loira ou ruiva? — Ainda ignoro.
O seu nome? Recordo que Ă© suave e sonoro
Como esses dos amantes que a vida exilou.

O olhar é semelhante ao olhar das estátuas
E quanto Ă  voz, distante e calma e grave, guarda
Inflexões de outras vozes que o tempo calou.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

A AngĂşstia

Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tĂŁo rubro,
A solene dolência dos poentes, além.

Eu rio-me da Arte, do Homem, das canções,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio plas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.

NĂŁo creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a que chamam Amor.

Já farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrágio maior.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Aqui estão as frutas, flores, folhas e galhos e aqui está o meu coração que bate só para você.

Conversa Sentimental

No velho parque deserto e gelado
Duas formas passaram há bocado.

Com os olhos mortos e os lábios moles,
Mal se ouvem, a custo, as suas vozes.

No velho parque deserto e gelado
Dois espectros evocaram o passado.

— Recordas-te do nosso êxtase antigo?
— Por que razão acha que ainda consigo?

— Bate, ao ouvires meu nome, o coração?
Vês ainda a minha alma em sonhos? — Não.

— Ah! bons tempos de prazer indizível
Unindo as nossas bocas! — É possível.

— Como era azul, o céu, e grande a esperança!
— Mas é prò negro céu que hoje se lança.

Lá caminhavam plas aveias loucas
E sĂł a noite ouviu as suas bocas.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

II Bacio

O Beijo! malva-rosa em jardim de carĂ­cias!
Vivo acompanhamento no piano dos dentes
Dos refrĂŁos que Amor canta nas almas ardentes
Com a sua voz de arcanjo em lânguidas delícias!

Divino e gracioso Beijo, tĂŁo sonoro!
Volúpia singular, álcool inenarrável!
O homem, debruçado na taça adorável,
Deleita-se em venturas que nunca se esgotam.

Como o vinho do Reno e a mĂşsica, embalas
E consolas a mágoa, que expira em conjunto
Com os lábios amuados na prega purpĂşrea…
Que um maior, Goethe ou Will, te erga um verso clássico.

Quanto a mim, trovador franzino de Paris,
Só te ofereço um bouquet de estrofes infantis:
Sê benévolo e desce aos lábios insubmissos
De Uma que eu bem conheço, Beijo, e neles ri.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral