Sonetos sobre Sempre

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Sonetos de sempre escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas etrenas, pouco a pouco…

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!

Destruição

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem:
Um se beija no outro, reflectido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

Esquecimento

Esse de quem eu era e que era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei…tacteio sombras…que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro…
A sombra dos meus olhos, a escurecer…
Veste de roxo e negro os crisântemos…

E desse que era meu já me não lembro…
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos!…

XLI

Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno…
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.

Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.

Cantam esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos…

Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte…

Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar…
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!…

Velho Tema V

“Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.

Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.

Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito.”

Assim penso, assim quero, assim me engano…
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.

Repouso

A cabeça pendida docemente
Em sonhos, sonha o sonhador inquieto,
Repousa e nesse repousar discreto
É sempre o sonho o seu bordão clemente.

Cego desta Prisão impenitente
Da Terra e cego do profundo Afeto,
O sonho é sempre o seu bordão secreto
O seu guia divino e refulgente.

Nem no repouso encontra a paz que espera,
Para lhe adormecer toda a quimera,
Os círculos fatais do seu Inferno.

Entre a calma aparente, a estranha calma,
O seu repouso é sempre a febre d’alma,
O seu repouso é sonho, e sonho eterno.

À Cruz

Se em golfo de sereias proceloso,
Empenho repetido do cuidado,
O sábio grego, ao duro mastro atado,
As sereias escapa cauteloso;

Eu, no mar deste mundo tormentoso,
De sirtes e sereias povoado,
À vossa cruz, Senhor, sempre abraçado,
Os perigos escape venturoso.

Oh! Livrai-me, meu Deus, de tanto astuto
Labirinto, de tanto cego encanto,
Para que colha desta planta o fruto;

Que é justo, doce Amor, em risco tanto,
Se salva a Ulisses um madeiro bruto,
Que a mim me salve este madeiro santo.

Razões

“Razões…”
II
Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso… um olhar…
– como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar…

Quando passa assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto… e vais seguindo displicentemente…

– eu penso com tristeza em tua hipocrisia…
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida
e que um dia choraste… e que choraste um dia…

Mas para que contar? Que sejas sempre assim,
e que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar pra mim!…

Almas Indecisas

Almas ansiosas, trêmulas, inquietas,
Fugitivas abelhas delicadas
Das colméias de luz das alvoradas,
Almas de melancólicos poetas.

Que dor fatal e que emoções secretas
vos tornam sempre assim desconsoladas,
Na pungência de todas as espadas,
Na dolência de todos os ascetas?!

Nessa esfera em que andais, sempre indecisa,
Que tormento cruel vos nirvaniza,
Que agonias titânicas são estas?!

Por que não vindes, Almas imprevistas,
Para a missão das límpidas Conquistas
E das augustas, imortais Promessas?!

Soneto A Oxford

Ó Oxford, prende o sol em tuas pontas
Góticas; dormem divinas harmonias
Em tuas torres puras e sombrias
E em teus jardns de grandes flores tontas.

O eterno farfalhar de Christ Church Meadows
E as mesmas águas trêmulas dos Ices
Enchem meu coração da antiga fé
Dos bardos que ilustraram tuas classes.

Rebanhos de hoje e sempre; hoje meninos
De capa preta, que o pastor dos sinos
Tange dos sinos que me estão chamando

Aos claustros de presságio e na penumbra
Sobre os quais, pela noite, se vislumbra
O fantasma de Magdalen, perscrutando…

Soneto XXXII

Ao Reitor António de Mendonça

Famoso Alcides, que nos ombros altos
Esta soberba máquina sustentas,
E de Atlante a pessoa representas,
Que nunca de virtude os achou faltos.

Seguros sem temor, sem sobre saltos
Andem quantos por teus experimentas,
Que apesar de mil hórridas tormentas,
Resistiram contigo a seus assaltos.

Com tais ombros soster o mundo podes,
E se hoje te deténs neste trabalho
É um ensaio para mores coisas,

Que como a todo peso sempre acodes,
E vas subindo acima por atalho,
Para cansares mais, aqui repousas.

Triunfo Supremo

Quem anda pelas lágrimas perdido,
Sonâmbulo dos trágicoa flagelos,
É quem deixou para sempre esquecido
O mundo e os fúteis ouropéis mais belos!

É quem ficou no mundo redimido,
Expurgado dos vícios mais singelos
E disse a tudo o adeus indefinido
E desprendeu-se dos carnais anelos!

É quem entrou por todas as batalhas
As mãos e os pés e o flanco ensangüentado,
Amortalhado em todas as mortalhas.

Quem florestas e mares foi rasgando
E entre raios, pedradas e metralhas,
Ficou gemendo mas ficou sonhando!

Sempre a Razão vencida foi de Amor

Sempre a Razão vencida foi de Amor;
Mas, porque assim o pedia o coração,
Quis Amor ser vencido da Razão.
Ora que caso pode haver maior!

Novo modo de morte e nova dor!
Estranheza de grande admiração,
Que perde suas forças a afeição,
Por que não perca a pena o seu rigor.

Pois nunca houve fraqueza no querer,
Mas antes muito mais se esforça assim
Um contrário com outro por vencer.

Mas a Razão, que a luta vence, enfim,
Não creio que é Razão; mas há-de ser
Inclinação que eu tenho contra mim.

E de Novo, Lisboa…

E de novo, Lisboa, te remancho,
numa deriva de quem tudo olha
de viés: esvaído, o boi no gancho,
ou o outro vermelho que te molha.

Sangue na serradura ou na calçada,
que mais faz se é de homem ou de boi?
O sangue é sempre uma papoila errada,
cerceado do coração que foi.

Groselha, na esplanada, bebe a velha,
e um cartaz, da parede, nos convida
a dar o sangue. Franzo a sobrancelha:
dizem que o sangue é vida; mas que vida?

Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui,
na terra onde nasceste e eu nasci?

Em Tormentos Cruéis

Em tormentos cruéis, tal sofrimento,
em tão contínua dor, que nunca aliva,
chamar a morte sempre, e que ela, altiva,
se ria dos meus rogos, no tormento!

E ver no mal que todo entendimento
naturalmente foge, e quanto aviva
a dor mais o vagar da alma cativa,
a quem não fará crer que é tudo um vento?

Bem sei uns olhos, que têm toda a culpa,
e são os meus, que a toda parte vêm
após o que vêem sempre e os desculpa.

Ó minhas visões altas, meu só bem,
quem vos a vós não vê, esse me culpa,
e eu sou o só que as vejo, outrem ninguém!

XV

Formoso, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturoso rebanho, feliz gado, Que à bela
Antandra estais obedecendo;

Já de Corino os ecos percebendo
A frente levantais, ouvis parado;
Ou já de Alcino ao canto levantado,
Pouco e pouco vos ides recolhendo;

Eu, o mísero Alfeu, que em meu destino
Lamento as sem razões da desventura,
A seguir vos também hoje me inclino:

Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Sempre faz novidade na espessura.

O Todo Sem A Parte não É Todo

O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte fez todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.

Em todo o sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte;
E feito em partes todo, em toda a parte
Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo
Um braço que lhe acharam sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo.

Tédio

Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer…

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que é que isso me faz? O que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente…
O mesmo lago plácido, dormente…
E os dias, sempre os mesmos, a correr…

Antes De Conhecer-Te, Eu Já Te Amava

Antes de conhecer-te, eu já te amava.
Porque sempre te amei a vida inteira:
Eras a irmã, a noiva, a companheira,
A alma gêmea da minha que eu sonhava.

Com o coração, à noite, ardendo em lava
Em meus versos vivias, de maneira
Que te contemplo a imagem verdadeira
E acho a mesma que outrora contemplava.

Amo-te. Sabes que me tens cativo.
Retribuis a afeição que em mim fulgura,
Transfigurada nos anseios da Arte.

Mas, se te quero assim, por que motivo
Tardaste tanto em vir, que hoje é loucura,
Mais que loucura, um crime desejar-te?