Inferno
Há no centro da Terra ampla caverna,
Reino imenso dos anjos rebelados,
Lago horrendo de enxofres inflamados,
Que acende o sopro da Vingança eterna.O seu fogo maldito é sem lucerna,
Que faz trevas dos fumos condensados.
Seus tectos e alçapões, enfarruscados,
Não deixam lá entrar a luz externa.Silvosos gritos, hórridos lamentos,
BlasfĂ©mias, maldições, desata o vĂcio
Bramando, sem cessar, em seus tormentos.Que imensos rĂ©us no eterno precipĂcio
Caindo estĂŁo, a todos os momentos!
O Inferno sem fim, fatal suplĂcio.
Sonetos sobre Fim
122 resultadosHora MĂstica
Noite caindo … CĂ©u de fogo e flores.
Voz de CrepĂşsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
SilĂŞncio … Eis-me rezando aos fins do dia.NĂ©voa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha Ăłpera de Sol ao Ăşltimo arranco.E, oh! hora mĂstica em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.
Abnegação
Chovam lĂrios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glĂłria na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!E nem sequer te lembres de que eu choro…
Esquece atĂ©, esquece, que te adoro…
E ao passares por mim, sem que me olhes,Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraĂda ou rindo esfolhes!
Lembranças, que lembrais meu bem passado
Lembranças, que lembrais meu bem passado,
Pera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
Não me deixeis morrer em tal estado.Mas se também de tudo está ordenado
Viver, como se vĂŞ, tĂŁo descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dĂŞ a morte fim a meu cuidado.Que muito melhor Ă© perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.Assim que nada perde quem perdida
A esperança traz de sua glória,
Se esta vida há-de ser sempre em tormento.
LXX
Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuĂa!Já crĂ©dito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glĂłria, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que Ă© suposto.
Soneto 246 Incontinente
Soneto é o mundo inteiro em pouco espaço,
mas, para os mais lacĂ´nicos, prolixo.
O gosto Ă© variado, e o metro, fixo,
e amante deste oxĂmoro me faço.A prosa pesa, empilha um calhamaço.
Concisas poesias sĂŁo prefixo.
Somente no soneto gravo e mixo
começo, meio e fim, no exato laço.Qualquer história, fábula ou idéia
comporta enunciado num soneto,
da simples anedota a uma epopéia.Apenas dois assuntos, eu prometo,
não cabem no soneto: a diarréia
e o pé, mas porque sobram, não por veto.
Meu Calvário
Ando sempre a seguir-te… a buscar-te distante
como a visĂŁo que anseio e os olhos me seduz,
– e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em ĂŞxtase constante…Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora Ă s vezes pare, – sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz!Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce Ă frente de mim, – no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento…E, apĂłs tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
– se ao cair no caminho… e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!
Soneto II
A D. Manuel de Lencastre.
Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.Ali nĂŁo teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha árvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c’o sol levante.Trabalha o CĂ©u em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fĂşria imensa
Cada hora espero pela derradeira.Onde me acolherei que alguém me valha?
A vĂłs, a quem nĂŁo quer fazer ofensa
O Céu, nem pode a terra, inda que queira.
Menino e Moço
Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizĂŁo de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porĂ©m, Senhor! ellas nĂŁo voltam mais…
Olvido
Desce por fim sobre o meu coração
O olvido. Irrevocável. Absoluto.
Envolve-o grave como véu de luto.
Podes, corpo, ir dormir no teu caixão.A fronte já sem rugas, distendidas
As feições, na imortal serenidade,
Dorme enfim sem desejo e sem saudade
Das coisas nĂŁo logradas ou perdidas.O barro que em quimera modelaste
Quebrou-se-te nas mĂŁos. Viça uma flor…
Pões-lhe o dedo, ei-la murcha sobre a haste…Ias andar, sempre fugia o chĂŁo,
Até que desvairavas, do terror.
Corria-te um suor, de inquietação…
Corro Após este Bem que não se Alcança
Oh como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vĂŁo discurso humano!Minguando a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiĂŞncia se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
De vista se me perde, e da esperança.
Despondency
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
Ă€ morte queda, Ă morte silenciosa…Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a Ăşltima esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!
Camões, Grande Camões, quão Semelhante
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrĂlego gigante;Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penĂşria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vĂŁos, que em vĂŁo desejo,
TambĂ©m carpindo estou, saudoso amante.LudĂbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que sĂł terei paz na sepultura.Modelo meu tu Ă©s, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
NĂŁo te imito nos dons da Natureza.
Fatalismo
Se eu for contar, hĂŁo de sorrir talvez…
– Ă© o fim de um grande amor sereno e nobre
que um fatalismo estranho já desfez
com razões torpes que este mundo encobre…Morreu… e que se apague de uma vez,
– que dele nada subsista ou sobre…
– onde a pureza e o amor?… se a vida fez
um nascer rico e o outro nascer pobre.Que guardem esse amor. Eu o desconheço!
Não tenho em moedas o seu alto preço
e sou feliz por ser tão desgraçado!Que o guardem!.. . Para os ricos! Para os reis!
– o amor que eu quero nĂŁo tem preço ao lado,
nĂŁo tem correntes, nem conhece leis!
Velhinha
Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente em mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
“Já ela Ă© velha! Como o tempo passa! …”NĂŁo sei rir e cantar por mais que faça!
Ă“ minhas mĂŁos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até o fim!Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente …
Já murmuro orações … falo sozinha …E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos …
O Mundo Do SertĂŁo
(com tema do nosso armorial)
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
Ă cruz do Azul, o Mal se desmantela.Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
NĂŁo Choreis os Mortos
NĂŁo choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridĂŁo das sepulturas.
Deixai crescer, Ă solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vĂŁos adormecidos.E quando, Ă tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidĂŁo sem fim dos que sĂŁo vivos,
Dos tristes que nĂŁo podem esquecer.E, ao meditar, entĂŁo, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como Ă© suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.
A Aeronave
Cindindo a vastidĂŁo do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada n’amplidĂŁo dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares,
Vencendo o azul que ante si s’erguera.Voa, se eleva em busca do infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciĂŞncia.Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgĂŞncia do seu rastro
A trajetĂłria augusta da CiĂŞncia.
Da Oração
Doce quietação de quem vos ama,
Em serviços, Senhor, que tanto quanto
Amado sois, tĂŁo longe o fim de tanto,
Subindo mais, e mais, mais se derrama:Ardendo por arder em viva chama
De amor do vosso amor, a voz levanto;
Sinto, suspiro, choro, colho, e planto
Ao som doutra suave que me chama.Onde se vai, Senhor, quem vos ofende?
Donde levais, Deus meu, a quem vos segue?
Onde fugir se pode uma de duas?Morto por quem o mata que pretende,
Ou que extremos de amor há que nos negue
Quem culpas nossas chama ofensas suas?
Ao Meu Maior Amigo
Quando eu morrer, eu sei, tu escreverás
Triste soneto Ă morte prematura;
Dirás que a vida cansa em amargura
E, pálido e frio, tu me cantarás.Nas quadras, reflectido se lerá
De como, vĂŁ e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, má ou boa, acabará.A seguir, nos tercetos, tu dirás
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.Por fim porás a data, assinarás.
E, relido o soneto, ficarás
Contente por tĂŞ-lo escrito bem.