Sonetos sobre Fim

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Sonetos de fim escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga

Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o CĂ©u conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;

comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memĂłria, que suspira,
sĂł por fazer convosco eterna liga.

Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tĂŁo viva vos terei, que frio e fome
vos nĂŁo possam tirar, nem vĂŁos perigos.

Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vĂłs, sĂł com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.

Soneto VII

No Rio Eufrate[s], ua erva, ou flor se cria
Que c’o Sol sobre as águas aparece,
E dentro se recolhe e se entristece
Quando no largo mar se esconde o dia.

Ă€ vista de meu Sol ledo me via
Fora do rio, que dos olhos crece;
Agora que meu Sol nĂŁo me amanhece,
Entre lágrimas vivo em noite fria.

Mas desta flor o triste estado Ă© breve,
Trás noite manhã tem; ai de quem chora
Contando noites, sem que um dia conte.

O Sol já por milagre quedo esteve:
Também parou meu Sol, mas parou fora,
Para noite sem fim de meu Horizonte.

Gonçalves Dias

(AO PÉ DO MAR)

SE EU PUDESSE cantar a grande histĂłria,
Que envolve ardente o teu viver brilhante…
Filho dos trĂłpicos que – audaz gigante –
Desceste ao tĂşmulo subindo Ă  GlĂłria!

Teu tĂşmulo colossal – nest’hora eu fito –
Altivo, rugidor, sonoro, extenso –
O mar!… e ……. O sim, teu crânio imenso
SĂł podia conter-se no infinito…

E eu – sou louco talvez – mas quando, forte,
Em seu dorso resvala – ardente – norte,
E ele espumante estruge, brada, grita,

E em cada vaga uma canção estoura…
Eu – creio ser tu’alma que, sonora,
Em seu seio sem fim – brava – palpita!

Soneto das Metamorfoses

A Edmundo Morais

Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
NĂŁo por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que entĂŁo era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.

Espelho (II)

Para fechar sem chave a minha sina
Clara inversĂŁo da jaula das palavras
As vestes da sintaxe que componho
De baixo para cima Ă© que renovo.

Escancarando um solo transmutado
Para o sol da surpresa nas janelas
Ao mesmo pouso de ave renascida
Do fim regresso fera nĂŁo domada.

Na duração que escorre nessa arena
Lambendo vem a pressa em que me aposto.
Nessa voragem, vaga um mar de calma

Que me alimenta os ossos da memĂłria.
Sobrada sobra, cinza dos minutos,
O que sobrou de mim sĂŁo essas sombras

Beatriz

Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por Ă­nvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, Ă  FernĂŁo Dias…
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o Ă´nix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas…

E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressábios
De amarguras, de dor, de desenganos.

Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!

Inferno

Há no centro da Terra ampla caverna,
Reino imenso dos anjos rebelados,
Lago horrendo de enxofres inflamados,
Que acende o sopro da Vingança eterna.

O seu fogo maldito Ă© sem lucerna,
Que faz trevas dos fumos condensados.
Seus tectos e alçapões, enfarruscados,
Não deixam lá entrar a luz externa.

Silvosos gritos, hĂłrridos lamentos,
Blasfémias, maldições, desata o vício
Bramando, sem cessar, em seus tormentos.

Que imensos réus no eterno precipício
Caindo estĂŁo, a todos os momentos!
O Inferno sem fim, fatal suplĂ­cio.

Hora MĂ­stica

Noite caindo … CĂ©u de fogo e flores.
Voz de CrepĂşsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
SilĂŞncio … Eis-me rezando aos fins do dia.

Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.

Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha Ăłpera de Sol ao Ăşltimo arranco.

E, oh! hora mĂ­stica em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.

Abnegação

Chovam lĂ­rios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glĂłria na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!

Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!

E nem sequer te lembres de que eu choro…
Esquece atĂ©, esquece, que te adoro…
E ao passares por mim, sem que me olhes,

Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraĂ­da ou rindo esfolhes!

Lembranças, que lembrais meu bem passado

Lembranças, que lembrais meu bem passado,
Pera que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
NĂŁo me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo está ordenado
Viver, como se vĂŞ, tĂŁo descontente,
Venha, se vier, o bem por acidente,
E dĂŞ a morte fim a meu cuidado.

Que muito melhor Ă© perder a vida,
Perdendo-se as lembranças da memória,
Pois fazem tanto dano ao pensamento.

Assim que nada perde quem perdida
A esperança traz de sua glória,
Se esta vida há-de ser sempre em tormento.

LXX

Breves horas, que em rápida porfia
Ides seguindo infausto movimento,
Oh como o vosso curso foi violento,
Quando soubestes, que eu vos possuĂ­a!

Já crédito vos dava; porque via
Avultar meu feliz contentamento:
Que é mui fácil num triste estar atento
Aos enganos, que pinta a fantasia.

Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Da falsa glĂłria, do fingido gosto A
o cume, donde venho a despenhar-me:

Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que Ă© suposto.

Soneto 246 Incontinente

Soneto é o mundo inteiro em pouco espaço,
mas, para os mais lacĂ´nicos, prolixo.
O gosto Ă© variado, e o metro, fixo,
e amante deste oxímoro me faço.

A prosa pesa, empilha um calhamaço.
Concisas poesias sĂŁo prefixo.
Somente no soneto gravo e mixo
começo, meio e fim, no exato laço.

Qualquer história, fábula ou idéia
comporta enunciado num soneto,
da simples anedota a uma epopéia.

Apenas dois assuntos, eu prometo,
não cabem no soneto: a diarréia
e o pé, mas porque sobram, não por veto.

Meu Calvário

Ando sempre a seguir-te… a buscar-te distante
como a visĂŁo que anseio e os olhos me seduz,
– e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em ĂŞxtase constante…

Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora Ă s vezes pare, – sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor Ă© uma cruz!

Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce Ă  frente de mim, – no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento…

E, apĂłs tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
– se ao cair no caminho… e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!

Soneto II

A D. Manuel de Lencastre.

Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.

Ali nĂŁo teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha árvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c’o sol levante.

Trabalha o CĂ©u em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fĂşria imensa
Cada hora espero pela derradeira.

Onde me acolherei que alguém me valha?
A vĂłs, a quem nĂŁo quer fazer ofensa
O CĂ©u, nem pode a terra, inda que queira.

Menino e Moço

Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus Sta Aguia, linda fada,
Que d’antes estendia as azas sobre mim.

Julguei que fosse eterna a luz d’essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizĂŁo de luar que vivia encantada,
N’um castello de prata embutido a marfim!

Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!

Debalde clamo e choro, erguendo aos céus meus ais:
Voltam na aza do vento os ais que a alma chora;
Ellas, porĂ©m, Senhor! ellas nĂŁo voltam mais…

Olvido

Desce por fim sobre o meu coração
O olvido. Irrevocável. Absoluto.
Envolve-o grave como véu de luto.
Podes, corpo, ir dormir no teu caixĂŁo.

A fronte já sem rugas, distendidas
As feições, na imortal serenidade,
Dorme enfim sem desejo e sem saudade
Das coisas nĂŁo logradas ou perdidas.

O barro que em quimera modelaste
Quebrou-se-te nas mĂŁos. Viça uma flor…
Pões-lhe o dedo, ei-la murcha sobre a haste…

Ias andar, sempre fugia o chĂŁo,
Até que desvairavas, do terror.
Corria-te um suor, de inquietação…

Corro Após este Bem que não se Alcança

Oh como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vĂŁo discurso humano!

Minguando a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiĂŞncia se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
De vista se me perde, e da esperança.

Despondency

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
Ă€ morte queda, Ă  morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
D’um canto extremo… e a Ăşltima esperança…
E a vida… e o amor… Deixá-la ir, a vida!

Camões, Grande Camões, quão Semelhante

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrĂ­lego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penĂşria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vĂŁos, que em vĂŁo desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

LudĂ­brio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao CĂ©u, pela certeza
De que sĂł terei paz na sepultura.

Modelo meu tu Ă©s, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
NĂŁo te imito nos dons da Natureza.

Fatalismo

Se eu for contar, hĂŁo de sorrir talvez…
– Ă© o fim de um grande amor sereno e nobre
que um fatalismo estranho já desfez
com razões torpes que este mundo encobre…

Morreu… e que se apague de uma vez,
– que dele nada subsista ou sobre…
– onde a pureza e o amor?… se a vida fez
um nascer rico e o outro nascer pobre.

Que guardem esse amor. Eu o desconheço!
Não tenho em moedas o seu alto preço
e sou feliz por ser tão desgraçado!

Que o guardem!.. . Para os ricos! Para os reis!
– o amor que eu quero nĂŁo tem preço ao lado,
nĂŁo tem correntes, nem conhece leis!