Sonetos sobre Sonhos

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Sonetos de sonhos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Eu Não Lastimo O Próximo Perigo

Eu não lastimo o próximo perigo,
Uma escura prisão, estreita e forte;
Lastimo os caros filhos, a consorte,
A perda irreparável de um amigo.

A prisão não lastimo, outra vez digo,
nem o ver iminente o duro corte,
que é ventura também achar a morte
quando a vida só serve de castigo.

Ah, quão depressa então acabar vira
este enredo, este sonho, esta quimera,
que passa por verdade e é mentira!

Se filhos, se consorte não tivera
e do amigo as virtudes possuíra,
um momento de vida eu não quisera.

Dona Flor

Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, límpido, radiante…
Mas, ai! sob êsse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
– Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…

A Musa Enferma

Ó minha musa, então! que tens tu, meu amor?
Que descorada estás! No teu olhar sombrio
Passam fulgurações de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.

Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mau, visão cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?

Eu quisera que tu, saudável e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristão, ritmado, te pulsara

Como do silabálirio antigo os sons variados,
Onde reinam, o par, os deuses decantados;
Febo — pai das canções, e Pã — senhor da seara!

Tradução de Delfim Guimarães

Estoicismo

(A Manoel Duarte de Almeida)

Tu que não crês, nem amas, nem esperas,
Espírito de eterna negação,
Teu hálito gelou-me o coração
E destroçou-me da alma as primaveras…

Atravessando regiões austeras,
Cheias de noite e cava escuridão,
Como n’um sonho mau, só oiço um não,
Que eternamente ecoa entre as esferas…

— Porque suspiras, porque te lamentas,
Cobarde coração? Debalde intentas
Opôr á Sorte a queixa do egoísmo…

Deixa aos tímidos, deixa aos sonhadores
A esperança vã, seus vãos fulgores…
Sabe tu encarar sereno o abismo!

Soror Saudade

A Américo Durão

Irmã, Soror Saudade, me chamaste…
E na minh’alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.

Numa tarde de Outono o murmuraste;
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe;
Jamais me hão-de chamar outro mais doce;
Com ele bem mais triste me tornaste…

E baixinho, na alma de minh’alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,

Como se fossem pétalas caindo,
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: “Irmã, Soror Saudade”…

Beatriz

Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por ínvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, à Fernão Dias…
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o ônix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas…

E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressábios
De amarguras, de dor, de desenganos.

Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!

Incontentado

Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de súbito, tristonho,
é porque às vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho.

Olho os meus olhos nos teus olhos… Ponho,
trêmulo, as mãos nas tuas mãos… E vejo
que és tu mesma, que és tu! E ainda suponho
Ser enganado pelo meu desejo.

Quanto mais, desvairado de ansiedade,
do teu corpo, meu corpo se avizinha,
mais de ti, junto a ti, sinto saudade…

– E o meu suplício atroz não se adivinha,
quando, beijando-te, o pavor me invade
de que em meus braços tu não sejas minha!

Luz Da Natureza

Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.

Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.

Desta minh’alma a solidão de prantos
Cerca com os teus leões de brava crença,
Defende com so teus gládios sacrossantos.

Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a Fé do meu Sonho se condensa!

Quando Eu, Senhora, Em Vós Os Olhos Ponho

Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.

Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m’espanto às vezes, outras m’avergonho.

Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando m’era mister tant’ outr’ ajuda,
de que me valerei, se alma não val?

Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.

Infante

Dá-me o sol a minha fronte. Doloridos
e chagados meus pés descalços vão fugindo…
– Memórias dos meus doidos passos incontidos!
– Ó meu rumor do mundo em pétalas abrindo!

Ó corças que correis pela tarde desferindo
o balido ligeiro que alonga os ouvidos…
– Tarde de écloga e mel silvestre reluzindo…
– Minhas vinhas de vinhos de oiro não bebidos…

Desfolham-se ilusões e vão-se sem apegos…
Murchou a flor dos meus desejos com que pude
a vida transformar em ócios e sossegos…

Que lucrei, eu, Senhor! com horas execráveis
dum sonho que perdeu meu corpo de virtude?
– o pródigo que fui dos erros inefáveis!

Vem Despontando A Aurora, A Noite Morre

Vem despontando a aurora, a noite morre,
Desperta a mata virgem seus cantores,
Medroso o vento no arraial das flores
Mil beijos furta e suspirando corre.

Estende a névoa o manto e o val percorre,
Cruzam-se as borboletas de mil cores,
E as mansas rolas choram seus amores
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre.

E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flóreo bafo que o sertão perfuma.

Porém minh’alma triste e sem um sonho
Murmura olhando o prado, o rio, a espuma:
Como isto é pobre, insípido, enfadonho!

Perfeição

Vejo a Perfeição em sonhos ardentes,
Beleza divina aos sentidos ligada,
Cantando ao ouvido em voz olvidada
Que do peito irrompe em raios candentes

Que não posso prender. Seu cabelo vem
P’lo peito inocente onde, confundidos,
O ideal e o real são tecidos
E algo de alegre que ao céu fica bem.

Então chega o dia e tudo passou;
A mim regresso em dorido sentir,
Qual marinheiro que o naufrágio acordou

Do sonho de um campo em dia luminoso:
Ergue a cabeça e estremece ao ouvir
O rumor da descida ao abismo penoso.

Requiescat

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memória,
Dorme tranqüila no esplendor da glória,
Longe das amarguras do cansaço…

Ilusão, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flórea,
Quando as visões da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…

Ó Ilusão! Estranha caravana
de águias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarão do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…

Nerah

(Inspirado no elegante conto de Virgílio Várzea)
A Vítor Lobato

Nerah não brinca mais, não dança mais. — E agora
Que vão-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tímidos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.

Seus sonhos de cristal, translúcidos, antigos
Se vão embora, embora à vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os úmidos galernos —
— lembrando um roto bando informe de mendigos.

Não canta o sabiá que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso — aquela flor que esvai-se, branca e fria.

Em tudo a fina seta aguda de aflições!
Na própria atmosfera um caos de interjeições!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.

Saudade

Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropéis mais finos…

Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos…

Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;

E em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!…

Abnegação

Chovam lírios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glória na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!

Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!

E nem sequer te lembres de que eu choro…
Esquece até, esquece, que te adoro…
E ao passares por mim, sem que me olhes,

Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraída ou rindo esfolhes!

Amiga

Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho…

Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei prá minha boca!…

Sentimento Esquisito

Ó céu estéril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

Pátria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidável muralha de mistério
Que deixa os corações desconsolados.

Céu imóvel milênios e milênios,
Tu que iluminas a visão dos Gênios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

Cinzento

Poeiras de crepúsculos cinzentos.
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços,
Como brancos fantasmas, sonolentos…

Monges soturnos deslizando lentos,
Devagarinho, em misteriosos passos…
Perde-se a luz em lânguidos cansaços…
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!

Poeiras de crepúsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A névoa das saudades que deixaste!

Hora em que teu olhar me deslumbrou…
Hora em que a tua boca me beijou…
Hora em que fumo e névoa te tornaste…

A Beleza

De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor,
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor’ de Carrara

Sou esfinge subtil no Azul a dominar,
Da brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.

O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes..

Tenho, p’ra fascinar o meu dócil amante,
Espelhos de cristal, que tornaram deslumbrante
A própria imperfeição: — os meus olhos ardentes!

Tradução de Delfim Guimarães