Sonetos sobre Manhã

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Sonetos de manhã escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto VII

No Rio Eufrate[s], ua erva, ou flor se cria
Que c’o Sol sobre as águas aparece,
E dentro se recolhe e se entristece
Quando no largo mar se esconde o dia.

À vista de meu Sol ledo me via
Fora do rio, que dos olhos crece;
Agora que meu Sol não me amanhece,
Entre lágrimas vivo em noite fria.

Mas desta flor o triste estado é breve,
Trás noite manhã tem; ai de quem chora
Contando noites, sem que um dia conte.

O Sol já por milagre quedo esteve:
Também parou meu Sol, mas parou fora,
Para noite sem fim de meu Horizonte.

A Noite de Natal

Era a noite de Natal
Alegram-se os pequenitos;
Pois sabem que o bom Jesus
Costuma dar-lhes bonitos.

Vão-se deitar os lindinhos
Mas nem dormem de contentes
E somente às dez horas
Adormecem inocentes.

Perguntam logo à criada
Quando acorde de manhã
Se Jesus lhes não deu nada.

– Deu-lhes sim, muitos bonitos.
– Queremo-nos já levantar
Respondem os pequenitos.

Soneto III

Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha é descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
Têm a alma, aceso o peito, presa a vida;

Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhã clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De üa virtude a poucas concedida;

Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;

Divino e repousado movimento,
E muito mais, que está em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.

Bom Dia, Amigo Sol!

Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara,
– deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entre! Vem surpreendê-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara…
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne é branca como a Lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho…
Que não repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços…

Entra! Só tu possuis esse direito,
– de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!…

Ciclo

Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol… Sonhar!

Dia. A flor – o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros… Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da idéia em perfeição… Pensar!

Noite. Oh! Saudade!… A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas… Lembrar!

Por Que Falar De Amor ?

“Por Que Falar De Amor ?”
I
Sonhei fazer-te minha só: – rainha!
Quiseste ser apenas cortesã.
E o desejo a crescer, – planta daninha-
foi tornando este amor sem amanhã.

Para mim, não bastava seres minha;
quis no céu, por a estrela da manhã,
e acabei por moldar-me ao que convinha
a essa tua paixão de terra chã.

Se não deste valor ao coração,
mas aos sentidos, em que se consomem
restos de um erotismo em combustão,

por que falar de amor? Foste lograda;
tu não tens aos teus pés o amor de um homem,
tens um fauno de rastros… e mais nada!

Soneto De Quarta-Feira De Cinzas

Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada.

Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada

Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura.

Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.

Longus

É de manhã, no outono. À luz, o orvalho
doira os mirtais de trêmulas capelas.
e, sobre o solo, recobrindo o atalho,
há milhares de folhas amarelas…

A Filetas, ao pé de amplo carvalho,
ouvem as narrações e pastorelas,
um rapaz, aindaingênuo e sem trabalho,
e a mais linda de todas as donzelas…

É a narrativa do florir dos prados,
que o mais doce dos velhos barbilongos
conta ao casal de jovens namorados…

Silêncio… Ouvi-lhe o beijo dos ditongos,
os silábicos sons, que musicados,
cantam na amável pastoral de Longus…

Renascimento

A Olegária Siqueira

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranqüilo e plácido deserto!

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!

Manhã

A manhã nasce das muitas janelas
deste sereno corpo fatigado,
sede dos meus caminhos sem cancelas,
na luz de muitos astros albergados.

Casa em que me recolho das mazelas,
dos louros, derroteiros, lado a lado,
para de mim ouvir franca seqüela:
Ecce Homo! Eis o triste camuflado.

Essa tristeza antiga em residência,
às vezes se constrói em face alegre,
máscara sem eu mesmo em aparência

num carnaval insólito em seu frege.
O que me salva a cor nessa vivência
é saber que a poesia é quem me rege.

Frutas De Maio

Maio chegou — alegre e transparente
Cheio de brilho e música nos ares,
De cristalinos risos salutares,
Frio, porém, ó gota alvinitente.

Corre um fluido suave e odorescente
Das laranjeiras, como dos altares
O incenso — e, como a gaze azul dos mares,
Leve — há por tudo um beijo, docemente.

Isto bem cedo, de manhã — adiante
Pela tarde um sol calmo, agonizante,
Põe no horizonte resplendentes franjas.

Há carinhos, da luz em cada raio,
Filha — e eu que adoro este frescor de maio
Muito, mas muito — trago-te laranjas.

O Amor Confina o Amor

Na branda luz do frio, gravo a ternura
De andar sofrendo, pela vez primeira,
O amor que, por engano, a vida inteira
Transforma numa lenta desventura.

Se no ar desta manhã sopra tão pura
A obrigação de respirar-me, à beira
De uma esperança enferma e derradeira,
Vou respirando a flor de uma armadura

Imposta pelo amor. Sobre a incerteza
Do noivo abandonado, abre a firmeza
De prosseguir lutando, e ardentemente

Este poder desperta o ardor de um canto
No cárcere de vidro onde, inclemente,
O amor confina o amor, como num pranto.

Variação Sobre Um Soneto De Shakespeare

És como um dia cálido de estio…
Azul? Não, és mais linda e mais amena
O verão como tudo traz o frio
E o verão é inconstante, e tu serena.

Tu não trazes o frio, nem a pena
Da luz foste – tu vives, como um rio
Que cantasse uma mesma cantilena
Num sempre novo manso desvario.

Não morre o estio em ti – e no teu rosto
Ele deixou as cores da manhã
E as tristezas suaves do sol-posto.

Sem as marcas cruéis da noite vã.
E a morte que em ser também se deita
Em tua alma descansa satisfeita.

O Sexo

Neste corpo, a densa neblina, quase um hábito,
lentamente descida, sedimento e sede,
subtilmente o acalma. Ancora que se desloca,
movediça e infirme. Só no olhar, além

da luz e da cal, se distinguem os desejos
e a mestria das palavras. E não há remos
nem astros. Convido a neblina a esta
mesa de chumbo, onde nada levanta o fogo

solar ou os signos se alteiam. É a hora
em que o corpo treme e a sombra lavra as frouxas
manhãs. O que serão as tardes, sob a névoa,

quando o vigor agoniza e o vão das águas abre
o caos e os ecos? Estaremos em paz,
usando a palavra, última herdeira das areias.

O Meu Soneto

Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mãos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos…

E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
São letras de poemas nunca lidos…

As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros…

E a minha boca, a rútila manhã,
Na Via Láctea, lírica, pagã,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..

Pássaro Marinho

Manhã de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idílio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.

Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.

Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.

Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!

Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas

Já o Inverno, expremendo as cãs nevosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao pólo em serras escumosas;

Ó benignas manhãs!, tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!

Voltai, retrocedei, formosos dias:
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;

E ao ver-te sentirá minha alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias,
Da estação que remoça a natureza.

As Cathedraes

Como vos amo ver ó cathedraes sosinhas,
A recortar o azul das noutes constelladas!
Erguidos corucheus, mysticas andorinhas,
– Ó grandes cathedraes do sol ensanguentadas!

Como vos amo ver, pombas alvoroçadas!
Ogivas ideaes, anjos de puras linhas,
E ó criptas sem luz, aonde embalsamadas
Dormem de mãos em cruz as santas e as rainhas!

Em vão olhaes o Ceu sagradas epopeias!
Flores de renda e luz, d’incenso e aromas cheias,
Aves celestiaes banhadas da manhã!

Em vão santos e reis, ó monges dos desertos!
Em vão, em vão resais, sobre os livros abertos,
– O Ceu por que chorais é uma ficção christã!

Continua a Tempestade

Aqui, sobre estas aguas cor de azeite,
Scismo em meu lar, na paz que lá havia:
Carlota, á noite, ia ver se eu dormia
E vinha, de manhã, trazer-me o leite…

Aqui, não tenho um unico deleite!
Talvez… baixando, em breve, á Agoa fria,
Sem um beijo, sem uma Ave-Maria,
Sem uma flor, sem o menor enfeite…

Ah! podesse eu voltar á minha infancia!
Lar adorado, em fumos, a distancia,
Ao pé de minha Irmã, vendo-a bordar…

Minha velha aia! conta-me essa historia
Que principiava, tenho-a na memoria,
«Era uma vez…»
Ah deixem-me chorar!

O Beija-Flor

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim – a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro…
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, n’essa manhã tão fria!

Um dia, foi-se e não voltou… Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho…

Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!