Alucinação
Ó solidão do Mar, ó amargor das vagas,
Ondas em convulsões, ondas em rebeldia,
Desespero do Mar, furiosa ventania,
Boca em fel dos tritões engasgada de pragas.Velhas chagas do sol, ensangüentadas chagas
De ocasos purpurais de atroz melancolia,
Luas tristes, fatais, da atra mudez sombria
Da trágica ruína em vastidões pressagas.Para onde tudo vai, para onde tudo voa,
Sumido, confundido, esboroado, à-toa,
No caos tremendo e nu dos tempo a rolar?Que Nirvana genial há de engolir tudo isto –
– Mundos de Inferno e Céu, de Judas e de cristo,
Luas, chagas do sol e turbilhões do Mar?!
Sonetos Interrogativos
507 resultadosPara quê me Deste à Vida?
Para que foi, ó Mãe, que me criaste?
Mas — antes! — para quê me deste à vida?
Emendando: porquê, de espavorida,
o pescoço me não estorcegaste?Melhor andaras, Mãe, pois destinaste,
assim, a tua carne a ser perdida.
Ah! Mãe! Na tua gélida jazida,
saberás que, ao seres mãe, me assassinaste?Se o sabes, no teu ventre, como cunhas,
deves cravar, em desespero, as unhas,
deves na campa estertorar aos ais.Aqui estou, Mãe, agora, nestas ânsias.
Aqui estou, sem estar. Rojo em distâncias,
só e sem mim, — que é um só demais.
Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
Depois com ferros vis se vê cingido:Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existência à morte!Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.
As Montanhas
I
Das nebulosas em que te emaranhas
Levanta-te, alma, e dize-me, afinal,
Qual é, na natureza espiritual,
A significação dessas montanhas!Quem não vê nas graníticas entranhas
A subjetividade ascensional
Paralisada e estrangulada, mal
Quis erguer-se a cumíadas tamanhas?!Ah! Nesse anelo trágico de altura
Não serão as montanhas, porventura,
Estacionadas, íngremes, assim,Por um abortamento de mecânica,
A representação ainda inorgânica
De tudo aquilo que parou em mim?!
A Praça
A praça da Figueira de manhã,
Quando o dia é de sol (como acontece
Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece,
Embora seja uma memória vã.Há tanta coisa mais interessante
Que aquele lugar lógico e plebeu,
Mas amo aquilo, mesmo aqui … Sei eu
Por que o amo? Não importa. Adiante …Isto de sensações só vale a pena
Se a gente se não põe a olhar para elas.
Nenhuma delas em mim serena…De resto, nada em mim é certo e está
De acordo comigo próprio. As horas belas
São as dos outros ou as que não há.
Ao Pecado Original
Se sendo, meu Senhor, por vós formado
Adão, antes de ser o mal nascido,
Pecou, que fará quem foi concebido
Nas entranhas, que já tinham pecado?Comer de um fruito só lhe foi vedado,
Tudo o mais a seu gosto concedido,
E por uma só vez haver caido,
Por muitas ser não posso levantado.Tão fraca ficou minha natureza,
Que levantar não deixa o pensamento
Da terra, a que está atada e presa,Tão imiga do meu merecimento,
Que se morder não pode na pureza,
Não deixa de ladrar um só momento.
As Razões
Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso… um olhar…
– como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar…Quando passa assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto… e vais seguindo displicentemente…– eu penso com tristeza em tua hipocrisia…
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida
e que um dia choraste… e que choraste um dia…Mas para que contar? Que sejas sempre assim,
e que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar pra mim!…
Quando não te Vejo Perco o Siso
Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;Qual língua pode haver tão atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraíso,
Logo o engenho me falta, o espírito míngua.Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando não te vejo perco o siso.
Por Que Falar De Amor ?
“Por Que Falar De Amor ?”
III
Se era preciso ser assim ferido
para ter-te em meus braços e em meu leito,
e sofrer tudo o que já foi sofrido
e aceitar tudo o que já está desfeito…Se era preciso, para ser querido,
ver também, rudemente contrafeito
o coração de ciúmes corrompido
em silêncio, a chorar, dentro do peito!Se era preciso destruir-me tanto
nesses desejos em que se consomem
os restos de um orgulho que foi canto,por que falar de amor? Foste lograda:
tu não tens aos teus pés o amor de um homem,
tens um fauno de rastros… e mais nada!
Tão Conformes na Ventura
Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana, banhando o lindo seio,
Outras tantas de um áspero receio
Salteado Laurénio a cor perdia.Ela, que a Sílvio mais que a si queria,
Para podê-lo ver não tinha meio.
Ora como curara o mal alheio
Quem o seu mal tão mal curar podia?Ele, que viu tão clara esta verdade,
Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavam, de mágoa, a piedade):Como pode a desordem da natura
Fazer tão diferentes na vontade
Aos que fez tão conformes na ventura?
Soneto I – Leandro E Hero
O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma não se apaga
O fogo com que o facho se acendia.Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!… és morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!Morreste!… mas… (e às ondas se arrojando
Assim termina já sorvendo a morte)
Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”
Tarde Demais…
Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar…Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”
Noite Escura
Noite escura do amor, em que me deito
com teu corpo de luz, eu assombrado
deste fantasma de repente alado
amplificando a jaula do meu peito.Deixando-o infinito, maculado
de sangue e espuma (é mar este fantasma?
ou pássaro de mar que em onda espalma
seu corpo que é de luz e céu desfeito).E a noite escura que era o amor se ajunta
em feixes de silêncio e de desmaio
para a festa defuntade ver ressurreições: tempo em que caio
para em sombras cantar mais docemente
este sol que me põe preso e demente.
Saudades
Serei eu alguma hora tão ditoso,
Que os cabelos, que amor laços fazia,
Por prémio de o esperar, veja algum dia
Soltos ao brando vento buliçoso?Verei os olhos, donde o sol formoso
As portas da manhã mais cedo abria,
Mas, em chegando a vê-los, se partia
Ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso?Verei a limpa testa, a quem a Aurora
Graça sempre pediu? E os brancos dentes,
por quem trocara as pérolas que chora?Mas que espero de ver dias contentes,
Se para se pagar de gosto uma hora,
Não bastam mil idades diferentes?
Soneto XVIII
Quem quiser que seus ais o vento leve,
Quem quiser levantar nas águas torre,
Quem semear nas praias onde morre
E onde jamais ser o trigo teve.Morra por vós, que na constância breve
Sois como folha, que c’o vento corre
Só constante em meu mal, porque me forre
De cuidar que sereis ‘té nisto leve.Suspiros de minha alma a quem vos dei,
Dei-vos suspiros meus ao leve vento?
Que foi de vós ó lágrimas cansadas?Assaz pago fiquei com meu tormento,
Já que outro bem por vós não alcancei,
O bem me fica de vos ter choradas.
Há em Toda a Beleza uma Amargura
Há em toda a beleza uma amargura
secreta e confundida que é latente
ambígua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscuraNão fica igual aos vivos no que dura
e a não pode entender qualquer vivente
qual no cabelo orvalho ou brisa rente
quanto mais perto mais se desfiguraFicando como Helena à luz do ocaso
a língua dos dois reinos não lhe é azo
senão de apartar tranças ofuscanteMas à tua beleza não foi dado
qual morte a abrir teu juvenil estado
crescer e nomear-se em cada instante?Tradução de Vasco Graça Moura
Charneca Em Flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lágrimas apago…Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade…Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
O Mar, A Escada E O Homem
“Olha agora, mamífero inferior,
“A luz da epicurista ataraxia,
“O fracasso de tua geografia
“E de teu escafandro esmiuçador!“Ah! jamais saberás ser superior,
“Homem, a mim, conquanto ainda hoje em dia,
“Com a ampla hélice auxiliar com que outrora ia
“Voando ao vento o vastíssimo vapor,“Rasgue a água hórrida a nau árdega e singre-me!”
E a verticalidade da Escada íngreme:
“Homem, já transpuseste os meus degraus?!”E Augusto, o Hércules, o Homem, aos soluços,
Ouvindo a Escada e o Mar, caiu de bruços
No pandemônio aterrador do Caos!
Milagre De Amor
Que mimporta, meu amor, a poesia que tanto
te preocupa porque a fiz antes de ti ?
Hoje… para não ver os teus olhos em pranto
por Deus que eu rasgaria os versos que escrevi…Hoje, já não são meus… Como que por encanto
estes poemas que fiz, que sonhei, que vivi,
são estranhos que seguem cantando o meu canto
a falarem de um velho mundo, que esqueci…De repente a mudança é tão grande, é tamanha,
que o passado se esvai numa sombra perdida,
e a minha própria voz soa falsa e estranha…Óh Milagre de Amor… ( Que por louco me tomem!)
Mas sinto uma alma nova em mim… tenho oura vida!!
E um novo coração no peito… e sou outro homem!
À Vaidade do Mundo
É a vaidade, Fábio, desta vida
Rosa que na manhã lisonjeada
Púrpuras mil com ambição coroada
Airosa rompe, arrasta presumida;É planta que de Abril favorecida
Por mares de soberba desatada,
Florida galera empavezada,
Surca ufana, navega destemida;É nau, enfim, que em breve ligeireza,
Com presunção de fénix generosa,
Galhardias apresta, alentos preza.Mas ser planta, rosa e nau vistosa
De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?