As Razões
Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso… um olhar…
– como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar…Quando passa assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto… e vais seguindo displicentemente…– eu penso com tristeza em tua hipocrisia…
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencida
e que um dia choraste… e que choraste um dia…Mas para que contar? Que sejas sempre assim,
e que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar pra mim!…
Sonetos sobre Rosto
113 resultadosEstou Mais Perto de Ti porque Te Amo
Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.
Diário duma Mulher
Meu rosto já tem vincos de cansaço.
Murcharam como as rosas minhas faces.
Já não posso estreitar-te num abraço,
sem temer, meu Amor, que não me abraces!O luar nos meus olhos fez-se baço.
Meus lábios, se algum dia tu beijasses!…
Meu passado, porém, morreu no espaço,
qual nuvem que em chuvisco transformasses!O futuro não tem de que viver.
O amor — raízes mortas que não nascem —,
os sonhos, estão como se embarcassemnum cruzeiro de calma, sem saber
que o é… Mas essa calma hoje é sinónimo
de um sentimento misterioso, anónimo…
Soneto De Maio
Suavemente Maio se insinua
Por entre os véus de Abril, o mês cruel
E lava o ar de anil, alegra a rua
Alumbra os astros e aproxima o céu.Até a lua, a casta e branca lua
Esquecido o pudor, baixa o dossel
E em seu leito de plumas fica nua
A destilar seu luminoso mel.Raia a aurora tão tímida e tão fragil
Que através do seu corpo tranparente
Dir-se-ia poder-se ver o rostoCarregado de inveja e de presságio
Dos irmãos Junho e Julho, friamente
Preparando as catástrofes de Agosto…
Mistério
Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende
Murmúrios por caminhos desolados.Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!
Mal Secreto
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
Dona Flor
Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepúsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca úmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que é primavera, e que amanhece o dia.Um rosto de anjo, límpido, radiante…
Mas, ai! sob êsse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulherQue a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
– Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…
Ponderação Do Rosto E Olhos De Anarda
Quando vejo de Anarda o rosto amado,
vejo ao céu e ao jardim ser parecido
porque no assombro do primor luzido
tem o sol em seus olhos duplicado.Nas faces considero equivocado
de açucenas e rosas o vestido;
porque se vê nas faces reduzido
todo o império de Flora venerado.Nos olhos e nas faces mais galharda
ao céu prefere quando inflama os raios,
e prefere ao jardim, se as flores guarda:enfim dando ao jardim e ao céu desmaios,
o céu ostenta um sol, dois sóis Anarda,
um maio o jardim logra; ela dois maios.
O Sono
É um braço magro de mulher, uns olhos espectrais
e brilhantes, uma cabeça de esfinge, uma lâmpada
que fumega. Talvez por os não vermos, vejamos rios
que flamejam, jardins sepultos, um antepassadodesconhecido e cinzento que se derrama no quarto,
um portão esvoaçante, uma pequena fenda por onde
se vai até às nuvens nocturnas. Tudo o que
lá possa estar é tudo: a vassoura esquecida,o rosto primordial da mãe, uma torre de cadáveres
ou um modesto banco de madeira onde deixaram
um vaso verídico de gerânios. Talvez um deusvítreo, rútilo ou, pintada de azul, uma virgem ocre
no cume de colina grega. Uma estranha música soa
nas paredes, antes do exílio para onde nos leva o sono.
A Noite não me Deu nenhum Sossego
Como voltar feliz ao meu trabalho
se a noite não me deu nenhum sossego?
A noite, o dia, cartas dum baralho
sempre trocadas neste jogo cego.Eles dois, inimigos de mãos dadas,
me torturam, envolvem no seu cerco
de fadiga, de dúbias madrugadas:
e tu, quanto mais sofro mais te perco.Digo ao dia que brilhas para ele,
que desfazes as nuvens do seu rosto;
digo à noite sem estrelas que és o melna sua pele escura: o oiro, o gosto.
Mas dia a dia alonga-se a jornada
e cada noite a noite é mais fechada.Tradução de Carlos de Oliveira
XIV
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
O Inconsciente
O Espectro familiar que anda comigo,
Sem que pudesse ainda ver-lhe o rosto,
Que umas vezes encaro com desgosto
E outras muitas ansioso espreito e sigo.É um espectro mudo, grave, antigo,
Que parece a conversas mal disposto…
Ante esse vulto, ascético e composto
Mil vezes abro a boca… e nada digo.Só uma vez ousei interrogá-lo:
Quem és (lhe perguntei com grande abalo)
Fantasma a quem odeio e a quem amo?Teus irmãos (respondeu) os vãos humanos,
Chamam-me Deus, ha mais de dez mil anos…
Mas eu por mim não sei como me chamo…
Soneto III
Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha é descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
Têm a alma, aceso o peito, presa a vida;Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhã clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De üa virtude a poucas concedida;Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;Divino e repousado movimento,
E muito mais, que está em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.
Horas de Saudade
Vou de luar em rosto, descontente:
Meus olhos choram lágrimas de sal.
— Adeus, terras e moças do casal,
— Adeus, ó coração da minha gente.A hora da saudade é uma serpente:
Quero falar, não posso, e antes que fale
Ela enlaça-me a voz tão cordial
Que as coisas mais me lembram fielmente.Olhos de amora, e uma ave na garganta
Para enfeitiçar a alma quando canta,
Moças com sua parra de avental;Graça, Beleza, um verso sem medida,
A Saudade desterrou-me a vida …
Sou um eco perdido noutro vale.
Quando Eu Partir
Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nós ambos, quanta,Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, ó minha santa!
A Felício Dos Santos
Felício amigo, se eu disser que os anos
Passam correndo ou passam vagarosos,
Segundo são alegres ou penosos,
Tecidos de afeições ou desenganos,“Filosofia é esta de rançosos!”
Dirás. Mas não há outra entre os humanos.
Não se contam sorrisos pelos danos,
Nem das tristezas desabrocham gozos.Banal, confesso. O precioso e o raro
É, seja o céu nublado ou seja claro,
Tragam os tempos amargura ou gosto,Não desdizer do mesmo velho amigo,
Ser com os teus o que eles são contigo,
Ter um só coração, ter um só rosto.
Marília De Dirceu
Soneto 10
Adeus, cabana, adeus; adeus, ó gado;
Albina ingrata, adeus, em paz te deixo;
Adeus, doce rabil; neste alto freixo
Te fica, ao meu destino consagrado.Se te for meu sucesso perguntado,
não declares, rabil, de quem me queixo;
não quero que se saiba vive Aleixo
por causa de uma infame desterrado.Se vires a pastor desconhecido,
lhe dize então piedoso: – Ah! vai-te embora,
atalha os danos, que outros têm sentido.Habita nesta aldeia uma pastora,
de rosto belo, coração fingido,
umas vezes cruel, e as mais traidora.
Noites em Claro
Passas em claro as noites a chorar;
Dia a dia, teu rosto empalidece…
Faze tu, pobre Mãe, por serenar,
Santa Resignação sobre ela desce!Rochedo que a penumbra desvanece,
Tu, por acaso, não lhe podes dar
Um pouco d’esse frio que entorpece
O coração e o deixa descançar?…Jamais! Não ha remedio! Nem as horas
Que passam! Toda a fria noite choras;
Tua sombra, no chão, é mais escura.Soffres! E sinto bem que a tua dôr,
Como se fôra um beijo, acêso amôr,
Vae-lhe aquecer, ao longe, a sepultura.
Não Pode Amor Por Mais Que As Falas Mude
Não pode Amor por mais que as falas mude
exprimir quanto pesa ou quanto mede.
Se acaso a comoção falar concede
é tão mesquinho o tom que o desilude.Busca no rosto a cor que mais o ajude,
magoado parecer aos olhos pede,
pois quando a fala a tudo o mais excede
não pode ser Amor com tal virtude.Também eu das palavras me arreceio,
também sofro do mal sem saber onde
busque a expressão maior do meu anseio.E acaso perde, o Amor que a fala esconde,
em verdade, em beleza, em doce enleio?
Olha bem os meus olhos, e responde.
Se em Nós a Solidão Viver Sozinha
Se em nós a solidão viver sozinha,
sem que nada em nós próprios a perturbe,
cada figura passará rainha
na antiguidade súbita da urbe.Um acento de pena irá na linha
vincar a eternidade de figura
a um rosto que quase só caminha
para dentro de o vermos pela purasubstância em si que vive a solidão
dentro de nós. E sendo nós só margem
do seu reino de ver por onde vãoas figuras passando na paisagem
de um antigo fulgor de coração
aonde passam desde sempre. E agem.