Sonetos sobre Mistério

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Sonetos de mistério escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Amor E Crença

E sĂȘ bendita!
H. Sienkiewicz

Sabes que Ă© Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
ReĂșne tudo em si, num sĂł encanto?

Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!

Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar Ă  Natureza,
Fita a cĂșp’la do CĂ©u santa e infinita!

Deus Ă© o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crĂȘ em Deus, e… sĂȘ bendita!

Requiescat

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memĂłria,
Dorme tranqĂŒila no esplendor da glĂłria,
Longe das amarguras do cansaço…

IlusĂŁo, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flĂłrea,
Quando as visÔes da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…

Ó Ilusão! Estranha caravana
de åguias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarĂŁo do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…

Sentimento Esquisito

Ó cĂ©u estĂ©ril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

PĂĄtria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidåvel muralha de mistério
Que deixa os coraçÔes desconsolados.

CĂ©u imĂłvel milĂȘnios e milĂȘnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂȘnios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

SolilĂłquio De Um VisionĂĄrio

Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!

A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressÔes visuais que eu sinto,
Nas divinas visÔes do íncola etéreo!

Vestido de hidrogĂȘnio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…

Subi talvez Ă s mĂĄximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma Ă s escuras,
É necessário que inda eu suba mais!

Beijos No Ar

No silĂȘncio da noite, alta e deserta,
inebriante, férvido sintoma,
uma fragrĂąncia feminina assoma
e tentadoramente me desperta.

Entrou-me, em ondas, a janela aberta,
como se se quebrara uma redoma,
da qual fugira o delirante aroma,
que o mistério do amor assim me oferta.

De que dama-da-noite ou jasmineiro,
de que magnĂłlia em flor, em fevereiro,
se exala esse cĂĄlido desejo?

Ela sonha comigo: esse perfume
vem da sua saudade, que presume,
embora em sonho, ter-me dado um beijo!

LĂĄgrimas Da Aurora, Poemas Cristalinos

LĂĄgrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidĂ©rio…
Raios de luz, fantĂĄsticos, divinos!…

Astros diĂĄfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!…

Brisas suaves, viraçÔes amenas,
LĂ­rios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!…

Vinde do arcano n’um potente afago
Louvar o GĂȘnio das mansĂ”es serenas,
Esse ProdĂ­gio singular e mago!!…

As LĂĄgrimas

Exaltemos as lĂĄgrimas. Na pele das veias,
bom dia, ĂĄguas. GratidĂŁo ao rosto, Ă s cores,
ao sulco nos olhos. PorquĂȘ este ardor, este
temor da erva pisada? Adormecem comigo,

meigas fĂĄbricas de quietude e solidĂŁo
no calmo azul branco da sua breve cor.
Que longe se vĂŁo no ar amargo, sob o Ă­mpeto
delirante de as transformar em leis extintas,

ironias ou jĂșbilos. Rolem ou finjam
incansĂĄveis trabalhos ou dores, assim
conspiram em outras portas, outros mistérios.

Perco-as entre conversas, o sono, o amor.
Aos olhos desertos sua ausĂȘncia os desgasta.
Louvemos nas lĂĄgrimas o seu fulgor vĂŁo.

A Aeronave

Cindindo a vastidĂŁo do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.

E na esteira sem fim da azĂșlea esfera
Ei-la embalada n’amplidĂŁo dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares,
Vencendo o azul que ante si s’erguera.

Voa, se eleva em busca do infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciĂȘncia.

Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgĂȘncia do seu rastro
A trajetĂłria augusta da CiĂȘncia.

ProdĂ­gio!

Como o Rei Lear nĂŁo sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o cĂ©u d’estrelas todo resplandeça.)
A tua alma, na Dor, mais nobre aumenta.

A Desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda e mais espessa,
Todo o teu ser em mĂșsicas rebenta.

Em mĂșsicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistĂ©rio singular, nevoento…

Ah! sĂł da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!

Para Que Serve A Poesia?

De servir-se utensĂ­lio dia a dia
utilidade prĂĄtica aplicada,
o nada sobre o nada anula o nada
por desvendar mistério na magia.

O sonho em fantasia iluminada
aqui se oferta em mĂłdica quantia
por camelĂŽs de palavras aladas
marreteiros de mansa mercancia.

De pagamento, apenas um sorriso
de nuvens, uma fatia de grama
de orvalho e o fugaz fulgor de astro arisco.
Serena sentença em sina servida,

seu valor se aquilata e se esparrama
na livre chama acesa de quem ama.

Ao Meu Maior Amigo

Quando eu morrer, eu sei, tu escreverĂĄs
Triste soneto Ă  morte prematura;
DirĂĄs que a vida cansa em amargura
E, pĂĄlido e frio, tu me cantarĂĄs.

Nas quadras, reflectido se lerĂĄ
De como, vĂŁ e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, mĂĄ ou boa, acabarĂĄ.

A seguir, nos tercetos, tu dirĂĄs
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.

Por fim porĂĄs a data, assinarĂĄs.
E, relido o soneto, ficarĂĄs
Contente por tĂȘ-lo escrito bem.

Cantares Bacantes (I)

O mar lava a concha cava
e cava concha lava o mar
como a lĂ­ngua limpa lava
tua concha antes de amar.

DelĂ­rio da estrela d’alva
mistério da preamar
vinda e volta abrindo a aldrava
da concha do paladar.

Oh minhas parcas de mel!
Eu me afogo em mar vinho
Ă  espera de algum batel.

Sou cantador de cordel:
estĂłrias sabor marinho
bacantes da moscatel.

Flores Da Lua

Brancuras imortais da Lua Nova
Frios de nostalgia e sonolĂȘncia…
Sonhos brancos da Lua e viva essĂȘncia
Dos fantasmas noctĂ­vagos da Cova.

Da noite a tarda e taciturna trova
Soluça, numa tremula dormĂȘncia…
Na mais branda, mais leve florescĂȘncia
Tudo em VisÔes e Imagens se renova.

Mistérios virginais dormem no Espaço,
Dormem o sono das profundas seivas,
MonĂłtono, infinito, estranho e lasso…

E das Origens na luxĂșria forte
Abrem nos astros, nas sidéreas leivas
Flores amargas do palor da Morte.

Cabelos

I

Cabelos! Quantas sensaçÔes ao vĂȘ-los!
Cabelos negros, do esplendor sombrio,
Por onde corre o fluido vago e frio
Dos brumosos e longos pesadelos…

Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos,
Tudo que lembra as convulsÔes de um rio
Passa na noite cĂĄlida, no estio
Da noite tropical dos teus cabelos.

Passa através dos teus cabelos quentes,
Pela chama dos beijos inclementes,
Das dolĂȘncias fatais, da nostalgia…

Auréola negra, majestosa, ondeada,
Alma da treva, densa e perfumada,
LĂąnguida Noite da melancolia!

O Meu Soneto

Em atitudes e em ritmos fleumĂĄticos,
Erguendo as mĂŁos em gestos recolhidos,
Todos brocados fĂșlgidos, hierĂĄticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos…

E os meus olhos serenos, enigmĂĄticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristĂ­ssimos, extĂĄticos,
SĂŁo letras de poemas nunca lidos…

As magnĂłlias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados dÂŽamor trazem de rastros…

E a minha boca, a rĂștila manhĂŁ,
Na Via LĂĄctea, lĂ­rica, pagĂŁ,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..

Soneto XXXXVII

Como depois de tanta idade de ano
Agora o CĂ©u vos dĂĄ, Jacinto, Ă  terra?
Esta tardança algua culpa encerra
Ou mistério, que passa o ser humano.

Foi descuido do CĂ©u, ou foi engano
Da terra, que sem CĂ©u mil vezes erra?
Ou pouco merecer, que este desterra
De tanta glória o prémio soberano?

Nem foi erro da terra, nem foi vosso,
Nem do Céu foi, mas foi mistério seu
Que Ă  CatĂłlica Igreja se aparelha.

Filhos na mocidade o CĂ©u lhe deu:
Guardou-vos, por vos dar filho mais moço
Para consolação desta Mãe velha.

Humildade Secreta

Fico parado, em ĂȘxtase suspenso,
Às vezes, quando vou considerando
Na humildade simpĂĄtica, no brando
Mistério simples do teu ser imenso.

Tudo o que aspiro, tudo quanto penso
D’estrelas que andam dentro em mim cantando,
Ah! tudo ao teu fenĂŽmeno vai dando
Um céu de azul mais carregado e denso.

De onde nĂŁo sei tanta simplicidade,
Tanta secreta e lĂ­mpida humildade
Vem ao teu ser como os encantos raros.

Nos teus olhos tu alma transparece…
E de tal sorte que o bom Deus parece
Viver sonhando nos teus olhos claros.

PĂ©s

VI

LĂ­vidos, frios, de sinistro aspecto,
Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
Inteiriçados, dentre a auréola vaga
Do mistério sagrado de um afeto.

Pés que o fluido magnético, secreto
Da morte maculou de estranha e maga
Sensação esquisita que propaga
Um frio n’alma, doloroso e inquieto…

PĂ©s que bocas febris e apaixonadas
Purificaram, quentes, inflamadas,
Com o beijo dos adeuses soluçantes.

PĂ©s que jĂĄ no caixĂŁo, enrijecidos,
Aterradoramente indefinidos
Geram fascinaçÔes dilacerantes!

Adeus, Adeus, Adeus!

Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No badalar monĂłtono dos sinos.
Hermeto Lima

Adeus, adeus, adeus! E, suspirando,
SaĂ­ deixando morta a minha amada,
Vinha o luar iluminando a estrada
E eu vinha pela estrada soluçando.

Perto, um ribeiro claro murmurando
Muito baixinho como quem chorava,
Parecia o ribeiro estar chorando
As lĂĄgrimas que eu triste gotejava.

SĂșbito ecoou do sino o som profundo!
Adeus! – eu disse. Para mim no mundo
Tudo acabou-se, apenas restam mĂĄgoas.

Mas no mistério astral da noute bela
Pareceu-me inda ouvir o nome dela
No marulhar monĂłtono das ĂĄguas!

Cabelos Brancos

Cobrem-me as fontes jĂĄ cabelos brancos,
NĂŁo vou a festas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E nĂŁo vou, nĂŁo vou.

Cabelos brancos, vĂĄ, sejamos francos,
Minha inocĂȘncia quando os encontrou
Era um mistĂ©rio vĂȘ-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avĂŽ.

Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;

E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doĂ­a vĂȘ-los …
E fiquei sempre triste de criança.