Sonetos sobre Saudades

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Sonetos de saudades escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

VĂŁo Arrebatamento

Partes um dia das Curiosidades
Do teu ser singular, partes em busca
De alamas irmĂŁs, cujo esplendor ofusca
As celestes, divinas claridades.

Rasgas terras e céus, imensidades,
Dos perigos da Vida a vaga brusca,
Queima-te o sol que na AmplidĂŁo corusca
E consola-te a lua das saudades.

Andas por toda a parte, em toda a parte
A sedução das almas a falar-te,
Como da Terra luminosos marcos.

E a sorrir e a gemer e soluçando
Ah! Sempre em busca de almas vais andando
Mas em vez delas encontrando charcos!

O Suspiro

Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de VĂ©nus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:

Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos coraçÔes a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:

Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro of’rece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:

Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tĂŁo infeliz, que isso me basta.

Romantismo

Quisera repousar desta vida de agora,
e esquecer no silĂȘncio a dor que me lacera…
– nĂŁo posso ter em mim o ardor da primavera,
– na casa de meu peito uma saudade chora…

E hå sempre uma lembrança a recordar de outrora
que me faz sonhador… E hĂĄ sempre uma quimera,
que ainda vive em minha alma à semelhança da hera
pregada sobre o muro em ruĂ­nas que a vigora…

Quisera me afastar do mundo, e a alma selvagem
repousar bem distante Ă  beira de um remanso
entre o beijo do vento e o choro da folhagem…

E esperar sem ninguĂ©m o prosseguir da vida…
Depois… chegando a morte, em preito ao meu descanso
deixar a minha cruz na solidĂŁo perdida!…

Horas De Sombra

Horas de sombra, de silĂȘncio amigo
Quando hĂĄ em tudo o encanto da humildade
E que o anjo branco e belo da saudade
Roga por nĂłs o seu perfil antigo.

Horas que o coração nĂŁo vĂȘ perigo
De gozar, de sentir com liberdade…
Horas da asa imortal da Eternidade
Aberta sobre tumular jazigo.

Horas da compaixĂŁo e da clemĂȘncia,
Dos segredos sagrados da existĂȘncia,
De sombras de perdĂŁo sempre benditas.

Horas fecundas, de mistério casto,
Quando dos céus desce, profundo e vasto,
O repouso das almas infinitas.

Dizeres Íntimos

É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar (com que ansiedade! …)
As minhas mĂŁos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebĂȘs doentes
Que hĂŁo-de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo Ă© ter-se o ParaĂ­so,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e trĂȘs anos … (Sou tĂŁo nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida! …”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”

Viola Azulada

Sempre que houver saco retiro a viola,
e ponho a cantoria no sereno
da noite, em serenata que se evola
em sons antigos, raros, que enveneno.

Nos acordes do pinho, a mĂŁo que sola
repete a melodia no azul pleno
dessa paixĂŁo azul, de ontens e agoras,
azulando a saudade e seu terreno.

Carlos Pena Filho pintou de azul
os seus sapatos por ser impossĂ­vel
pintar de azul as ruas do seu rumo,

e a trova azul que eu canto agora aqui
mundo afora vai na nuvem que assume
chover de azul os sonhos por aĂ­.

Charneca Em Flor

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frĂ©mito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lĂĄgrimas apago…

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E jĂĄ nĂŁo sou, Amor, Soror Saudade…

Olhos a arder em ĂȘxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

RazÔes

“RazĂ”es…”
I
PensarĂĄs que Ă© mentira e Ă© no entanto verdade
– mas me afasto de ti, propositadamente,
pelo estranho prazer de sentir que a saudade
ainda torna maior o coração da gente…

Parto! Bem sei que parto sem necessidade!
Quero ver os teus olhos turvos, de repente,
embora nĂŁo compreenda essa felicidade
que assim te faz sofrer comigo inutilmente!

Quero ouvir-te na hora da despedida
que eu volte bem depressa para a tua vida,
– quero no Ășltimo beijo um soluço interior…

Que enquanto ficas sĂł, e enquanto vou sozinho,
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho
que hĂĄ de aquecer na volta o nosso eterno amor!

A Um Livro

No silĂȘncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mĂĄgoas que me deste.

Estranho livro que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste Ă© meu, e salma
As oraçÔes que choro e rio e canto!…

Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizes!… Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!…

Último Soneto

Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste…
– Se me dĂłi hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi…

Pensei que fosse o meu o teu cansaço –
Que seria entre nós um longo abraço
O tĂ©dio que, tĂŁo esbelta, te curvava…

E fugiste… Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?…

Saudade

Hoje que a mĂĄgoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença, em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença.

À noute qaundo em funda soledade
Minh’alma se recolhe tristemente,
P’ra iluminar-me a alma descontente,
Se acende o cĂ­rio triste da Saudade.

E assim afeito Ă s mĂĄgoas e ao tormento,
E Ă  dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida Ă  dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.

Soneto Com Estrambote Enviesado

Alfaiate de mim costuro a roupa
que cabe ao figurino que me coube.

SĂł meu verso protege essa amargura
desfiada de dia ao sol veloz,
para Ă  noite tecer nova textura,
novelo de silĂȘncio ao rĂ©s da voz.

Enxoval construĂ­do nessa usura
solitĂĄria de andaimes, num retrĂłs
de linha vertical, que se pendura
na pĂȘnsil teia atada, fio em foz

desse rio agulha que me costura
ao rendilhado de ĂĄguas tropicais,
que sabe de saudades no meu cais.

Viageiro de uma sanha que me traz
sempre de volta ao tear do meu destino
na seda depressiva me assassino.

XXXI

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente…

Tal aquele, que, mĂ­sero, a tortura
Sofre de amargo exĂ­lio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente…

Porque teu nome Ă© para mim o nome
De uma pĂĄtria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo Ă© ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.

CrepĂșsculo

Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Batendo as asas leves, irisadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas
Como em dois lĂ­rios roxos e dolentes…

E os lĂ­rios fecham… Meu Amor, nĂŁo sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mĂŁos sĂŁo maceradas
Como vagas saudades de doentes…

O SilĂȘncio abre as mĂŁos… entorna rosas…
Andam no ar carĂ­cias vaporosas
Como pĂĄlidas sedas, arrastando…

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente palpitando…

LIV

Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incĂȘndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cĂ­tara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.

Se vĂłs, glĂłrias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
NĂŁo ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.

Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tĂŁo livre de vĂłs, que da saudade
NĂŁo receia abrasar-se no tormento.

Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.

Se me Aparto de ti, Deus da Bondade

Se me aparto de ti, Deus da bondade,
Que ausĂȘncia tĂŁo cruel! Como Ă© possĂ­vel
Que me leve a um abismo tĂŁo terrĂ­vel
O pendor infeliz da humanidade!

Conforta-me, Senhor, que esta saudade
Me despedaça o coração sensível;
Se a teus olhos na cruz sou desprezĂ­vel,
NĂŁo olhes para a minha iniquidade!

À suave esperança me entregaste,
E o preço de teu sangue precioso
Me afiança que não me abandonaste.

Se, justo, castigar-me te é forçoso,
lembra-te que te amei, e me criaste
para habitar contigo o CĂ©u lustroso!

Nossa LĂ­ngua

para o poeta Antoniel Campos*

O doce som de mel que sai da boca
na lĂ­ngua da saudade e do crepĂșsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiĂșsculos.

É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu mĂșsculo
na hora que Ă© preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opĂșsculo.

Dizer e maldizer do mel ao fel
Ă© fado de cantigas tĂŁo antigas
desde CamÔes, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abriga

na lĂ­ngua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que nĂŁo se cala.

* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra lĂ­ngua a minha lĂ­ngua cale.”

Infeliz

Alma viĂșva das paixĂ”es da vida,
Tu que, na estrada da existĂȘncia em fora,
Cantaste e riste, e na existĂȘncia agora
Triste soluças a ilusão peerdida;

Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;

Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde Ă  Natureza o sofrimento,

E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viĂșva das paixĂ”es da vida.

Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento

Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas ĂĄrvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mĂĄgoa, e sentimento.

As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.

E quanto m’era lĂĄ doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cĂĄ mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.

Em lĂĄgrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.

Uma Amiga

Aqueles que eu amei, nĂŁo sei que vento
Os dispersou no mundo, que os nĂŁo vejo…
Estendo os bracos e nas trevas beijo
VisĂ”es que a noite evoca o sentimento…

Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos… que eu invejo…
Passam por mim… mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!

Daquela primavera venturosa
NĂŁo resta uma flor so, uma so rosa…
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!

Tu so foste fiel – tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes…
Para ver o meu mal… e escarnece-lo!