Sonetos sobre VisĂŁo

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Sonetos de visão escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Banzo

Visões que na alma o céu do exílio incuba,
Mortais visões! Fuzila o azul infando…
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O NĂ­ger… Bramem leões de fulva juba…

Uivam chacais… Ressoa a fera tuba
Dos cafres, pelas grotas retumbando,
E a estrelada das árvores, que um bando
De paquidermes colossais derruba…

Como o guaraz nas rubras penhas dorme,
Dorme em nimbos de sangue o sol oculto…
Fuma o saibro africano incandescente…

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme
Do baobá… E cresce na alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente…

A Musa Enferma

Ă“ minha musa, entĂŁo! que tens tu, meu amor?
Que descorada estás! No teu olhar sombrio
Passam fulgurações de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.

Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mau, visĂŁo cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?

Eu quisera que tu, saudável e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristĂŁo, ritmado, te pulsara

Como do silabálirio antigo os sons variados,
Onde reinam, o par, os deuses decantados;
Febo — pai das canções, e Pã — senhor da seara!

Tradução de Delfim Guimarães

IV

Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visões crepusculares…
Tu Ă©s uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vĂŞs no azul o teu caixĂŁo de pinho.

És a essência de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂ­tola da prece…

Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandálias trazes…

Triste Regresso

Uma vez um poeta, um tresloucado,
Apaixonou-se d’uma virgem bela;
Vivia alegre o vate apaixonado,
Louco vivia, enamorado dela.

Mas a Pátria chamou-o. Era o soldado,
E tinha que deixar p’ra sempre aquela
Meiga visĂŁo, olĂ­mpica e singela!
E partiu, coração amargurado.

Dos canhões ao ribombo e das metralhas,
Altivo lutador, venceu batalhas,
Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela,

E voltou, mas a fronte aureolada,
Ao chegar, pendeu triste e desmaiada,
No sepulcro da loura virgem bela.

Requiescat

Grande, grande Ilusão morta no espaço,
Perdida nos abismos da memĂłria,
Dorme tranqĂĽila no esplendor da glĂłria,
Longe das amarguras do cansaço…

IlusĂŁo, Flor do sol, do morno e lasso
Sonho da noite tropical e flĂłrea,
Quando as visões da névoa transitória
Penetram na alma, num lascivo abraço…

Ă“ IlusĂŁo! Estranha caravana
de águias, soberbas, de cabeça ufana,
De asas abertas no clarĂŁo do Oriente.

Não me persiga o teu mistério enorme!
Pelas saudades que me aterram, dorme,
Dorme nos astros infinitamente…

Sentimento Esquisito

Ó céu estéril dos desesperados,
Forma impassível de cristas sidéreo,
Dos cemitérios velho cemitério
Onde dormem os astros delicados.

Pátria d’estrelas dos abandonados,
Casulo azul do anseio vago, aéreo,
Formidável muralha de mistério
Que deixa os corações desconsolados.

CĂ©u imĂłvel milĂŞnios e milĂŞnios,
Tu que iluminas a visĂŁo dos GĂŞnios
E ergues das almas o sagrado acorde.

Céu estéril, absurdo, céu imoto,
Faz dormir no teu seio o Sonho ignoto,
Esta serpente que alucina e morde…

Solilóquio De Um Visionário

Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!

A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas divinas visões do íncola etéreo!

Vestido de hidrogĂŞnio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…

Subi talvez às máximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma Ă s escuras,
É necessário que inda eu suba mais!

Meu Calvário

Ando sempre a seguir-te… a buscar-te distante
como a visĂŁo que anseio e os olhos me seduz,
– e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em ĂŞxtase constante…

Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora Ă s vezes pare, – sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor Ă© uma cruz!

Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce Ă  frente de mim, – no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento…

E, apĂłs tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
– se ao cair no caminho… e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!

Ă“ tu, consolador dos malfadados

Ă“ tu, consolador dos malfadados,
Ă“ tu, benigno dom da mĂŁo divina,
Das mágoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:

Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vĂłs, sonhos d’amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visĂŁo de seus agrados:

Filha das trevas, frouxa sonolĂŞncia,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausĂŞncia!

Ah!, findou para mim tĂŁo leda sorte;
Agora Ă© sĂł feliz minha existĂŞncia
No mudo estado, que arremeda a morte.

Os Brilhantes

NĂŁo ha mulher mais pallida e mais fria,
E o seu olhar azul vago e sereno
Faz como o effeito d’um luar ameno
Na sua tez que Ă© morbida e macia.

Como Levana … esta mulher sombria
Traz a Morte cruel ao seu aceno,
O Suicidio e a DĂ´r!… Lembra do Rheno
Um conto, á luz crepuscular do dia.

Por isso eu nunca invejo os seus amantes!
– E em quanto hontem, gabavam seus brilhantes,
No theatro, com vistas fascinadas…

Tortura das visões… incomprehensiveis!
Em vez d’elles, cri ver brilhar – horriveis
E verdadeiras lagrimas geladas!

II

MĂŁos de finada, aquelas mĂŁos de neve,
De tons marfĂ­neos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
MĂŁos que consagram, mĂŁos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica…

Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mĂŁos que vĂŞm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas…

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas…

Jardim

Negro jardim onde violas soam
e o mal da vida em ecos se dispersa:
à toa uma canção envolve os ramos
como a estátua indecisa se reflete

no lago há longos anos habitado
por peixes, não, matéria putrescível,
mas por pálidas contas de colares
que alguém vai desatando, olhos vazados

e mãos oferecidas e mecânicas,
de um vegetal segredo enfeitiçadas,
enquanto outras visões se delineiam

e logo se enovelam: mascarada,
que sei de sua essĂŞncia (ou nĂŁo a tem),
jardim apenas, pétalas, presságio

Exilada

Bela viajante dos paĂ­ses frios
NĂŁo te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incĂłgnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste…

VisĂŁo Medieva

Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.

Nas armaduras rĂ­gidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.

O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.

NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.

Ă€ Virgem SantĂ­ssima

Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia

N’um sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizĂ­vel ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

NĂŁo era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que atĂ© nem sei se as há na natureza…

Um mĂ­stico sofrer… uma ventura
Feita sĂł do perdĂŁo, sĂł da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

Ă“ visĂŁo, visĂŁo triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!

Ars De Eros

Enquanto vias vi fĂ´rmas e formas
mas sabia que vinhas ver os versos
depois de veres várias folhas mortas
desse outono jardim nosso em regressos.

NĂŁo adianta rosnar pantera morna
o tempo rasga sempre um vento espesso
embora nĂŁo queiramos ser da horta
estrume de um adubo tĂŁo perverso,

E nĂŁo me venha viĂşva simbolista
reclamar dos poemas tĂŁo transgressos
pois te mostro a visĂŁo livre e anarquista.

Se Ă© para ver que venha entĂŁo diverso
o modo de te amar mais tribalista
que morro nesse clĂ­max dos possessos.

Sem um Filho te Apagarás no Poente

A luz real ergueu-se a oriente
com a coroa de fogo na cabeça:
e o nosso olhar, vassalo obediente,
ajoelha ante a visão que recomeça.

Enquanto sobe, Sua Majestade,
a colina do céu a passos de oiro,
adoramos-lhe a adulta mocidade
que fulge com as chamas dum tesoiro.

Mas quando o carro fatigado alcança
o cume e se despenha pela tarde,
desviamos os olhos já sem esperança:

no crepúsculo estéril nada arde.
Assim tu, meio dia ainda ardente,
sem um filho te apagarás no poente.

Tradução de Carlos de Oliveira

Redenção

I

Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando Ă s vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…

Verbo crepuscular e Ă­ntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?

Um espĂ­rito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.

E eu compreendo a vossa lĂ­ngua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmĂŁs da minha, almas cativas!

II

Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…

Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…

Almas no limbo ainda da existĂŞncia,
Acordareis um dia na ConsciĂŞncia,
E pairando, já puro pensamento,

Vereis as Formas, filhas da IlusĂŁo,
Cair desfeitas, como um sonho vĂŁo…
E acabará por fim vosso tormento.

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O Teu Olhar

Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
CĂ©us do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde nĂŁo cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de herĂłis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;

Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a ĂŤndia, a visĂŁo do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

E ao sentir-te tĂŁo grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!

VisĂŁo Guiadora

Ă“ alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lânguida beleza
Nas cadeias das lágrimas cativa.

Frágil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂşsica aflitiva.

Alma de acerbo, amargurado exĂ­lio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visões dos desolados.

Ă“ tu que Ă©s boa e porque Ă©s boa Ă©s bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.