Sonetos sobre Mantos

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Sonetos de mantos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Diferente

Buscando o vão Ideal que me seduz,
Sem que o atinja me disperso e gasto,
E ansiosamente aos braços duma cruz
Ergo o perfil de iluminado e casto.

Já tristemente desdenhoso afasto
O manto de burel dos ombros nus;
E a noite pisa a forma do meu rasto,
Se deixo atrás de mim passos de luz.

Na minha tez suave e nazarena,
Transparecem vislumbres dessa pena
Que Deus pelos estranhos hà sentido…

E frio e calmo, a divergir da Raça,
Mal poiso os lábios no cristal da taça
Por onde as outras almas têm bebido!

Amor E Crença

E sê bendita!
H. Sienkiewicz

Sabes que é Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?

Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!

Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!

Deus é o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crê em Deus, e… sê bendita!

Luz Da Natureza

Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.

Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.

Desta minh’alma a solidão de prantos
Cerca com os teus leões de brava crença,
Defende com so teus gládios sacrossantos.

Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a Fé do meu Sonho se condensa!

Vem Despontando A Aurora, A Noite Morre

Vem despontando a aurora, a noite morre,
Desperta a mata virgem seus cantores,
Medroso o vento no arraial das flores
Mil beijos furta e suspirando corre.

Estende a névoa o manto e o val percorre,
Cruzam-se as borboletas de mil cores,
E as mansas rolas choram seus amores
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre.

E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flóreo bafo que o sertão perfuma.

Porém minh’alma triste e sem um sonho
Murmura olhando o prado, o rio, a espuma:
Como isto é pobre, insípido, enfadonho!

Soneto de um Céptico

Febo há muito desceu no Ocidente
Por trás dos montes de rosa tingidos;
Eu, sofrendo, cerro os olhos doridos
Olhando o mundo que ante mim se estende.

Pois pela noite o rio silente desce,
Oculto no escuro já voa o morcego;
Mas, nocturna, a alma não tem sossego,
É na escuridão que meu horror cresce.

Odeio a noite que a mim se assemelha,
Só que em mim, nem astro ou centelha
Dispersa as nuvens da alma e da mente.

Mas como a noite em seu manto sombrio,
Calado e escondido me quedo no frio,
Envolto em dúvidas e delas temente.

Supremo Verbo

– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.

Ei-lo, do Amor o Cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…

Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vão se multiplicando,
A portas de ouro que vão se abrindo!

Lágrimas Da Aurora, Poemas Cristalinos

Lágrimas da aurora, poemas cristalinos
Que rebentais das cobras do mistério!
Aves azuis do manto auri-sidério…
Raios de luz, fantásticos, divinos!…

Astros diáfanos, brandos, opalmos,
Brancas cecens do Paraíso etéreo,
Canto da tarde, límpido, aéreo,
Harpa ideal, dos encantados hinos!…

Brisas suaves, virações amenas,
Lírios do vale, roseirais do lago,
Bandos errantes de sutis falenas!…

Vinde do arcano n’um potente afago
Louvar o Gênio das mansões serenas,
Esse Prodígio singular e mago!!…

Doce Abismo

Coração, coração! a suavidade,
Toda a doçura do teu nome santo
É como um cálix de falerno e pranto,
De sangue, de luar e de saudade.

Como um beijo de mágoa e de ansiedade,
Como um terno crepúsculo d’encanto,
Como uma sombra de celeste manto,
Um soluço subindo a Eternidade.

Como um sudário de Jesus magoado,
Lividamente morto, desolado,
Nas auréolas das flores da amargura.

Coração, coração! onda chorosa,
Sinfonia gemente, dolorosa,
Acerba e melancólica doçura.

Nua E Crua

Doire a Poesia a escura realidade
E a mim a encubra! Um visionário ardente
Quis vê-la nua um dia; e, ousadamente,
Do áureo manto despoja a divindade;

O estema da perpétua mocidade
Tira-lhe e as galas; e ei-la, de repente,
Inteiramente nua e inteiramente
Crua, como a Verdade! E era a Verdade!

Fita-a em seguida, e atônito recua…
– Ó Musa! exclama então, magoado e triste,
Traja de novo a louçainha tua!

Veste outra vez as roupas que despiste!
Que olhar se apraz em ver-te assim tão nua?…
À nudez da Verdade quem resiste?!

Renascimento

A Olegária Siqueira

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranqüilo e plácido deserto!

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!

A Moça Caetana A Morte Sertaneja

(com tema de Deborah Brennand)

Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.

Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.

Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,

pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.

Eu Como, Eu Bebo, Eu Durmo

Eu como, eu bebo, eu durmo e a vida passo
Ora bem, ora mal, como sucede:
Tomo tabaco, e chá; e se mo pede
O génio alguma vez, eu Nize abraço:

As vezes jogo, as vezes versos faço,
Que mais que a arte a natureza mede:
E talvez por saber como procede
Em se mover o Sol círculos traço.

Alguma vez me agrada a soledade,
Outras vezes a nobre companhia;
E desta sorte vou passando a idade:

E espero assim que venha a morte fria
Com o manto da eterna escuridade
Encobrir-me de todo a luz do dia.

Escravocratas

Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio
Manhosos, agachados — bem como um crocodilo,
Viveis sensualmente à luz dum privilégio
Na pose bestial dum cágado tranqüilo.

Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
Ardentes do olhar — formando uma vergasta
Dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
E vibro-vos a espinha — enquanto o grande basta

O basta gigantesco, imenso, extraordinário —
Da branca consciência — o rútilo sacrário
No tímpano do ouvido — audaz me não soar.

Eu quero em rude verso altivo adamastórico,
Vermelho, colossal, d’estrépito, gongórico,
Castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar!

Toada Para Solo De Ocarina

Fio tênue do céu em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalha

como tapete denso em chão de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhado

Nesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco ébrio que sempre desafina

E colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud

Invocação à Noite

Ó deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:

Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d’amor os sôfregos instantes:

Tétis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu níveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!

Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.

Clamor Supremo

Vem comigo por estas cordilheiras!
Põe teu manto e bordão e vem comigo,
Atravessa as montanhas sobranceiras
E nada temas do mortal Perigo!

Sigamos para as guerras condoreiras!
Vem, resoluto, que eu irei contigo
Dentre as Águias e as chamas feiticeiras,
Só tendo a Natureza por abrigo.

Rasga florestas, bebe o sangue todo
Da Terra e transfigura em astros lodo,
O próprio lodo torna mais fecundo.

Basta trazer um coração perfeito,
Alma de eleito, Sentimento eleito
Para abalar de lado a lado o mundo!

O Incêndio De Roma

Raiva o incêndio. A ruir, soltas, desconjuntadas,
As muralhas de pedra, o espaço adormecido
De eco em eco acordando ao medonho estampido,
Como a um sopro fatal, rolam esfaceladas.

E os templos, os museus, o Capitólio erguido
Em mármor frígio, o Foro, as erectas arcadas
Dos aquedutos, tudo as garras inflamadas
Do incêndio cingem, tudo esbroa-se partido.

Longe, reverberando o clarão purpurino,
Arde em chamas o Tibre e acende-se o horizonte.
Impassível, porém, no alto do Palatino,

Nero, com o manto grego ondeando ao ombro, assoma
Entre os libertos, e ébrio, engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição de Roma.

Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado

Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razão da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:

Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que só nesta caverna encontro abrigo,
Porque não busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?

Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!

Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, é ela que do céu me brada:
Oh terrível pregão da eternidade!

Roseira Brava

Há nos teus olhos um tal fulgor
E no teu riso tanta claridade,
Que o lembrar-me de ti é ter saudade
Duma roseira brava toda em flor.

Tuas mãos foram feitas para a dor,
Para os gestos de doçura e piedade;
E os teus beijos de sonho e de ansiedade
São como a alma a arder do próprio Amor!

Nasci envolta em trajes de mendiga;
E, ao dares-me o teu amor de maravilha,
Deste-me o manto de oiro de rainha!

Tua irmã…teu amor…e tua amiga…
E também, toda em flor, a tua filha,
Minha roseira brava que é só minha!…

Chuva E Sol

Agrada à vista e à fantasia agrada
Ver-te, através do prisma de diamantes
Da chuva, assim ferida e atravessada
Do sol pelos venábulos radiantes…

Vais e molhas-te, embora os pés levantes:
– Par de pombos, que a ponta delicada
Dos bicos metem nágua e, doidejantes,
Bebem nos regos cheios da calçada…

Vais, e, apesar do guarda-chuva aberto,
Borrifando-te colmam-te as goteiras
De pérolas o manto mal coberto;

E estrelas mil cravejam-te, fagueiras,
Estrelas falsas, mas que assim de perto,
Rutilam tanto, como as verdadeiras…