Sonetos sobre Olhar

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Sonetos de olhar escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Versos de Orgulho

O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém!

Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarÔes são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

O mundo! O que Ă© o mundo, Ăł meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pĂŁo bendito,

Meus ĂȘxtases, meus sonhos, meus cansaços…
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via LĂĄctea fechando o Infinito!…

LassidĂŁo

Ah, por favor, doçura, doçura, doçura!
Acalma esses arroubos febris, minha bela.
Mesmo em grandes folguedos, a amante sĂł deve
Mostrar o abandono calmo da irmĂŁ pura.

SĂȘ lĂąnguida, adormece-me com os teus afagos,
Iguais aos teus suspiros e ao olhar que embala.
O abraço do ciĂșme, o espasmo impaciente
NĂŁo valem um sĂł beijo, mesmo quando mente!

Mas dizes-me, criança, em teu coração de ouro
A paixĂŁo mais selvagem toca o seu clarim!…
Deixa-a trombetear Ă  vontade, a impostora!

Chega essa testa à minha, a mão também, assim,
E faz-me juramentos pra amanhĂŁ quebrares,
Chorando até ser dia, impetuosa amada!

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Soneto

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
PorquĂȘ esperar, porquĂȘ, se nĂŁo se alcança
Mais do que a angĂșstia que nos Ă© devida?

Antes aproveitar a nossa herança
De intençÔes e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mĂŁo que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventĂĄmos e nos fita.

JĂĄ nĂŁo Vivi, SĂł Penso

JĂĄ nĂŁo vivo, sĂł penso. E o pensamento
Ă© uma teia confusa, complicada,
uma renda subtil feita de nada:
de nuvens, de crepĂșsculos, de vento.

Tudo Ă© silĂȘncio. O arco-Ă­ris Ă© cinzento,
e eu cada vez mais vaga, mais alheada.
Percorro o céu e a terra aqui sentada,
sem uma voz, um olhar, um movimento.

Terei morrido jĂĄ sem o saber?
Seria bom mas nĂŁo, nĂŁo pode ser,
ainda me sinto presa por mil laços,

ainda sinto na pele o sol e a lua,
ouço a chuva cair na minha rua,
e a vida ainda me aperta nos seus braços.

Dona Flor

Ela Ă© tĂŁo meiga! Em seu olhar medroso
Vago como os crepĂșsculos do estio,
Treme a ternura, como sobre um rio
Treme a sombra de um bosque silencioso.

Quando, nas alvoradas da alegria,
A sua boca Ășmida floresce,
Naquele rosto angelical parece
Que Ă© primavera, e que amanhece o dia.

Um rosto de anjo, lĂ­mpido, radiante…
Mas, ai! sob ĂȘsse angĂ©lico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher

Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo
– Como atirando ao vento fugitivo
As folhas sem valor de um malmequer…

Paisagem Única

Olhas-me tu: e nos teus olhos vejo
Que eu sou apenas quem se vĂȘ: assim
Tu tanto me entregaste ao teu desejo
Que Ă© nos teus olhos que eu me vejo a mim.

Em ti, que bem meu corpo se acomoda!
Ah! quanto amor por os teus olhos arde!
Contigo sou? — perco a paisagem toda…
Longe de ti? — sou como um dobre Ă  tarde…

Adeuses aos casais dessas Marias
Em cuja graça o meu olhar flutua,
Tudo o que amei ao teu amor o entrego.

Choupos com ar de velhas Senhorias,
Castelo moiro donde nasce a Lua,
E apenas tu, a tudo o mais sou cego.

A Musa Enferma

Ó minha musa, então! que tens tu, meu amor?
Que descorada estĂĄs! No teu olhar sombrio
Passam fulguraçÔes de loucura e terror;
Percorre-te a epiderme em fogo um suor frio.

Esverdeado gnomo ou duende tentador,
Em teu corpo infiltrou, acaso, um amavio?
Foi algum sonho mau, visĂŁo cheia de terror,
Que assim te magoou o teu olhar macio?

Eu quisera que tu, saudĂĄvel e contente.
Só nobres idéias abrigasses na mente,
E que o sangue cristĂŁo, ritmado, te pulsara

Como do silabĂĄlirio antigo os sons variados,
Onde reinam, o par, os deuses decantados;
Febo — pai das cançÔes, e PĂŁ — senhor da seara!

Tradução de Delfim Guimarães

IV

Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visĂ”es crepusculares…
Tu Ă©s uma ave que perdeu o ninho.

Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vĂȘs no azul o teu caixĂŁo de pinho.

És a essĂȘncia de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂ­tola da prece…

Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandĂĄlias trazes…

XI

Todos esses louvores, bem o viste,
NĂŁo conseguiram demudar-me o aspecto:
SĂł me turbou esse louvor discreto
Que no volver dos olhos traduziste…

Inda bem que entendeste o meu afeto
E, através destas rimas, pressentiste
Meu coração que palpitava, triste,
E o mal que havia dentro em mim secreto.

Ai de mim, se de lĂĄgrimas inĂșteis
Estes versos banhasse, ambicionando
Das nĂ©scias turbas os aplausos fĂșteis!

Dou-me por pago, se um olhar lhes deres:
Fi-los pensando em ti, fi-los pensando
Na mais pura de todas as mulheres.

Anima Mea

Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.

Era de ver a fĂșnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»

— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).

Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma jå morreu!»

Amor E Crença

E sĂȘ bendita!
H. Sienkiewicz

Sabes que Ă© Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
ReĂșne tudo em si, num sĂł encanto?

Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!

Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar Ă  Natureza,
Fita a cĂșp’la do CĂ©u santa e infinita!

Deus Ă© o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crĂȘ em Deus, e… sĂȘ bendita!

ReminiscĂȘncia

Um dia a vi, nas lamas da miséria,
Como entre pĂąntanos um branco lĂ­rio,
Velada a fronte em palidez funérea,
O frio véu das noivas do martírio!

Pedia esmola — pequena e sĂ©ria —
Os seios, pastos de eternal delĂ­rio,
Cobertos eram de uma cor cinĂ©rea —
Seus olhos tinham o brilhar do cĂ­rio.

Tempos depois n’um carro — audaz, brilhante,
Uma mulher eu vi — febril, galante…
Lancei-lhe o olhar e… maldição! tremi…

Ria-se — cĂ­nica, servil… faceira?
O carro n’uma nuvem de poeira
Se arremessou… e eu nunca mais a vi!

Hora MĂ­stica

Noite caindo … CĂ©u de fogo e flores.
Voz de CrepĂșsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
SilĂȘncio … Eis-me rezando aos fins do dia.

NĂ©voa de luz criando imagens na ĂĄgua,
Nome das åguas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos hĂșmidos de frĂĄgua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.

Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha Ăłpera de Sol ao Ășltimo arranco.

E, oh! hora mĂ­stica em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.

Nerah

(Inspirado no elegante conto de VirgĂ­lio VĂĄrzea)
A VĂ­tor Lobato

Nerah nĂŁo brinca mais, nĂŁo dança mais. — E agora
Que vĂŁo-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tĂ­midos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.

Seus sonhos de cristal, translĂșcidos, antigos
Se vĂŁo embora, embora Ă  vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os Ășmidos galernos —
— lembrando um roto bando informe de mendigos.

NĂŁo canta o sabiĂĄ que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso — aquela flor que esvai-se, branca e fria.

Em tudo a fina seta aguda de afliçÔes!
Na própria atmosfera um caos de interjeiçÔes!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.

Afrodite II

Cabelo errante e louro, a pedraria
Do olhar faiscando, o mĂĄrmore luzindo
AlvirrĂłseo do peito, – nua e fria,
Ela Ă© a filha do mar, que vem sorrindo.

Embalaram-na as vagas, retinindo,
Ressoantes de pĂ©rolas, – sorria
Ao vĂȘ-la o golfo, se ela adormecia
Das grutas de Ăąmbar no recesso infindo.

Vede-a: veio do abismo! Em roda, em pĂȘlo
Nas ĂĄguas, cavalgando onda por onda
Todo o mar, surge um povo estranho e belo;

VĂȘm a saudĂĄ-la todos, revoando,
Golfinhos e tritÔes, em larga ronda,
Pelos retorsos bĂșzios assoprando.

Cinzento

Poeiras de crepĂșsculos cinzentos.
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços,
Como brancos fantasmas, sonolentos…

Monges soturnos deslizando lentos,
Devagarinho, em misteriosos passos…
Perde-se a luz em lĂąnguidos cansaços…
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!

Poeiras de crepĂșsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A névoa das saudades que deixaste!

Hora em que teu olhar me deslumbrou…
Hora em que a tua boca me beijou…
Hora em que fumo e nĂ©voa te tornaste…

O Camarim

A luz do sol afaga docemente
As bordadas cortinas de escumilha;
Penetrantes aromas de baunilha
Ondulam pelo tépido ambiente.

Sobre a estante do piano reluzente
Repousa a Norma, e ao lado uma quadrilha;
E do leito francĂȘs nas colchas brilha
De um cão de raça o olhar inteligente.

Ao pé das longas vestes, descuidadas
Dormem nos arabescos do tapete
Duas leves botinas delicadas.

Sobre a mesa emurchece um ramalhete,
E entre um leque e umas luvas perfumadas
Cintila um caprichoso bracelete.

SilĂȘncio!

No fadĂĄrio que Ă© meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te Ă  porta…

Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu jĂĄ nĂŁo vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda Ă  tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti e nĂŁo me vĂȘs…
Quantas vezes no livro que tu lĂȘs
Meu olhar se pousou e se perdeu!

Trago-te como um filho, nos meus braços!
E na tua casa…Escuta!…Uns leves passos…
SilĂȘncio, meu Amor!…Abre! Sou eu!…

Quando Eu Partir

Quando eu partir, que eterna e que infinita
HĂĄ de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.

Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita…

Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade…
Quanta tristeza por nĂłs ambos, quanta,

Quando eu tiver jĂĄ de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, Ăł minha santa!

Tonta

Dizes que ficas tonta… quando em tua boca
ergo a taça da minha a transbordar de beijos,
e te dou a beber dessa champanha louca
que espuma nos meus lĂĄbios para os teus desejos.

Dizes… E em teu olhar incendiado talvez,
como que tonto mesmo e ardendo de calor,
vejo se refletir minha prĂłpria embriaguez
e o mundo de loucura que hĂĄ no nosso amor…

E receio por ti e por mim, e receio
que um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueça
e aperte no meu peito a maciez do teu seio…

Dizes que ficas tonta… HĂĄs de entĂŁo ficar louca!
E eu tomando entre as mãos tua loura cabeça
hei de fazer sangrar de beijos tua boca! …