A Meu Pai Doente
Para onde fores, Pai, para onde fores,
Irei tambĂ©m, trilhando as mesmas ruas…
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!Que cousa triste! O campo tĂŁo sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!Magoaram-te, meu Pai?! Que mão sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!– Seria a mĂŁo de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
Deus nĂŁo havia de magoar-te assim!
Sonetos sobre Crença
30 resultadosAssim Seja!
Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Sever cumprido!
Nem o mais leve, nem um sĂł gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.Morre com alma leal, clarividente,
Da crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus, brandido
Como um gládio soberbo e refulgente.Vai abrindo sacrário por sacrário
Do teu sonho no Templo imaginário,
Na hora glacial da negra Morte imensa…Morre com o teu Dever! Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa
Desdenhando de toda a Recompensa!
Natureza
Aos Poetas
Tudo por ti resplende e se constela,
Tudo por ti, suavĂssimo, flameja;
És o pulmão da racional peleja,
Sempre viril, consoladora e bela.Teu coração de pérolas se estrela,
E o bom falerno dás a quem deseja
Vigor, saúde a crença que floreja,
Que as expansões do cérebro revela.Toda essa luz que bebe-se de um hausto
Nos livros sĂŁos, todo esse enorme fausto
Vem das verduras brandas que reluzem!Esse da idéia esplêndido eletrismo,
O forte, o grande, audaz psicologismo,
Os organismos naturais produzem…
Trabalho E Luz I
Luz e trabalho, eis a divisa imensa
Da nova legiĂŁo de um mundo novo.
Das águias do porvir fecunde-se o ovo
No vigor do trabalho unido Ă crença.D’árvore humanidade Ă luz intensa
Do livre ensino brota o sĂŁo renovo
Rico de luz se nobilita o povo
Do trabalho na santa recompensa.Trabalham para a luz almas, que alentam
O brilho do trabalho. Os benefĂcios
Da luz da educação a Deus contentam.Trabalho e luz contra o furor dos vĂcios,
No trabalho e na luz que a paz sustentam,
GlĂłria ao Liceu de Artes e de OfĂcios.
Amor E Crença
E sĂŞ bendita!
H. SienkiewiczSabes que Ă© Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar Ă Natureza,
Fita a cĂşp’la do CĂ©u santa e infinita!Deus Ă© o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crĂŞ em Deus, e… sĂŞ bendita!
Luz Da Natureza
Luz que eu adoro, grande Luz que eu amo,
Movimento vital da Natureza,
Ensina-me os segredos da Beleza
E de todas as vozes por quem chamo.Mostra-me a Raça, o peregrino Ramo
Dos Fortes e dos Justos da Grandeza,
Ilumina e suaviza esta rudeza
Da vida humana, onde combato e clamo.Desta minh’alma a solidĂŁo de prantos
Cerca com os teus leões de brava crença,
Defende com so teus gládios sacrossantos.Dá-me enlevos, deslumbra-me, da imensa
Porta esferal, dos constelados mantos
Onde a FĂ© do meu Sonho se condensa!
A Musa Venal
Musa do meu amor, Ăł principesca amante,
Quando o inverno chegar, com seus ventos irados
Pelos longos serões, de frio tiritante,
Com que hás-de acalentar os pésitos gelados?Tencionas aquecer o colo deslumbrante
Com os raios de luz pelos vidros filtrados?
Tendo a casa vazia e a bolsa agonizante
o ouro vais roubar aos céus iluminados?Precisas, para obter o triste pão diário,
Fazer de sacristão e de turibulário,
Entoar um Te-Deum, sem crença nem favor,Ou, como um saltimbanco esfomeado, mostrar
As tuas perfeições, atravĂ©s d’um olhar
Onde ocultas, a rir, o natural pudor!Tradução de Delfim Guimarães
O Teu Olhar
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de herĂłis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a ĂŤndia, a visĂŁo do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!
Ouvi, Senhora, O Cântico Sentido
Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s’estertora
N’ânsia letal que o mata e que o devora,
E que tornou-o assim, triste e descrido.Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!
Ăšltima Deusa
Foram-se os deuses, foram-se, eu verdade;
Mas das deusas alguma existe, alguma
Que tem teu ar, a tua majestade,
Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma.Ao ver-te com esse andar de divindade,
Como cercada de invisĂvel bruma,
A gente à crença antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra com saudade.De lá trouxeste o olhar sereno e garço,
O alvo colo onde, em quedas de ouro tinto,
RĂştilo rola o teu cabelo esparto…Pisas alheia terra… Essa tristeza
Que possuis é de estátua que ora extinto
Sente o culto da forma e da beleza.
Diz-me, Amor, como Te Sou Querida
Diz-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glĂłria do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
Campesinas VIII
Orgulho das raparigas,
Encanto ideal dos rapazes,
Acendes crenças vivazes
Com tuas belas cantigas.No louro ondear das espigas,
Boca cheirosa a lilazes,
Carne em polpa de ananases
Lembras baladas antigas.Tens uns tons enevoados
De castelos apagados
Nas eras medievais.Falta-te o pajem na ameia
Dedilhando, a lua cheia,
O bandolim dos seus ais!
Vandalismo
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longĂnquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos …E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus prĂłprios sonhos!
Tempos Idos
NĂŁo enterres, coveiro, o meu Passado,
Tem pena dessas cinzas que ficaram;
Eu vivo dessas crenças que passaram,
e quero sempre tĂŞ-las ao meu lado!NĂŁo, nĂŁo quero o meu sonho sepultado
No cemitério da Desilusão,
Que nĂŁo se enterra assim sem compaixĂŁo
Os escombros benditos de um Passado!Ai! NĂŁo me arranques d’alma este conforto!
– Quero abraçar o meu passado morto,
– Dizer adeus aos sonhos meus perdidos!Deixa ao menos que eu suba Ă Eternidade
Velado pelo cĂrio da Saudade,
Ao dobre funeral dos tempos idos!
Um Soneto
A vez primeira que eu te vi, em meio
Das harmonias de uma valsa, elado
O lábio trêmulo, esplêndido, rosado,
Num riso, um riso de alvoradas cheio.Cheio de febres, em febril anseio
O meu olhar fervente, desvairado
Como um condor de flamas emplumado
Vingou-se a espádua e devorou-te o seio.Depois, delĂrio atroz, loucura imensa!
A alma, o bem, a consciência, a crença
Lancei no incĂŞndio dos olhares teus…Hoje estou pronto Ă lĂvida jornada
Da descrença sem luz, da dor do nada…
Já disse ontem à noite, adeus, a Deus!
Mocidade
Ah! esta mocidade! — Quem Ă© moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusões, da crença mais florida
Na muscular artĂ©ria de Colosso…Das incertezas nunca mede o poço…
Asas abertas — na amplidĂŁo da vida,
Páramo a dentro — de cabeça erguida,
VĂŞ do futuro o mais alegre esboço…Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compĂŞndio…Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incĂŞndio!
Ave Dolorosa
Ave perdida para sempre – crença
Perdida – segue a trilha que te traça
O Destino, ave negra da Desgraça,
Gêmea da Mágoa e núncia da Descrença!Dos sonhos meus na Catedral imensa
Que nunca pouses. Lá, na névoa baça
Onde o teu vulto lúrido esvoaça,
Seja-te a vida uma agonia intensa!Vives de crenças mortas e te nutres,
Empenhada na sanha dos abutres,
Num desespero rábido, assassino…E hás de tombar um dia em mágoas lentas,
Negrejadas das asas lutulentas
Que te emprestar o corvo do Destino!
Amor E ReligiĂŁo
Conheci-o: era um padre, um desses santos
Sacerdotes da Fé de crença pura,
Da sua fala na eternal doçura
Falava o coração. Quantos, oh! QuantosOuviram dele frases de candura
Que d’infelizes enxugavam prantos!
E como alegres nĂŁo ficaram tantos
Corações sem prazer e sem ventura!No entanto dizem que este padre amara.
Morrera um dia desvairado, estulto,
Su’alma livre para o CĂ©u se alara.E Deus lhe disse: “És duas vezes santo,
Pois se da ReligiĂŁo fizeste culto,
Foste do amor o mártir sacrossanto.”
Crença
Filha do céu, a pura crença é isto
Que eu vejo em ti, na vastidĂŁo das cousas,
Nessa mudez castĂssima das lousas,
No belo rosto sonhador do Cristo.A crença é tudo quanto tenho visto
Nos olhos teus, quando a cabeça pousas
Sobre o meu colo e que dizer nĂŁo ousas
Todo esse amor que eu venço e que conquisto.A crença é ter os peregrinos olhos
Abertos sempre aos rĂspidos escolhos;
Tê-los à frente de qualquer farolE conservá-los, simplesmente acesos
Como dois fachos — engastados, presos
Nas radiações prismáticas do sol!
Aos Olhos Dele
Não acredito em nada. As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa,
Pelo azul do ar. E assim fugiram o
As minhas doces crenças de criança.Fiquei então sem fé; e a toda gente
Eu digo sempre, embora magoada:
NĂŁo acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!Mas avisto os teus olhos, meu amor,
Duma luz suavĂssima de dor…
E grito então ao ver esses dois céus:Eu creio, sim, eu creio na Virgem Santa
Que criou esse brilho que m’encanta!
Eu creio, sim, creio, eu creio em Deus!