Sonetos sobre Mar

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Sonetos de mar escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Camões IV

Um dia, junto Ă  foz de brando e amigo
Rio de estranhas gentes habitado,
Pelos mares aspérrimos levado,
Salvaste o livro que viveu contigo.

E esse que foi Ă s ondas arrancado,
Já livre agora do mortal perigo,
Serve de arca imortal, de eterno abrigo,
Não só a ti, mas ao teu berço amado.

Assim, um homem sĂł, naquele dia,
Naquele escasso ponto do universo,
Língua, história, nação, armas, poesia,

Salva das frias mĂŁos do tempo adverso.
E tudo aquilo agora o desafia.
E tão sublime preço cabe em verso.

Vénus

I

Ă€ flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂştrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrás, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a água clara
VĂŞ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂŞncia luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
_ Ă“ fĂşlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…

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Oração Da Noite

Ajoelhada, Ăł meu Deus, e as duas mĂŁos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça…
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,

Maria! Virgem mĂŁe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça…
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.

Anjo de minha guarda, Ăł doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lĂşrido batel de meu sonhar sem fim,

Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento…
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.

Houve uma Ilha em Ti

Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidĂŁo.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vĂŁo.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei, não.

SĂł sei de mim, coberto de raĂ­zes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

Bastava-nos Amar

Bastava-nos amar. E nĂŁo bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E nĂŁo bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.

No Jardim Das Oliveiras

“Minh’alma Ă© triste atĂ© Ă  morte…” Doce,
Jesus falou… E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.

Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.

“Pai, tem piedade…” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.

Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!

Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho paĂ­s que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e nĂŁo sei nada.
E as torres de marfim que construĂ­
Em trágica loucura as destruí
Por minhas prĂłprias mĂŁos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar…
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei Ă  vida, e nĂŁo voltaram!…

Ă€ Cruz

Se em golfo de sereias proceloso,
Empenho repetido do cuidado,
O sábio grego, ao duro mastro atado,
As sereias escapa cauteloso;

Eu, no mar deste mundo tormentoso,
De sirtes e sereias povoado,
À vossa cruz, Senhor, sempre abraçado,
Os perigos escape venturoso.

Oh! Livrai-me, meu Deus, de tanto astuto
Labirinto, de tanto cego encanto,
Para que colha desta planta o fruto;

Que Ă© justo, doce Amor, em risco tanto,
Se salva a Ulisses um madeiro bruto,
Que a mim me salve este madeiro santo.

Ignotus

(A Salomão Sáragga)

Onde te escondes? Eis que em vĂŁo clamamos,
Suspirando e erguendo as mĂŁos em vĂŁo!
Já a voz enrouquece e o coração
Está cansado — e já desesperamos…

Por céu, por mar e terras procuramos
O EspĂ­rito que enche a solidĂŁo,
E sĂł a prĂłpria voz na imensidĂŁo
Fatigada nos volve… e nĂŁo te achamos!

Céus e terra, clamai, aonde? aonde? —
Mas o EspĂ­rito antigo sĂł responde,
Em tom de grande tédio e de pesar:

— Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade,
Que eu mesmo, desde toda a eternidade,
TambĂ©m me busco a mim… sem me encontrar!

Canção da Partida

Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro… Lançá-lo ao mar.
Quem vai embarcar, que vai degredado,

As penas do amor nĂŁo queira levar…
Marujos, erguei o cofre pesado, Lançai-o ao mar.
E hei de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.

A sete chaves: tem dentro uma carta…
_ A Ăşltima, de antes do teu noivado.
A sete chaves, _ a carta encantada!

E um lenço bordado… Esse hei de o levar,
Que é para o molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.

IdĂ­lio

Quando nĂłs vamos ambos, de mĂŁos dadas,
Colher nos vales lĂ­rios e boninas,
E galgamos dum fĂ´lego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;

Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:

Quantas vezes, de sĂşbito, emudeces!
NĂŁo sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mĂŁo e empalideces

O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.

Triunfo Supremo

Quem anda pelas lágrimas perdido,
Sonâmbulo dos trágicoa flagelos,
É quem deixou para sempre esquecido
O mundo e os fúteis ouropéis mais belos!

É quem ficou no mundo redimido,
Expurgado dos vĂ­cios mais singelos
E disse a tudo o adeus indefinido
E desprendeu-se dos carnais anelos!

É quem entrou por todas as batalhas
As mãos e os pés e o flanco ensangüentado,
Amortalhado em todas as mortalhas.

Quem florestas e mares foi rasgando
E entre raios, pedradas e metralhas,
Ficou gemendo mas ficou sonhando!

Frustração

Persegui-a com as mãos, como uma criança a um brinquedo.
Era um sonho; era mais: – a alegria que chega,
o prazer que nos toma e nos deixa inebriados,
atirando Ă  corrente, num gesto, os sentidos…

Ah! Povoou minhas noites de sono sem pálpebras;
dançava entre estrelas na distância, – via-a!
Meu destino! pensei, – eis o amor! – É esse sangue
que me queima por dentro e me agita: eis o amor!

E alcancei-a! Eis o mar ao redor atordoante!
Nos meus braços em concha era como uma pérola
escondida, o mistĂ©rio do oceano a guardar…

E de repente, é estranho! esse vazio, esta ânsia!
Como a posse do amor está longe do amor
e o rumor que há na concha… está longe do mar!

Chuva De Fogo

Meus olhos vĂŁo seguindo incendiados
a chama da leveza nesta dança,
que mostra velho sonho acalentado
de ver a bailarina que me alcança

os sentidos em febre, inebriados,
cativos do delírio e dessa trança.
É sonho, eu sei. E chega enevoado
na mantilha macia da lembrança:

o palco antigo, as luzes da ribalta,
renascença da graça do seu corpo,
balé de sedução, mar que me falta

para o mergulho calmo de um amante,
que se sabe maduro de esperar
essa viva paixĂŁo e seu levante.

Na Aldeia

A CristĂłvĂŁo Aires

Duas horas da tarde. Um sol ardente
Nos colmos dardejando, e nos eirados.
Sobreleva aos sussurros abafados
O grito das bigornas estridente.

A taberna Ă© vazia; mansamente
Treme o loureiro nos umbrais pintados;
Zumbem Ă  porta insectos variegados,
Envolvidos do sol na luz tremente.

Fia Ă  soleira uma velhinha: o filho
No céu mal acordou da aurora o brilho
Saiu para os cansaços da lavoura.

A nora lava na ribeira, e os netos
Ao longe correm seminus, inquietos,
No mar ondeante da seara loura.

Simples Soneto

Desejado soneto este que Ă© escrito
sem as firulas graves do solene,
que leva na palavra o simples rito
da fala cotidiana. NĂŁo condene

no entanto, a falta de um estro especioso,
nem de brega rotule esse meu vezo.
Apenas sinta o som oco e poroso
do fundo mar de anĂŞmonas, o peso

rarefeito das algas nos peraus.
Essa cantiga filtra nossos medos,
as culpas e os tabus, e dá-me o aval
para buscar o simples e em querĂŞ-lo

ornamento de estética espartana
na faxina ao supérfluo que se espana.

Amor E Vida

Esconde-me a alma, no Ă­ntimo, oprimida,
Este amor infeliz, como se fora
Um crime aos olhos dessa, que ela adora,
Dessa, que crendo-o, crera-se ofendida.

A crua e rija lâmina homicida
Do seu desdém vara-me o peito; embora,
Que o amor que cresce nele, e nele mora,
Só findará quando findar-me a vida!

Ă“ meu amor! como num mar profundo,
Achaste em mim teu álgido, teu fundo,
Teu derradeiro, teu feral abrigo!

E qual do rei de Tule a taça de ouro,
Ă“ meu sacro, Ăł meu Ăşnico tesouro!
Ó meu amor! tu morrerás comigo!

Carlos Gomes

Essa que plange, que soluça e pensa,
Amorosa e febril, tĂ­mida e casta,
Lira que raiva, lira que devasta,
E que dos prĂłprios sons vive suspensa.

Guarda nas costas uma escala imensa,
Que, quando rompe, espaço fora, arrasta
Ora do mar as queixas ora a vasta
Sussurração de uma floresta densa.

Ei-la muda, mas tal intensidade
Teve a mĂşsica enorme do seu choro
O dilĂşvio orquestral dos seus lamentos.

Que muda assim, rotas as cordas há de
Para sempre vibrar o eco sonoro
Que sua alma lançou aos quatro ventos.

Floresce!

Floresce, vive para a Natureza,
Para o Amor imortal, largo e profundo.
O Bem supremo de esquecer o mundo
Reside nessa lĂ­mpida grandeza.

Floresce para a FĂ©, para a Beleza
Da Luz que Ă© como um vasto mar sem fundo,
Amplo, inflamado, mágico, fecundo,
De ondas de resplendor e de pureza.

Andas em vĂŁo na Terra, apodrecendo
Ă€ toa pelas trevas, esquecendo
A Natureza e os seus aspectos calmos.

Diante da luz que a Natureza encerra
Andas a apodrecer por sobre a Terra,
Antes de apodrecer nos sete palmos!

AtĂ© que um Dia…

Meus versos eram rosas, lĂ­rios, heras,
borboletas, regatos, cotovias
cantando suas doces melodias,
anjos, sereias, ninfas e quimeras.

Meus versos eram pombas entre as feras
e, na festa das horas e dos dias,
ia dançando penas e alegrias
e o ano tinha quatro primaveras.

E a festa continua… Ă© tambĂ©m festa
o cardo e a urze, o tojo, a murta, a giesta,
a chuva no beiral, o vento Norte,

o gosto a mar, a lágrimas, a sal,
até que um dia a vida, a bem ou mal,
exausta de cantar me empreste Ă  morte.