Sonetos sobre Tempo

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Sonetos de tempo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Tempo Gastador de Mil Idades

O Tempo gastador de mil idades,
Que na décima esfera vive e mora,
NĂŁo descansa co’a FĂșria tragadora,
De exercitar, feroz, suas crueldades.

Ele destrĂłi as Ă­nclitas cidades,
As egĂ­pcias pirĂąmides devora:
Sua dentada fouce assoladora,
Rompe forças viris, destrói beldades.

O bronze, o ouro, o rĂ­gido diamante,
A sua mĂŁo pesada amolga e gasta
Levando tudo ao nada, em giro errante.

Como trovĂŁo feroz rugindo arrasta,
Quanto cobre na Terra o sol radiante,
SĂł da Virtude com temor se afasta.

O Primeiro Filho

A virgem de ontem Ă© jĂĄ hoje mĂŁe:
O leito azul e branco do noivado
Ei-lo, em bem pouco tempo, transformado
Num berço onde existe mais alguém.

Na rósea alcova atapetada, além,
Uma velhota, ex-noiva do passado,
Beijando o pequenito com cuidado,
Diz: — Bom tempo em que eu fui assim, tambĂ©m.

No entanto a boa mãe cheia de Graça,
Estende-se no leito, exausta e lassa,
Cercada duma auréola de luz.

E beijando o filhito que adormece,
Olhada assim, de sĂșbito, parece
A Virgem MĂŁe a acalentar Jesus…

Soneto XXXII

Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tĂ­mida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada…

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que nĂŁo sĂŁo barcos de ouro os meus ideais:
sĂŁo feitos de papel, sĂŁo como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais…
– Que os meus barquinhos, lĂĄ se foram eles!
Foram-se embora e nĂŁo voltaram mais!

Primavera

Passei a Primavera de meus anos
Com maternais desvelos amorosos.
Com meiguices, afagos carinhosos,
Com mimos de solĂ­citos afanos.

Desenfaixado dos primeiros panos,
Pus-me em pé, dei passinhos vagarosos,
Logo corridas, saltos brincalhosos,
Travessuras de meninais enganos.

Nesta idade infantil da Primavera,
Com outros meus iguais brincÔes folgava.
Ah, quĂŁo gostoso, entĂŁo, o tempo me era!

Inocente brincar sĂł me encantava:
Feliz, se aqui ficando eu conhecera
A força do prazer que desfrutava!

Soneto Da Perdida Esperança

Perdi o bonde e a esperança
Volto pĂĄlido para casa.
A rua Ă© inĂștil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princĂ­pio do drama e da flora.

NĂŁo sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
porque nĂŁo? na noite escassa

com um insolĂșvel flautim.
Entretanto hĂĄ muito tempo
nĂłs gritamos: sim! ao eterno.

Anarda Temerosa De Um Raio

Bramando o céu, o céu resplandecendo,
belo a um tempo se via, e rigoroso,
em fugitivo ardor o céu lustroso,
em condensada voz o céu tremendo.

Gira de um raio o golpe, nĂŁo sofrendo
o capricho de uma ĂĄrvore frondoso:
que contra o brio de um subir glorioso
nunca falta de um raio o golpe horrendo.

Anarda vendo o raio desabrido,
por altiva temeu seu golpe errante,
mas logo o desengano foi sabido.

NĂŁo temas (disse eu logo) o fulminante:
que nunca ofende o raio ao céu luzido,
que nunca teme ao raio o sol brilhante.

ReminiscĂȘncia

Um dia a vi, nas lamas da miséria,
Como entre pĂąntanos um branco lĂ­rio,
Velada a fronte em palidez funérea,
O frio véu das noivas do martírio!

Pedia esmola — pequena e sĂ©ria —
Os seios, pastos de eternal delĂ­rio,
Cobertos eram de uma cor cinĂ©rea —
Seus olhos tinham o brilhar do cĂ­rio.

Tempos depois n’um carro — audaz, brilhante,
Uma mulher eu vi — febril, galante…
Lancei-lhe o olhar e… maldição! tremi…

Ria-se — cĂ­nica, servil… faceira?
O carro n’uma nuvem de poeira
Se arremessou… e eu nunca mais a vi!

Nerah

(Inspirado no elegante conto de VirgĂ­lio VĂĄrzea)
A VĂ­tor Lobato

Nerah nĂŁo brinca mais, nĂŁo dança mais. — E agora
Que vĂŁo-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tĂ­midos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.

Seus sonhos de cristal, translĂșcidos, antigos
Se vĂŁo embora, embora Ă  vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os Ășmidos galernos —
— lembrando um roto bando informe de mendigos.

NĂŁo canta o sabiĂĄ que triste na gaiola,
Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso — aquela flor que esvai-se, branca e fria.

Em tudo a fina seta aguda de afliçÔes!
Na própria atmosfera um caos de interjeiçÔes!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.

A Giganta

No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava Ă  terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pĂ©s d’uma rainha!

Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razĂŁo, aos seus jogos terrĂ­veis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensĂ­veis

Percorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E Ă s vezes, no verĂŁo, quando no ardente solo

Eu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente Ă  sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!

Tradução de Delfim Guimarães

Eu Cantei JĂĄ, E Agora Vou Chorando

Eu cantei jĂĄ, e agora vou chorando
o tempo que cantei tĂŁo confiado;
parece que no canto jĂĄ passado
se estavam minhas lĂĄgrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta: -Quando?
-Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado
que o passado, por ledo, estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas jĂĄ era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta Ă© mais que os erros?

Podes, Ăł Tempo, Entrar: Eu Te Convido

Podes, Ăł Tempo, entrar: eu te convido
A ser hóspede meu, que eu nunca faço
Distinção quando és bom ou mau, pois passo
Os meus dias, de ti nunca esquecido.

Ou me batas Ă  porta, enfurecido,
Envolto em furacÔes, com torvo braço,
Ou entres brandamente, passo a passo,
Cum sorriso na boca apetecido:

Ou me sejas contrĂĄrio, ou venturoso,
Eu me acomodo a ti e a pouco custo,
Se visitar-me vens, tempestuoso.

Às tuas intençÔes sempre me ajusto.
Tu, a quem pensa, Ă©s sempre proveitoso:
Feliz quem te ama sem pavor nem susto.

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados?

Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lĂĄgrimas vertidas,
Tantos suspiros vĂŁos vĂŁmente dados,

Como nĂŁo sois vĂłs jĂĄ desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?

Se nĂŁo tivĂ©reis jĂĄ longa exp’riĂȘncia
Das sem-razÔes de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vĂłs a resistĂȘncia.

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo nĂŁo curou, nem larga ausĂȘncia,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?

Este Amor Que Vos Tenho, Limpo E Puro

Este amor que vos tenho, limpo e puro,
de pensamento vil nunca tocado,
em minha tenra idade começado,
tĂȘ-lo dentro nesta alma sĂł procuro.

De haver nele mudança estou seguro,
sem temer nenhum caso ou duro Fado,
nem o supremo bem ou baixo estado,
nem o tempo presente nem futuro.

A bonina e a flor asinha passa;
tudo por terra o Inverno e Estio
deita, sĂł para meu amor Ă© sempre Maio.

Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
e que essa ingratidĂŁo tudo me enjeita,
traz este meu amor sempre em desmaio.

A FelĂ­cio Dos Santos

FelĂ­cio amigo, se eu disser que os anos
Passam correndo ou passam vagarosos,
Segundo sĂŁo alegres ou penosos,
Tecidos de afeiçÔes ou desenganos,

“Filosofia Ă© esta de rançosos!”
DirĂĄs. Mas nĂŁo hĂĄ outra entre os humanos.
NĂŁo se contam sorrisos pelos danos,
Nem das tristezas desabrocham gozos.

Banal, confesso. O precioso e o raro
É, seja o cĂ©u nublado ou seja claro,
Tragam os tempos amargura ou gosto,

NĂŁo desdizer do mesmo velho amigo,
Ser com os teus o que eles sĂŁo contigo,
Ter um só coração, ter um só rosto.

RemissĂŁo

Tua memĂłria, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vĂŁo se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quĂȘ? perguntaria,
se esse travo de angĂșstia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senĂŁo contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?

New York

Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;
Na escalada do cĂ©u, galgando em fĂșria o espaço,
Sobem do teu tear de praças e de ruas
Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.

Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,
Delira no teu gĂȘnio, enche as artĂ©rias tuas,
E combure-te a entranha arfante de cansaço,
Na incessante criação de assombros em que estuas.

Mas, como as tuas Babéis, debalde o céu recortas,
E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,
Como a recordação da Tebas de cem portas:

Falta-te o Tempo, – o vago, o religioso aroma
Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,
Sempre moço perfume anciĂŁo de idades mortas…

Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais

Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do CĂ©u certĂ­ssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.

Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.

E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.

Mas eu cuido que, sĂł por me nĂŁo verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!

Ditoso Seja Aquele Que Somente

Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
ois por elas não perde as esperanças
de poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu’, inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo,
sem ficar n’alma a mĂĄgoa do pecado.

Do Tempo que Fui Livre me Arrependo

O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.

Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razĂŁo me salteava.

Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, nĂŁo sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,

Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.

Somente se Queixa de Amorosas Esquivanças

Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.

Ditoso seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porqu’inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem um coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo
Sem ficar na alma a mĂĄgoa do pecado.