Sonetos sobre Meios

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Sonetos de meios escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Magro, de Olhos azuis, Carão Moreno

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Chopin

Não se acende hoje a luz…Todo o luar
Fique lá fora.Bem Aparecidas
As estrelas miudinhas, dando no ar
As voltas dum cordão de margaridas!

Entram falenas meio entontecidas…
Lusco-fusco…um morcego a palpitar
Passa…torna a passar…torna a passar…
As coisas têm o ar de adormecidas…

Mansinho…Roça os dedos plo teclado,
No vago arfar que tudo alteia e doira,
Alma, Sacrário de Almas, meu Amado!

E, enquanto o piano a doce queixa exala,
Divina e triste, a grande sombra loira
Vem para mim da escuridão da sala…

O Meu Retrato

Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.

Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.

Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.

E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.

Soneto 246 Incontinente

Soneto é o mundo inteiro em pouco espaço,
mas, para os mais lacônicos, prolixo.
O gosto é variado, e o metro, fixo,
e amante deste oxímoro me faço.

A prosa pesa, empilha um calhamaço.
Concisas poesias são prefixo.
Somente no soneto gravo e mixo
começo, meio e fim, no exato laço.

Qualquer história, fábula ou idéia
comporta enunciado num soneto,
da simples anedota a uma epopéia.

Apenas dois assuntos, eu prometo,
não cabem no soneto: a diarréia
e o pé, mas porque sobram, não por veto.

Dedicatória

Se acaso uma alma se fotografasse
de sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face;

E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos… Se a emoção que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos;

Amigo! tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando – deste grupo bem no meio –

Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
Destes sujeitos é precisamente
O mais triste, o mais pálido, o mais feio.

Morte

Num imenso salão, alto e rotundo,
De caveiras iguais, ossos sem dono,
Perpétua habitação de eterno sono
Que tem por tecto o Céu, por base o mundo:

Bem no meio, em silêncio o mais profundo,
Se levanta da Morte o fatal trono:
Ceptros sem rei, arados sem colono,
São os degraus do sólio furibundo.

Lanças, arneses pelo chão, quebrados,
Murchas grinaldas, báculos partidos,
Liras de vates, pastoris cajados,

Algemas, ferros e brasões luzidos,
No terrível salão são misturados,
No palácio da Morte confundidos.

Esta Palavra Saudade

Junto de um catre vil, grosseiro e feio,
por uma noite de luar saudoso,
Camões, pendida a fronte sobre o seio,
cisma, embebido num pesar lutuoso…

Eis que na rua um cântico amoroso
subitâneo se ouviu da noite em meio:
Já se abrem as adufas com receio…
Noites de amores! Que trovar mimoso!

Camões acorda e à gelosia assoma;
e aquele canto, como um antigo aroma,
ressuscita-lhe os risos do passado.

Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante,
no azul viu perpassar, claro e distante,
de Natércia gentil o vulto amado…

Corro Após este Bem que não se Alcança

Oh como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!

Minguando a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
De vista se me perde, e da esperança.

Solidão

Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: – a solidão
anda lá fora, e o vento à minha porta
passa arrastando as folhas pelo chão…

Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silêncio, que o espírito conforta,
exaspera a minha alma de aflição…

As horas vão passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vão tento conciliar o sono

A cama é fria… O quarto úmido e triste…
– Há uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste…

Na Mazurka

Morava num palácio — estranha Babilônia
De arcadas colossais, de impávidos zimbórios,
Alcovas de damasco e torreões marmóreos,
Volutas primorais de arquitetura jônia.

Assim, quando surgia em meio aos peristilos
Descendo, qual mulher de Séfora, vaidosa,
Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa,
Cercam-na do belo os místicos sigilos!

E quando nos saraus, assim como um rainúnculo,
O lábio lhe tremia e o olhar, vivo carbúnculo,
Vibrava nos salões, como uma adaga turca,

Ou como o sol em cheio e rubro sobre o Bósforo,
— nos crânios os Homens sentiam ter mais fósforo…
Ao vê-la escultural no passo da Mazurka…

Soneto 233 Sonetado

Já li Lope de Vega e li Gregório,
pois ambos sonetaram do soneto,
seara na qual minha foice meto,
tentando fazer algo meritório.

Não quero usar o mesmo palavrório,
mas pilho-me, no meio do quarteto,
montando a anatomia do esqueleto.
No oitavo verso, o alívio é provisório.

Contagem regressiva: faltam cinco.
Mais quatro, e fico livre do problema.
Agora faltam três… Deus, dai-me afinco!

Com dois acabo a porra do poema.
Caralho! Só mais um! Até já brinco!
Gozei! Matei a pau! Que puta tema!

Sem um Filho te Apagarás no Poente

A luz real ergueu-se a oriente
com a coroa de fogo na cabeça:
e o nosso olhar, vassalo obediente,
ajoelha ante a visão que recomeça.

Enquanto sobe, Sua Majestade,
a colina do céu a passos de oiro,
adoramos-lhe a adulta mocidade
que fulge com as chamas dum tesoiro.

Mas quando o carro fatigado alcança
o cume e se despenha pela tarde,
desviamos os olhos já sem esperança:

no crepúsculo estéril nada arde.
Assim tu, meio dia ainda ardente,
sem um filho te apagarás no poente.

Tradução de Carlos de Oliveira

Quem aos Olhos Dar-me-á uma Vertente

Quem aos olhos dar-me-á uma vertente
de lágrimas, que manem noite e dia?
Ao menos a alma, enfim, respiraria,
chorando, ora o passado, ora o presente.

Quem me dará, longe de toda gente,
suspiros, que me valham na agonia
já longa, que o afã tanto encobria?
Sucedeu-me depois tanto acidente!

Quem me dará palavras com que iguale
tanto agravo que amor já me tem feito,
pois que tão pouco o sofrimento vale?

Ah! quem ao meio me abra este meu peito,
onde jaz tanto mal, por que se exale
tamanha coita minha e meu despeito?

VI

P. Sião que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visões contritas…
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.

As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao Céu as cúpulas benditas.

As virgens de Israel as negras comas
Aromatizam com os ungüentos brancos
dos nigromantes de mortais aromas…

Jerusalém, em meio às Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruínas de cidades mortas.

Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado

Já sobre o coche de ébano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas acostumado.

Só eu velo, só eu, pedindo à Sorte
Que o fio com que está mih’alma presa
À vil matéria lânguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silêncio total da Natureza.

Ilha

Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias

Soneto 263 A Mama Cass

Se magra é minha Sandra carioca,
gordona foi Cassandra, outro tesão
das minhas fantasias, que hoje são
lembranças se a vitrola, ao fundo, toca.

Mulher o meu desejo só provoca
se for ou varapau ou balofão:
oitenta ou oito; o meio termo não.
Por isso a Mama Cass, morta, me choca.

Um simples sanduíche nos privava,
fatídico, entalado na garganta,
daquela voz famosa, que não grava

mais coisas como aquilo que me encanta:
“Palavras de amor”. Cass, você foi brava!
Nenhum peso mais alto se alevanta!

Soneto de amor

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma… Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas…
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua…, — unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois… — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada…
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

Fiei-me nos Sorrisos da Ventura

Fiei-me nos sorrisos da ventura,
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

No meio agora desta selva escura,
Dentro deste penedo húmido e ouco,
Pareço, até no tom lúgubre, e rouco
Triste sombra a carpir na sepultura:

Que estância para mim tão própria é esta!
Causais-me um doce, e fúnebre transporte,
Áridos matos, lôbrega floresta!

Ah! não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.

Um Soneto

A vez primeira que eu te vi, em meio
Das harmonias de uma valsa, elado
O lábio trêmulo, esplêndido, rosado,
Num riso, um riso de alvoradas cheio.

Cheio de febres, em febril anseio
O meu olhar fervente, desvairado
Como um condor de flamas emplumado
Vingou-se a espádua e devorou-te o seio.

Depois, delírio atroz, loucura imensa!
A alma, o bem, a consciência, a crença
Lancei no incêndio dos olhares teus…

Hoje estou pronto à lívida jornada
Da descrença sem luz, da dor do nada…
Já disse ontem à noite, adeus, a Deus!