Lágrimas
Ela chorava muito e muito, aos cantos,
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos
Brilhavam como pérolas os prantos.Ele, o amante, sereno como os santos,
Deitado no sofá, pés aquecidos,
Ao sentir-lhe os soluços consumidos,
Sorria-se cantando alegres cantos.E dizia-lhe entĂŁo, de olhos enxutos:
– “Tu pareces nascida da rajada,
“Tens despeitos raivosos, resolutos:“Chora, chora, mulher arrenegada;
“Lagrimeja por esses aquedutos…
-“Quero um banho tomar de água salgada.”
Sonetos sobre Amantes
69 resultadosDivino Instante
Ser uma pobre morta inerte e fria,
Hierática, deitada sob a terra,
Sem saber se no mundo há paz ou guerra,
Sem ver nascer, sem ver morrer o dia;Luz apagada ao alto e que alumia,
Boca fechada Ă fala que nĂŁo erra,
Urna de bronze que a Verdade encerra,
Ah! ser Eu essa morta inerte e fria!Ah! fixar o efémero! Esse instante
Em que o teu beijo sĂ´frego de amante
Queima o meu corpo frágil de âmbar loiro;Ah! fixar o momento em que, dolente,
Tuas pálpebras descem, lentamente,
Sobre a vertigem dos teus olhos de oiro!
A Beleza
De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor,
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor’ de CarraraSou esfinge subtil no Azul a dominar,
Da brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes..Tenho, p’ra fascinar o meu dĂłcil amante,
Espelhos de cristal, que tornaram deslumbrante
A própria imperfeição: — os meus olhos ardentes!Tradução de Delfim Guimarães
Soneto 246 Incontinente
Soneto é o mundo inteiro em pouco espaço,
mas, para os mais lacĂ´nicos, prolixo.
O gosto Ă© variado, e o metro, fixo,
e amante deste oxĂmoro me faço.A prosa pesa, empilha um calhamaço.
Concisas poesias sĂŁo prefixo.
Somente no soneto gravo e mixo
começo, meio e fim, no exato laço.Qualquer história, fábula ou idéia
comporta enunciado num soneto,
da simples anedota a uma epopéia.Apenas dois assuntos, eu prometo,
não cabem no soneto: a diarréia
e o pé, mas porque sobram, não por veto.
Jura
Pelas rugas da fronte que medita…
Pelo olhar que interroga — e nĂŁo vĂŞ nada…
Pela miséria e pela mão gelada
Que apaga a estrela que nossa alma fita…Pelo estertor da chama que crepita
No ultimo arranco d’uma luz minguada…
Pelo grito feroz da abandonada
Que um momento de amante fez maldita…Por quanto há de fatal, que quanto há misto
De sombra e de pavor sob uma lousa…
Oh pomba meiga, pomba de esperança!Eu t’o juro, menina, tenho visto
Cousas terriveis — mas jamais vi cousa
Mais feroz do que um riso de criança!
Soneto II
A D. Manuel de Lencastre.
Na tenebrosa noite o caminhante,
Quando o ar se engrossa e o mundo todo atroa,
O tronco busca donde se coroa
Da fugitiva Dafne o brando amante.Ali nĂŁo teme o raio fulminante,
Por mais que na vizinha árvore soa,
E seu louvor por onde vai pregoa
Tanto que a cerração c’o sol levante.Trabalha o CĂ©u em minha fim, trabalha
A terra em minha fim, com fĂşria imensa
Cada hora espero pela derradeira.Onde me acolherei que alguém me valha?
A vĂłs, a quem nĂŁo quer fazer ofensa
O CĂ©u, nem pode a terra, inda que queira.
A Musa Venal
Musa do meu amor, Ăł principesca amante,
Quando o inverno chegar, com seus ventos irados
Pelos longos serões, de frio tiritante,
Com que hás-de acalentar os pésitos gelados?Tencionas aquecer o colo deslumbrante
Com os raios de luz pelos vidros filtrados?
Tendo a casa vazia e a bolsa agonizante
o ouro vais roubar aos céus iluminados?Precisas, para obter o triste pão diário,
Fazer de sacristão e de turibulário,
Entoar um Te-Deum, sem crença nem favor,Ou, como um saltimbanco esfomeado, mostrar
As tuas perfeições, atravĂ©s d’um olhar
Onde ocultas, a rir, o natural pudor!Tradução de Delfim Guimarães
ProfissĂŁo De FĂ©
Meu verso quero enxuto mas sonoro
levando na cantiga essa alegria
colhida no compasso que decoro
com pés de vento soltos na harmonia.Na dança das palavras me enamoro
prossigo passional na melodia
amante da metáfora em meus poros
já vou vagando em vasta arritmia .No vôo aliterado sigo o rumo
dos mares mais remotos navegados
e em faias de catraias me consumo.É meu rito subscrito e bem firmado
sem o temor do velho e seu resumo
num eterno retorno renovado.
Sonho Vago
Um sonho alado que nasceu um instante,
Erguido ao alto em horas de demĂŞncia…
Gotas de água que tombam em cadência
Na minh’alma tristĂssima, distante…Onde está ele, o Desejado? O Infante?
O que há-de vir e amar-me em doida ardência?
O das horas de mágoa e penitência?
O PrĂncipe Encantado? O Eleito? O Amante?E neste sonho eu já nem sei quem sou…
O brando marulhar dum longo beijo
Que nĂŁo chegou a dar-se e que passou…Um fogo-fátuo rĂştilo, talvez…
E eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e nĂŁo me vĂŞs!…
MarĂlia De Dirceu
Soneto 4
Ainda que de Laura esteja ausente,
Há de a chama durar no peito amante;
Que existe retratado o seu semblante,
Se nĂŁo nos olhos meus, na minha mente.Mil vezes finjo vĂŞ-la, e eternamente
Abraço a sombra vã; só neste instante
Conheço que ela está de mim distante,
Que tudo Ă© ilusĂŁo que esta alma sente.Talvez que ao bem de a ver amor resista;
Porque minha paixão, que aos céus é grata
Por inocente assim melhor persista;Pois quando só na idéia ma retrata,
Debuxa os dotes com que prende a vista,
Esconde as obras com que ofende, ingrata.
De Amor nada Mais Resta que um Outubro
De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo mĂstico.NĂŁo me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.
Camões, Grande Camões, quão Semelhante
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrĂlego gigante;Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penĂşria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vĂŁos, que em vĂŁo desejo,
TambĂ©m carpindo estou, saudoso amante.LudĂbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao CĂ©u, pela certeza
De que sĂł terei paz na sepultura.Modelo meu tu Ă©s, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
NĂŁo te imito nos dons da Natureza.
Os Brilhantes
NĂŁo ha mulher mais pallida e mais fria,
E o seu olhar azul vago e sereno
Faz como o effeito d’um luar ameno
Na sua tez que Ă© morbida e macia.Como Levana … esta mulher sombria
Traz a Morte cruel ao seu aceno,
O Suicidio e a DĂ´r!… Lembra do Rheno
Um conto, á luz crepuscular do dia.Por isso eu nunca invejo os seus amantes!
– E em quanto hontem, gabavam seus brilhantes,
No theatro, com vistas fascinadas…Tortura das visões… incomprehensiveis!
Em vez d’elles, cri ver brilhar – horriveis
E verdadeiras lagrimas geladas!
Mulher De Sede Sedenta
Finge a mulher que nĂŁo se quer vulcĂŁo
num eufemismo frágil de inverdade.
Onde existiu fogueira, abrasação,
basta um sopro na lenha da saudade.A sede que se faz sede serena
chega filtrada em gotas bem dosadas
regando tantos tântalos na cena
roubando-a como amante acalorada.O verde que queimaste já não conta
pela falta madura dessas montas
na pressa sem primĂcias do alunado.Hoje nĂŁo. Os chamados escolhidos
são bem poucos, didáticos bandidos
que nĂŁo querem morrer sem ser matados.
VisĂŁo Medieva
Quando em outras remotas primaveras,
Na idade-média, sob fuscos tetos,
Dois amantes passavam, mil aspectos
Tinham aquelas medievais quimeras.Nas armaduras rĂgidas e austeras,
Na aérea perspectiva dos objetos
Andavam sonhos e visões, diletos
Segredos mortos nas extintas eras.O fantasma do amor pelos castelos
Mudo vagava entre os luares belos,
Dos corredores nas paredes frias.NĂŁo raro se escutava um som de passos,
Rumor de beijos, frêmito de abraços
Pelas caladas, fundas galerias.
VI
Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o prĂłprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.Mas amastes, sem dĂşvida … Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.Quem ama inventa as penas em que vive;
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.Pois sabei que Ă© por isso que assim ando:
Que Ă© dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.
Hino À Dor
Dor, saĂşde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psĂquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam..És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tacto
Prendo a orquestra de chamas que executas…E, assim, sem convulsĂŁo que me alvorece,
Minha maior ventura Ă© estar de posse
De tuas claridades absolutas!
Invocação à Noite
Ă“ deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d’amor os sĂ´fregos instantes:TĂ©tis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu nĂveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.
Eu Vivia De Lágrimas Isento
Eu vivia de lágrimas isento,
num engano tĂŁo doce e deleitoso
que em que outro amante fosse mais ditoso,
nĂŁo valiam mil glĂłrias um tormento.Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhĂĽa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tĂŁo contente e alegre estado,
e passou-me este bem, que nunca fora:em troco do qual bem sĂł me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me Ă memĂłria o bem passado.
Mancebos! De Mil Louros Triunfantes
Mancebos! De mil louros triunfantes
Adornai o Moisés da mocidade,
O Anjo que nos guia da verdade
Pelos doces caminhos sempre ovantes.Coroai de grinaldas verdejantes
Quem rompeu para a Pátria nova idade,
Guiando pelas leis sĂŁs da amizade
Os moços do progresso sempre amantes.Vê, Brasil, este filho que o teu nome
Sobre o mapa dos povos ilustrados
Descreve qual o forte de VendĂ´me.Conhece que os Andradas e os Machados,
Que inda vivem nas asas do renome
Não morrem nestes céus abençoados;