Noite Escura
Noite escura do amor, em que me deito
com teu corpo de luz, eu assombrado
deste fantasma de repente alado
amplificando a jaula do meu peito.Deixando-o infinito, maculado
de sangue e espuma (é mar este fantasma?
ou pássaro de mar que em onda espalma
seu corpo que é de luz e céu desfeito).E a noite escura que era o amor se ajunta
em feixes de silêncio e de desmaio
para a festa defuntade ver ressurreições: tempo em que caio
para em sombras cantar mais docemente
este sol que me põe preso e demente.
Sonetos sobre Escuro
128 resultadosMundos Extintos
São tão remotas as estrelas que,
apesar da vertiginosa velocidade da luz,
elas se apagam. e continuam a brilhar durante séculos.MORREM OS MUNDOS… Silenciosa e escura,
Eterna noite cinge-os. Mudas, frias,
Nas luminosas solidões da altura
Erguem-se, assim, necrópoles sombrias…Mas pra nós, di-lo a ciência, além perdura
A vida, e expande as rútilas magias…
Pelos séculos em fora a luz fulgura
Traçando-lhes as órbitas vazias.Meus ideais! extinta claridade –
Mortos, rompeis, fantásticos e insanos
Da minh’alma a revolta imensidade…E sois ainda todos os enganos
E toda a luz, e toda a mocidade
Desta velhice trágica aos vinte anos…
LXVI
Não te assuste o prodígio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pôs: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:Lágrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres à minha sepultura.
No Mundo Poucos Anos, E Cansados
No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tão cedo a luz do dia escura,
que não vi cinco lustros acabados.Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, não quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.Criou-me Portugal na verde e cara
pátria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na Abássia fera e avara,
tão longe da ditosa pátria minha!
6
(À morte da esposa)
Ó alma pura enquanto cá vivias,
Alma, lá onde vives, já mais pura,
Porque me desprezaste? Quem tão dura
Te tornou ao amor que me devias?Isto era o que mil vezes prometias,
Em que minha alma estava tão segura?
Que ambos juntos Da hora desta escura
Noute nos subiria aos claros dias?Como em tão triste cárcer’ me deixaste?
Como pude eu sem mi deixar partir-te?
Como vive este corpo sem sua alma?Ah! que o caminho tu bem mo mostraste,
Porque correste à gloriosa palma!
Triste de quem não mereceu seguir-te!
Magro, de Olhos azuis, Carão Moreno
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
O Anjo Da Redenção
Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mão de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sóis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do ódio bifronte, torso, torvo e duro.Maravilhas nos olhos e prodígios
Nos olhos, chega dos azuis litígios
Desce à tua caverna de bandido.E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!
Eu Não Lastimo O Próximo Perigo
Eu não lastimo o próximo perigo,
Uma escura prisão, estreita e forte;
Lastimo os caros filhos, a consorte,
A perda irreparável de um amigo.A prisão não lastimo, outra vez digo,
nem o ver iminente o duro corte,
que é ventura também achar a morte
quando a vida só serve de castigo.Ah, quão depressa então acabar vira
este enredo, este sonho, esta quimera,
que passa por verdade e é mentira!Se filhos, se consorte não tivera
e do amigo as virtudes possuíra,
um momento de vida eu não quisera.
Vós, Ninfas Da Gangética Espessura
Vós, Ninfas da gangética espessura,
cantai suavemente, em vez sonora,
um grande Capitão, que a roxa Aurora
dos filhos defendeu da noite escura.Ajuntou-se a caterva negra e dura,
que na Áurea Quersoneso afouta mora,
para lançar do caro ninho fora
aqueles que mais podem que a ventura.Mas um forte Leão, com pouca gente,
a multidão tão fera como nécia
destruindo castiga e torna fraca.Pois, ó Ninfas, cantai! que claramente
mais do que Leonidas fez em Grécia,
o nobre Leonis fez em Malaca.
A Noite não me Deu nenhum Sossego
Como voltar feliz ao meu trabalho
se a noite não me deu nenhum sossego?
A noite, o dia, cartas dum baralho
sempre trocadas neste jogo cego.Eles dois, inimigos de mãos dadas,
me torturam, envolvem no seu cerco
de fadiga, de dúbias madrugadas:
e tu, quanto mais sofro mais te perco.Digo ao dia que brilhas para ele,
que desfazes as nuvens do seu rosto;
digo à noite sem estrelas que és o melna sua pele escura: o oiro, o gosto.
Mas dia a dia alonga-se a jornada
e cada noite a noite é mais fechada.Tradução de Carlos de Oliveira
XXII
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sabre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.As lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.
Silêncio!
No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta…Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!Estou junto de ti e não me vês…
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!Trago-te como um filho, nos meus braços!
E na tua casa…Escuta!…Uns leves passos…
Silêncio, meu Amor!…Abre! Sou eu!…
Solilóquio De Um Visionário
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas divinas visões do íncola etéreo!Vestido de hidrogênio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…Subi talvez às máximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,
É necessário que inda eu suba mais!
Acusação à Cruz
Ha muito, ó lenho triste e consagrado!
Desfeita podridão, velho madeiro!
Que tens avassalado o mundo inteiro,
Como um pendão de luto levantado.Se o que foi nos teus braços cravejado
Foi realmente a Hostia, o Verdadeiro,
Elle está mais ferido que um guerreiro
Para livrar das flexas do Peccado.Ha muito já que espalhas a tristeza,
Que lutas contra a alegre Natureza,
E vences ó Cruz triste! Cruz escura!Chega-te o inverno, symbolo tremendo!
Queremos Vida e Acção- Fica-te sendo
Um emblema de morte e sepultura!
Como Te Amo
Como te amo? Não sei de quantos modos vários
Eu te adoro, mulher de olhos azuis e castos;
Amo-te com o fervor dos meus sentidos gastos;
Amo-te com o fervor dos meus preitos diários.É puro o meu amor, como os puros sacrários;
É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos;
É grande como os mares altisonos e vastos;
É suave como o odor de lírios solitários.Amor que rompe enfim os laços crus do Ser;
Um tão singelo amor, que aumenta na ventura;
Um amor tão leal que aumenta no sofrer;Amor de tal feição que se na vida escura
É tão grande e nas mais vis ânsias do viver,
Muito maior será na paz da sepultura!
Sepultura d’um Poeta Maldito
Se, em noite horrorosa, escura,
Um cristão, por piedade,
te conceder sepultura
Nas ruínas d’alguma herdade,As aranhas hão-de armar
No teu coval suas teias,
E nele irão procriar
Víboras e centopeias.E sobre a tua cabeça,
A impedi-la que adormeça.
– Em constantes comoções,Hás-de ouvir lobos uivar,
Das bruxas o praguejar,
E os conluios dos ladrões.Tradução de Delfim Guimarães
Soneto de um Céptico
Febo há muito desceu no Ocidente
Por trás dos montes de rosa tingidos;
Eu, sofrendo, cerro os olhos doridos
Olhando o mundo que ante mim se estende.Pois pela noite o rio silente desce,
Oculto no escuro já voa o morcego;
Mas, nocturna, a alma não tem sossego,
É na escuridão que meu horror cresce.Odeio a noite que a mim se assemelha,
Só que em mim, nem astro ou centelha
Dispersa as nuvens da alma e da mente.Mas como a noite em seu manto sombrio,
Calado e escondido me quedo no frio,
Envolto em dúvidas e delas temente.
Onde acharei lugar tão apartado
Onde acharei lugar tão apartado
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitária, triste e escura,
Sem fonte clara ou plácida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;Que, pois a minha pena é sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farão contente.
Pára-me de Repente o Pensamento
Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz, do esquecimento…Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára m cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado…
Pára e fica e demora-se um momento.Pára e fica na doida correria…
Pára à beira do abismo e se demora
E mergulha na noite escura e friaUm olhar de aço que essa noite explora…
Mas a espora da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora.
XL
Quem chora ausente aquela formosura,
Em que seu maior gosto deposita,
Que bem pode gozar, que sorte, ou dita,
Que não seja funesta, triste, e escura!A apagar os incêndios da loucura
Nos braços da esperança Amor me incita:
Mas se era a que perdi, glória infinita,
Outra igual que esperança me assegura!Já de tanto delírio me despeço;
Porque o meu precipício encaminhado
Pela mão deste engano reconheço.Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se de um fingido bem não faço apreço,
Que alívio posso dar a meu cuidado!