Sonetos sobre ExĂ­lio

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Sonetos de exílio escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Banzo

VisÔes que na alma o céu do exílio incuba,
Mortais visĂ”es! Fuzila o azul infando…
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O NĂ­ger… Bramem leĂ”es de fulva juba…

Uivam chacais… Ressoa a fera tuba
Dos cafres, pelas grotas retumbando,
E a estrelada das ĂĄrvores, que um bando
De paquidermes colossais derruba…

Como o guaraz nas rubras penhas dorme,
Dorme em nimbos de sangue o sol oculto…
Fuma o saibro africano incandescente…

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme
Do baobĂĄ… E cresce na alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente…

O Sono

É um braço magro de mulher, uns olhos espectrais
e brilhantes, uma cabeça de esfinge, uma lùmpada
que fumega. Talvez por os nĂŁo vermos, vejamos rios
que flamejam, jardins sepultos, um antepassado

desconhecido e cinzento que se derrama no quarto,
um portão esvoaçante, uma pequena fenda por onde
se vai até às nuvens nocturnas. Tudo o que
lĂĄ possa estar Ă© tudo: a vassoura esquecida,

o rosto primordial da mĂŁe, uma torre de cadĂĄveres
ou um modesto banco de madeira onde deixaram
um vaso verĂ­dico de gerĂąnios. Talvez um deus

vĂ­treo, rĂștilo ou, pintada de azul, uma virgem ocre
no cume de colina grega. Uma estranha mĂșsica soa
nas paredes, antes do exĂ­lio para onde nos leva o sono.

Ars Poética

Nesse afago do meu fado afogado
as ĂĄguas jĂĄ me sabem nadador.
A rĂȘs na travessia marejada
gado da grei de um mar revelador.

Vou e volto lambendo o sal do fardo
lĂ­ngua no labirinto, ardendo em cor
furtiva, enquanto messe temperada,
da tribo das palavras sou cantor.

Procuro em frio exĂ­lio tipogrĂĄfico
o verbo mais sonoro em melodia
o ritmo para a cal de um pasto cĂĄustico.

Sou boi e sou vaqueiro dia a dia
no laço entrelaçado fiz-me pråtico
catador de capins nas pradarias.

RemissĂŁo

Tua memĂłria, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vĂŁo se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quĂȘ? perguntaria,
se esse travo de angĂșstia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senĂŁo contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?

A Minha AusĂȘncia de Ti

Foi tal e qual o inverno a minha ausĂȘncia
de ti, prazer dum ano fugitivo:
dias nocturnos, gelos, inclemĂȘncia;
que nudez de dezembro o frio vivo.

E esse tempo de exĂ­lio era o do verĂŁo;
era a excessiva gravidez do outono
com a volĂșpia de maio em cada grĂŁo:
um seio viĂșvo, sem senhor nem dono.

Essa posteridade em seu esplendor
uma esperança de órfãos me parecia:
contigo ausente, o verĂŁo teu servidor

emudeceu as aves todo o dia.
Ou tanto as deprimiu, que a folha arfava
e no temor do inverno desmaiava.

Tradução de Carlos de Oliveira

Uma Doença CĂșmplice

uma doença cĂșmplice, marcas pĂșrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂ­lio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobraste

Ă  febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂ­lia e a injĂșria

que hĂĄ no sacrifĂ­cio
e te pÔe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistĂȘncia

do silĂȘncio Ă© como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂșstia.

VisĂŁo Guiadora

Ó alma silenciosa e compassiva
Que conversas com os Anjos da Tristeza,
Ó delicada e lñnguida beleza
Nas cadeias das lĂĄgrimas cativa.

FrĂĄgil, nervosa timidez lasciva,
Graça magoada, doce sutileza
De sombra e luz e da delicadeza
Dolorosa de mĂșsica aflitiva.

Alma de acerbo, amargurado exĂ­lio,
Perdida pelos céus num vago idílio
Com as almas e visÔes dos desolados.

Ó tu que Ă©s boa e porque Ă©s boa Ă©s bela,
Da Fé e da Esperança eterna estrela
Todo o caminho dos desamparados.

XXX

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exĂ­lio em que a chorar me vejo,
NĂŁo basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

NĂŁo me basta saber que sou amado,
Nem sĂł desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambiçÔes que me consomem
NĂŁo me envergonham: pois maior baixeza
Não hå que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

DĂłi Viver, Nada Sou Que Valha Ser.

DĂłi viver, nada sou que valha ser.
Tardo-me porque penso e tudo rui.
Tento saber, porque tentar Ă© ser.
Longe de isto ser tudo, tudo flui.

MĂĄgoa que, indiferente, faz viver.
NĂ©voa que, diferente, em tudo influi.
O exĂ­lio nado do que fui sequer
Ilude, fixa, dĂĄ, faz ou possui.

Assim, noturno, a ĂĄrias indecisas,
O prelĂșdio perdido traz Ă  mente
O que das ilhas mortas foi sĂł brisas,

E o que a memĂłria anĂĄloga dedica
Ao sonho, e onde, lua na corrente,
NĂŁo passa o sonho e a ĂĄgua inĂștil fica.

Desterro

JĂĄ me nĂŁo amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho.
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delĂ­rio! Adeus, belo corpo adorado!

Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meĂŁo do caminho…
Beijo-te inda uma vez, num Ășltimo carinho,
Como quem vai sair da pĂĄtria desterrado…

Adeus, corpo gentil, pĂĄtria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!

Adeus! Esse outro amor hĂĄ de amargar-me tanto
Como o pĂŁo que se come entre estranhos, no exĂ­lio,
Amassado com fel e embebido de pranto…

DomicĂ­lio

… O apartamento abria
janelas para o mundo. Crianças vinham
colher na maresia essas notĂ­cias
da vida por viver ou da inconsciente

saudade de nĂłs mesmos. A pobreza
da terra era maior entre os metais
que a rua misturava a feios corpos,
duvidosos, na pressa. E de terraço

em solitude os ecos refluĂ­am
e cada exĂ­lio em muitos se tornava
e outra cidade fora da cidade

na garra de um anzol ia subindo,
adunca pescaria, mal difuso,
problema de existir, amor sem uso.

Soneto IX

Nessa tua janela, solitĂĄrio,
entre as grades douradas da gaiola,
teu amigo de exĂ­lio, teu canĂĄrio
canta, e eu sei que esse canto te consola.

E, lĂĄ na rua, o povo tumultuĂĄrio
ouvindo o canto que daqui se evola
crĂȘ que Ă© o nosso romance extraordinĂĄrio
que naquela canção se desenrola.

Mas, cedo ou tarde, encontrarĂĄs, um dia,
calado e frio, na gaiola fria,
o teu canĂĄrio que cantava tanto.

E eu chorarei. Teu pobre confidente
ensinou-me a chorar tĂŁo docemente,
que todo mundo pensarĂĄ que eu canto.

XXXI

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente…

Tal aquele, que, mĂ­sero, a tortura
Sofre de amargo exĂ­lio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente…

Porque teu nome Ă© para mim o nome
De uma pĂĄtria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo Ă© ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.