Sonetos sobre Vasos

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Sonetos de vasos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Sono

É um braço magro de mulher, uns olhos espectrais
e brilhantes, uma cabeça de esfinge, uma lâmpada
que fumega. Talvez por os nĂŁo vermos, vejamos rios
que flamejam, jardins sepultos, um antepassado

desconhecido e cinzento que se derrama no quarto,
um portão esvoaçante, uma pequena fenda por onde
se vai até às nuvens nocturnas. Tudo o que
lá possa estar é tudo: a vassoura esquecida,

o rosto primordial da mãe, uma torre de cadáveres
ou um modesto banco de madeira onde deixaram
um vaso verídico de gerânios. Talvez um deus

vĂ­treo, rĂştilo ou, pintada de azul, uma virgem ocre
no cume de colina grega. Uma estranha mĂşsica soa
nas paredes, antes do exĂ­lio para onde nos leva o sono.

Por Consoantes Que Me Deram Forçadas

Neste mundo Ă© mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:
Com sua lĂ­ngua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mĂŁo de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa, se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mĂŁo, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vaso a tripa,
E mais nĂŁo digo, porque a Musa topa
Em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.

A umas Lágrimas de uma Despedida

Quando de ambos os céus caindo estava
O rico orvalho, em pérolas formado,
E sobre as frescas rosas derramado,
Igual beleza recebia e dava.

Amor que sempre ali presente estava,
Como competidor de meu cuidado,
Num vaso de cristal de ouro lavrado
As gotas uma a uma entesourava.

Eu, c’os olhos na luz, que aquele dia,
Entre as nuvens do novo sentimento,
Escassamente os raios descobria,

Se me matar (dizia) apartamento,
Ao menos não fará que esta alegria
NĂŁo seja paga igual de meu tormento.

Vaso ChinĂŞs

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinĂŞs, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste Ă  desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um nĂŁo sei quĂŞ com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

Post Coitum Animal Triste

Em ti o poema, o amplo tecido da água ou a forma
do segredo. Outrora conheceste a margem abandonada
do desejo, a sua extensĂŁo e principias a entregar
os vasos alongados para receberes as mĂŁos das chuvas.

Apagaram-se junto dos teus olhos as praias, as árvores
que se ergueram um dia sobre as estradas romanas,
o vestĂ­gio dos Ăşltimos peregrinos, aves nuas
que já desceram, cansadas, pelo interior do teu peito.

Uma voz, no silêncio calmo das águas, esquece
a mentira das primeiras colheitas, onde os nossos gestos
perderam os sorrisos ou o orvalho que os cerca.

Serenamente, começaram a fechar-se os sonhos de Deus
no interior de novos frutos e, abandonado, fico
junto do teu corpo, onde principia a sombra deste poema.

Taça De Coral

LĂ­cias, pastor – enquanto o sol recebe,
Mugindo, o manso armento e ao largo espraia.
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
– Sede tambĂ©m, sede maior, desmaia.

Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia
A sede d’água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.

Bebe, e a golpe e mais golpe: – “Quer ventura
(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!

Outra que mais me aflige e me tortura,
E nĂŁo em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral Ă© que se mata”,

Sinfonias Do Ocaso

Musselinosas como brumas diurnas
Descem do acaso as sombras harmoniosas,
Sombras veladas e musselinosas
Para as profundas solidões noturnas.

Sacrários virgens, sacrossantas urnas,
Os céus resplendem de sidéreas rosas,
Da lua e das Estrelas majestosas
Iluminando a escuridĂŁo das furnas.

Ah! por estes sinfĂ´nicos ocasos
A terra exala aromas de áureos vasos,
Incensos de turĂ­bulos divinos.

Os plenilĂşnios mĂłrbidos vaporam…
E como que no Azul plangem e choram
CĂ­taras, harpas, bandolins, violinos…

No Mundo Poucos Anos, E Cansados

No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tĂŁo cedo a luz do dia escura,
que nĂŁo vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, nĂŁo quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
pátria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,

me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na Abássia fera e avara,
tão longe da ditosa pátria minha!