Sonetos sobre Fundo

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Sonetos de fundo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Espírito Imortal

Espírito imortal que me fecundas
Com a chama dos viris entusiasmos,
Que transformas em gládios os sarcasmos
Para punir as multidões profundas!

Ó alma que transbordas, que me inundas
De brilhos, de ecos, de emoções, de pasmos
E fazes acordar de atros marasmos
Minh’alma, em tédios por charnecas fundas.

Força genial e sacrossanta e augusta,
Divino Alerta para o Esquecimento,
Voz companheira, carinhosa e justa.

Tens minha Mão, num doce movimento,
Sobre essa Mão angélica e robusta,
Espírito imortal do Sentimento!

Exortação

Corpo crivado de sangrentas chagas,
Que atravessas o mundo soluçando,
Que as carnes vais ferindo e vais rasgando
Do fundo d’Ilusões velhas e vagas.

Grande isolado das terrestres plagas,
Que vives as Esferas contemplando,
Braços erguidos, olhos no ar, olhando
A etérea chama das Conquistas magas.

Se é de silêncio e sombra passageira,
De cinza, desengano e de poeira
Este mundo feroz que te condena,

Embora ansiosamente, amargamente
Revela tudo o que tu’alma sente
Para ela então poder ficar serena!

Renascimento

A Alma não fica inteiramente morta!
Vagas Ressurreições do Sentimento
Abrem já, devagar, porta por porta,
Os palácios reais do Encantamento!

Morrer! Findar! Desfalecer! que importa
Para o secreto e fundo movimento
Que a alma transporta, sublimiza e exorta,
Ao grande Bem do grande Pensamento!

Chamas novas e belas vão raiando,
Vão se acendendo os límpidos altares
E as almas vão sorrindo e vão orando…

E pela curva dos longínquos ares
Ei-las que vêm, como o imprevisto bando
Dos albatrozes dos estranhos mares…

Sem Remédio

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou…
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos da Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio.
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

Qualquer outro Bem Julgo por Vento

Quando da bela vista e doce riso
Tomando estão meus olhos mantimento,
Tão elevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o Paraíso.

Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assim que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.

Em louvar-vos, Senhora, não me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
Sentirá que não pode conhecê-las.

Pois de tanta estranheza sois ao mundo,
Que não é de estranhar, dama excelente,
Que quem vos fez, fizesse céu e estrelas.

Ontologia do Amor

Tua carne é a graça tenra dos pomares
e abre-se teu ventre de uma a outra lua;
de teus próprios seios descem dois luares
e desse luar vestida é que ficas nua.

Ânsia de voo em asas de ficar
de ti mesma sou o mar e o fundo.
Praia dos seres, quem te viajar
só naufragando recupera o mundo.

Ritmo de céu, por quem és pergunta
de uma azul resposta que não trazes junta
vitral de carne em catedral infinda.

Ter-te amor é já rezar-te, prece
de um imenso altar onde acontece
quem no próprio corpo é céu ainda.

Amor E Felicidade

Infeliz de quem passa pelo mundo,
Procurando no amor felicidade:
A mais linda ilusão dura um segundo;
E dura, a partir daí, tristeza e saudade.

Repleto é o amor no íntimo mais profundo.
Onde esconde a linda jóia da verdade;
E só depois de vazia, mostra o fundo.
Só depois, embriaga-se a felicidade.

Eis aqui mais um enamorado descontente,
Escutando a palavra confidente
Que o coração murmura, e a voz não diz.

Percebo afinal meu pecado:
Quanto me falta para ser amado.
Quanto me falta para ser feliz.

Remissão

Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?

Ilusões Mortas

A Virgílio Várzea

Os meus amores vão-se mar em fora,
E vão-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.

E os meus amores não virão agora,
Não baterão as asas multicores,
Como as aves mansas — dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.

Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, — tudo em revoada franca
Partiu — deixando um bem-estar saudoso

No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.

Presa Do Ódio

Da tu’alma na funda galeria
Descendo às vezes, eu às vezes sinto
Que como o mais feroz lobo faminto
Teu ódio baixo de alcatéia espia.

Do Desespero a noite cava e fria,
De boêmias vis o pérfido absinto
Pôs no teu ser um negro labirinto,
Desencadeou sinistra ventania.

Desencadeou a ventania rouca,
surda, tremenda, desvairada, louca,
Que a tu’alma abalou de lado a lado.

Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
Do teu ódio sangrento acorrentado!

Absurdo

Ninguém te disse nada, ninguém soube
do anel que se perdia em tuas mãos
e crescia nas coisas reduzindo-as
à ausência mais completa do existir.

Mesmo quando o limite era essa zona
fugidia de gestos e silêncios
e a noite desdobrava em tua pele
o mapa das cidades compassivas,

ninguém pôde saber do imprevisível,
do lado mais secreto e numeroso
que havia em ti, na vida que buscavas

e que perdias sempre, por mais fundo,
por mais limpo que fosse o privilégio
da mágoa sempre nova de perdê-la.

Soneto XXV

O nosso ninho, a nossa casa, aquela
nossa despretensiosa água-furtada,
tinha sempre gerânios na sacada
e cortinas de tule na janela.

Dentro, rendas, cristais, flores… Em cada
canto, a mão da mulher amada e bela
punha um riso de graça. Tagarela,
teu cenário cantava à minha entrada.

Cantava… E eu te entrevia, à luz incerta,
braços cruzados, muito branca, ao fundo,
no quadro claro da janela aberta.

Vias-me. E então, num súbito tremor,
fechavas a janela para o mundo
e me abrias os braços para o amor!

Eternos Atalaias

Os sentimentos servem de atalaias
Para guiar as multidões errantes
Que caminham tremendo, vacilantes
Pelas desertas, infinitas praias…

Abrangendo da Terra as fundas raias,
Atingindo as esferas mais distantes,
São como incensos, mirras odorantes,
Miraculosas, fúlgidas alfaias.

Tudo em que logo transfiguram,
Encantam tudo,tudo em torno apuram,
Penetram, sem cessar, por toda parte.

Alma por alma em toda a parte enflamam.
E grandes, largos, imortais, derramam
As melancólicas estrelas d’Arte!

Espera…

Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que pra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…

Não Choreis os Mortos

Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas.
Deixai crescer, à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos.

E quando, à tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidão sem fim dos que são vivos,
Dos tristes que não podem esquecer.

E, ao meditar, então, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.

Grandeza Oculta

Estes vão para as guerras inclementes,
Os absurdos heróiis sanguinolentos,
Alvoroçados, tontos e sedentos
Do clamor e dos ecos estridentes.

Aqueles para os frívolos e ardentes
Prazeres de acres inebriamentos:
Vinhos, mulheres, arrebatamentos
De luxúrias carnais, impenitentes.

Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
Que abriste com teu Gênio fundas brechas
no mundo vil onde a maldade exulta,

Ó delicado espírito de Lendas!
Fica nas tuas Graças estupendas,
No sentimento da grandeza oculta!

Prodígio!

Como o Rei Lear não sentes a tormenta
Que te desaba na fatal cabeça!
(Que o céu d’estrelas todo resplandeça.)
A tua alma, na Dor, mais nobre aumenta.

A Desventura mais sanguinolenta
Sobre os teus ombros impiedosa desça,
Seja a treva mais funda e mais espessa,
Todo o teu ser em músicas rebenta.

Em músicas e em flores infinitas
De aromas e de formas esquisitas
E de um mistério singular, nevoento…

Ah! só da Dor o alto farol supremo
Consegue iluminar, de extremo a extremo,
o estranho mar genial do Sentimento!

A uma Mulher

Pra vós são estes versos, pla consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pla vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.

Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensanguenta!

Ah! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do Paraíso
Não passar de uma écloga à vista do meu!

E os cuidados que vós podeis ter são apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
— Querida — num belo dia de um Setembro ameno.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Exilada

Bela viajante dos países frios
Não te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incógnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste…

Ao Meu Maior Amigo

Quando eu morrer, eu sei, tu escreverás
Triste soneto à morte prematura;
Dirás que a vida cansa em amargura
E, pálido e frio, tu me cantarás.

Nas quadras, reflectido se lerá
De como, vã e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, má ou boa, acabará.

A seguir, nos tercetos, tu dirás
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.

Por fim porás a data, assinarás.
E, relido o soneto, ficarás
Contente por tê-lo escrito bem.