Sonetos sobre Costumes

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Sonetos de costumes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto III

Rosto que a branca rosa tem vencida,
E ante quem a vermelha Ă© descorada,
Olhos, claras estrelas, que espantada
TĂŞm a alma, aceso o peito, presa a vida;

Cabelos, puros raios, que abatida
Deixam da manhĂŁ clara a luz dourada,
Divina fermosura, acompanhada
De ĂĽa virtude a poucas concedida;

Palavras cheias de alto entendimento
Raro riso, alto assento, casto peito,
Santos costumes, vivo e grave esprito;

Divino e repousado movimento,
E muito mais, que está em minha alma escrito,
Me tem num puro amor todo desfeito.

Do Tempo que Fui Livre me Arrependo

O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.

Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razĂŁo me salteava.

Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, nĂŁo sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,

Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.

a fava

espero que me calhe aquela fava
que Ă© costume meter no bolo-rei:
quer dizer que o comi, que o partilhei
no natal com quem mais o partilhava

numa ordem das coisas cuja lei
de afectos e memĂłria em nĂłs se grava
nalgum lugar da alma e que destrava
tanta coisa sumida que, bem sei,

pela sua presença cristaliza
saudade e alegria em sons e brilhos,
sabores, cores, luzes, estribilhos…
e até por quem nos falta então se irisa

na mais pobre semente a intensa dança
de tempo adulto e tempo de criança.

No mundo quis o Tempo que se achasse

No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por exprimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.

Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tĂŁo longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mĂŁos de um leve lenho.

Mas, segundo o que o CĂ©u me tem mostrado,
Já sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho já que não a tenho.

Ordena Amor que Morra, e Pene Juntamente

Como fizeste, Ăł Porcia, tal ferida?
Foi voluntária, ou foi por inocência?
É que Amor fazer só quis experiência
Se podia eu sofrer, tirar-me a vida?

E com teu prĂłprio sangue te convida
A que faças à morte resistência?
É que costume faço da paciência,
Porque o temor morrer me nĂŁo impida.

Pois porque estás comendo com fogo ardente,
Se a ferro te costumas? É que ordena
Amor que morra, e pene juntamente.

E tens a dor do ferro por pequena?
Si, que a dor costumada nĂŁo se sente,
E nĂŁo quero eu a morte sem a pena.

XLII

Morfeu doces cadeias estendia,
Com que os cansados membros me enlaçava;
E quanto mal o coração passava,
Em sonhos me debuxa a fantasia.

Lise presente vi, Lise, que um dia
Todo o meu pensamento arrebatava,
Lise, que na minha alma impressa estava,
Bem apesar da sua tirania.

Corro a prendê-la em amorosos laços
Buscando a sombra, que apertar intento;
Nada vejo (ai de mim!) perco os meus passos.

EntĂŁo mais acredito o fingimento:
Que ao ver, que Lise foge de meus braços,
A crĂŞ pelo costume o pensamento.

No Mundo Quis Um Tempo Que Se Achasse

No mundo quis um tempo que se achasse
o bem que por acerto ou sorte vinha;
e, por exprimentar que dita tinha,
quis que a Fortuna em mim se exprimentasse.

Mas, por que meu destino me mostrasse
que nem ter esperanças me convinha,
nunca nesta tĂŁo longa vida minha
cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra e estado,
por ver se se mudava a sorte dura;
a vida pus nas mĂŁos de um leve lenho.

Mas (segundo o que o CĂ©u me tem mostrado)
já sei que deste meu buscar ventura,
achado tenho já, que não a tenho.

Qual tem a borboleta por costume

Qual tem a borboleta por costume,
Que, enlevada na luz da acesa vela,
Dando vai voltas mil, até que nela
Se queima agora, agore se consume,

Tal eu correndo vou ao vivo lume
Desses olhos gentis, AĂłnia bela;
E abraso-me por mais que com cautela
Livrar-me a parte racional presume.

Conheço o muito a que se atreve a vista,
O quanto se levanta o pensamento,
O como vou morrendo claramente;

Porém, não quer Amor que lhe resista,
Nem a minha alma o quer; que em tal tormento,
Qual em glória maior, está contente.

És dos Céus o Composto Mais Brilhante

Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
TernĂ­ssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se nĂŁo rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razĂŁo com teus risos se mistura.

És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mĂŁos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.

Mundo Incerto

Eis aqui mil caminhos: Porventura
Qual destes leva a gente ao povoado?
Todos vĂŁo sĂłs: sĂł este vai trilhado;
Mas se, por ser trilhado, me assegura?

NĂŁo: que desd’o princĂ­pio há que lhe dura
Do erro este costume, ao mundo dado;
Ser aquele caminho mais errado,
O que Ă© de mais passage e fermosura.

Em fim nĂŁo passarei, temendo a sorte?
Também, tanto temor é desconcerto:
A quem passar avante, assi lhe importe.

Que farei logo, incerto em mundo incerto? –
Buscar nos CĂ©us o verdadeiro Norte,
Pois na terra não há caminho certo.

Soneto XXIX

Que mal Ă© este meu tĂŁo diferente?
NĂŁo Ă© dos males grandes natureza
Ou se acabarem logo sem firmeza,
Ou acabarem logo a quem os sente?

Seu natural custume nĂŁo consente
Minha ventura, pois minha fraqueza
Como dura: do mal tem fortaleza
Por mais tempo sentir meu acidente.

Sou qual FĂ©nix que morre e ressuscita,
Ou como Prometeu que lá se queixa,
E por sentir mais dor se nĂŁo consume.

NĂŁo dizem que o costume e tempo incita
A não sentir-se a dor: té nisto deixa
O tempo, e o custume, seu custume.

Natal

Turvou-se de penumbra o dia cedo;
Nem o sol apertou no meu beiral!
Que longas horas de Jesus! Natal…
E o cepo a arder nas cinzas do brasedo…

E o lar da casa, os corações aos dobres,
É um painel a fogo em seu costume!
Que lindos versos bĂ­blicos, ao lume,
Plo doce PrĂ­ncipe cristĂŁo dos pobres!

Fulvas figuras pra esculpir em barro:
Ă€ luz da lenha, em rubro tom bizarro,
Sou em Presépio com meus pais e irmãos

E junto Ă s brasas, os meus olhos postos
Nesta evangélica expressão de rostos,
Ergo em graças a Deus as minhas mãos.