Passagens de José Anastácio da Cunha

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O Abraço

(excerto)

NĂŁo vĂŞs inda, de gosto sufocados,
Um noutro nossos peitos esculpidos?
NĂŁo sentes nossos rostos tĂŁo chegados
E ainda mais os corações unidos?
Oh! Mais, mais do que unidos!
Tu fizeste, Doce encanto, que eu fosse mais que teu.
Lembra, lembra-te quando me disseste:
– Meu bem, eu nĂŁo sou tu?… Tu nĂŁo Ă©s eu?

Goza, de todo goza o teu amante;
E unidos ambos… -Oh!… e estás tĂŁo perto!…
Meu bem, deliro, sonho ou estou desperto?
Ambos unidos em mimoso laço,
Faces, bocas unidas… Ah! que faço?…
É ar… Quando que a abraço me parece,
A mim me abraço e em ar se desvanece.
Mas que duvido com abraço estreito
Cingir-me?… Dize, nĂŁo Ă©s seu, meu peito?…
[…]
Goza, meu bem (enquanto a Sorte avara
Com tanta crueldade nos separa)
Goza do alĂ­vio, que nos concedeu,
De dizer com certeza: É minha! – É meu!…

Já quasi até Morria

Já quasi até morria
C’os olhos nos da amada.
E ela que se sentia
NĂŁo menos abrasada:
– “Ai, caro Atfes! – dizia –
NĂŁo morras inda, espera
Que eu contigo morrer também quisera”
A ânsia com que acabava
A vida, Atfes, refreia,
E, enquanto a dilatava,
Morte maior o anseia.
Os olhos nĂŁo tirava
Dos do Ă­dolo querido,
Nos quais bebia o NĂ©ctar diluĂ­do.

Quando a gentil Pastora,
Sentindo já chegada
Do doce gosto a hora,
Com a vista perturbada
Disse, tremendo: – “Agora
Morre, que eu morro, amor”
– “E eu – disse ele – contigo”
Viram-se desta sorte
Os dois finos amantes
Mortos ambos de um tal corte;
E os golpes penetrantes
Desta casta de morte
Tanto lhe agradaram,
Que para mais morrer recuscitaram.

Os PorquĂŞs do Amor

CĂ©u, porque tĂŁo convulso e consternado
Me bate, ao Vê-la, o coração no peito?
Porque pasma entre os beiços congelado,
Indo a falar-lhe, o tĂ­mido conceito?

Porque nas áureas ondas engolfado
Da caudalosa trança, inda que afeito,
Me naufraga o juĂ­zo embelezado,
E em ternura suavĂ­ssima desfeito?

Porque a luz dos seus olhos, tĂŁo activa,
Por lânguida inda mais encantadora,
Me cega, e por a ver, ansioso, clamo?

Porque da mĂŁo nevada sai tĂŁo viva
Chama, que me electriza e me devora?
Os mesmos meus porquĂŞs me dizem: – Amo!

Pinheiro Manso

Copado, alto, gentil Pinheiro Manso;
Debaixo cujos ramos debruçados
Do sol ou lua nunca penetrados,
Já gozei, já gozei mais que descanso…

Quando para onde estás os olhos lanço,
Tantos gostos ao pé de ti passados
Vejo na fantasia retratados,
TĂŁo vivos, que jĂ mais de ver-te canso!

Ah! deixa o outono vir; de um jasmineiro
te hei-de cobrir, terás cópia crescida
De flores, serás honra dêste outeiro.

E para te dar glĂłria mais subida,
No meu tronco feliz, alto Pinheiro,
O teu nome escreverei de Margarida.