Velho Tema V
“Alma serena e casta, que eu persigo
Com o meu sonho de amo e de pecado,
Abençoado seja, abençoado
O rigor que te salva e é meu castigo.Assim desvies sempre do meu lado
Os teus olhos; nem ouças o que eu digo;
E assim possa morrer, morrer comigo,
Este amor criminoso e condenado.Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito
Uma ventura obtida com teu dano,
Bem meu que de teus males fosse feito.”Assim penso, assim quero, assim me engano…
Como se não sentisse que em meu peito
Pulsa o covarde coração humano.
Passagens sobre Sonhos
1333 resultadosRepouso
A cabeça pendida docemente
Em sonhos, sonha o sonhador inquieto,
Repousa e nesse repousar discreto
É sempre o sonho o seu bordão clemente.Cego desta Prisão impenitente
Da Terra e cego do profundo Afeto,
O sonho é sempre o seu bordão secreto
O seu guia divino e refulgente.Nem no repouso encontra a paz que espera,
Para lhe adormecer toda a quimera,
Os círculos fatais do seu Inferno.Entre a calma aparente, a estranha calma,
O seu repouso é sempre a febre d’alma,
O seu repouso é sonho, e sonho eterno.
A solidão da poesia e do sonho tira-nos da nossa desoladora solidão.
Ninguém morre, as pessoas despertam do sonho da vida.
Solidão
Imensas noites de Inverno,
com frias montanhas mudas,
é o mar negro, mais eterno,
mais terrível, mais profundo.(…)
A noite fecha seus lábios
– terra e céu – guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.
O Fim Das Coisas
Pode o homem bruto, adstricto à ciência grave,
Arrancar, num triunfo surpreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!Rasgue os broncos basaltos negros, cave,
Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente
De perscrutar o íntimo do orbe, invente
A limpada aflogística de Davy!Em vão! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho
Como o desaguadouro atro de um rio …E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!
Eu caminho vivo no meu sonho estrelado.
Sol Poente
Tardinha… “Ave-Maria, Mãe de Deus…”
E reza a voz dos sinos e das noras…
O sol que morre tem clarões d’auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!Horas que têm a cor dos olhos teus…
Horas evocadoras doutras horas…
Lembranças de fantásticos outroras,
De sonhos que não tenho e que eram meus!Horas em que as saudades, p’las estradas,
Inclinam as cabeças mart’rizadas
E ficam pensativas… meditando…Morrem verbenas silenciosamente…
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pálida boca desfolhando…
Amo o Real quando amo os meus sonhos.
A solidão só é possível na juventude, quando temos à nossa frente todos os sonhos, ou na velhice, com todas as recordações atrás.
Dilacerações
Ó carnes que eu amei sangrentamente,
Ó volúpias letais e dolorosas,
Essências de heliótropos e de rosas
De essência morna, tropical, dolente…Carnes virgens e tépidas do Oriente
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente…Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores…Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em cores…
O teatro é mais honesto que o cinema, porque o cinema filma sonhos.
Em Viagem
Desde aquela dor tamanha
Do momento em que parti
Um só prazer me acompanha,
Filha, o de pensar em ti:Por sobre a negra paisagem
Do meu ermo coração
O luar branco da tua imagem
Veste um benigno clarão.A tarde, no azul celeste,
Há uma estrela esmorecida,
Que é o beijo que tu me deste
Na hora da despedida.Beijo tão longo e dolente,
Tão longo e cortado de ais,
Que o meu coração pressente
Que não te torno a ver mais.Conto no céu estrelado
Lágrimas de oiro sem fim:
É o pranto que tens chorado,
De dia e noite, por mim…Quando me deito na cama
E vou quase adormecido,
Oiço a tua voz que me chama,
Num suplicante gemido.Num gemido tão suave,
Tão triste na noite escura,
Que é como uma queixa d’ave
Presa numa sepultura!…Em sonho, às vezes, meu Deus,
Cuido que vou expirar,
Sem levar nos olhos meus
O teu derradeiro olhar.E sem extremo conforto
Que eu ness’hora quero ter:
Beijar a fronte do morto
Aquela que o fez viver.
A Árvore, a Estrela e a Pequena Mão
A pequena mão desenha a árvore
onde uma estrela se aninha para dormir.
Que dia será o de amanhã
no meio dos escombros onde o eco da súplica
enlouquece os cães famintos?
Quadro trágico para uma noite assim.
A pequena mão pega na borracha
e tenta apagar toda a dor do mundo
e acender com um novo traço
a claridade que resgata a alma.
A estrela acorda numa copa alta
e segue o caminho do que sabe
até encontrar a pequena mão
que tudo reinventa à medida do que somos.
Quando o encontro acontece
já não é noite nem dia, tempo infinito,
mas apenas um lugar onde o choro das crianças
de súbito se transforma em cântico.A pequena mão desenha tudo
o que falta desenhar para o sonho fazer sentido.
É uma mão frágil mas firme, apenas sábia,
e quando abre o livro azul das manhãs
é sempre para escrever as palavras
que o estrondo abafou nas cidades feridas.
A pequena mão desenha uma árvore,
uma estrela e uma mãe aflita.
Depois desenha uma linha de horizonte,
Eu de nada tenho certeza, a não ser da realidade das afeições do coração e da verdade da Imaginação. A beleza apreendida pela Imaginação deve ser verdade. A Imaginação pode ser comparada ao sonho de Adão. Adão despertou e viu que era verdadeiro.
Aprender a Ceder
Aos sonhos, como aos pesadelos, chega sempre a hora de acordar. É essencial compreender a realidade, viver de olhos abertos, acolher a simplicidade da vida antes de querer resolver a complexidade do mundo.
Cada um de nós tem o seu lugar no mundo, talvez a ninguém caiba o do centro. Nas nossas relações com o mundo, com os outros e connosco, é mais sábio aceitar do que impor, admirar do que exibir, amar do que procurar ser amado…
Viver é aprender a ceder. A libertarmo-nos de nós mesmos. Só o nosso espírito nos pode soltar porque só ele nos aprisiona. Ser autenticamente feliz depende de uma transformação na forma de olharmos o mundo, aceitando-o sem grandes condições e agindo sem precipitações. Cedendo. Cedendo, sempre. Pois que é melhor manter um amigo do que ficar com a razão, mas sozinho. Há que abrir espaços em nós para que a serenidade que assim se alcança convide a felicidade a fazer do nosso espírito morada sua.A humildade e a simplicidade são formas de ser, não de parecer.
Um erro comum é querer ser tudo já. Nunca nada chega… e são tantas vezes as saudades a revelarem-nos o verdadeiro valor dos instantes vividos mas já passados.
De que valia dormir se ela não adormecia os sonhos? (…) De que servia cantar se a sua alma acabara ensurdecendo?
Cromo
andamos pelo mundo
experimentando a morte
dos brancos cabelos das palavras
atravessamos a vida com o nome do medo
e o consolo dalgum vinho que nos sustém
a urgência de escrever
não se sabe para quemo fogo a seiva das plantas eivada de astros
a vida policopiada e distribuída assim
através da língua… gratuitamente
o amargo sabor deste país contaminado
as manchas de tinta na boca ferida dos tigres de papelenquanto durmo à velocidade dos pipelines
esboço cromos para uma colecção de sonhos lunares
e ao acordar… a incoerente cidade odeia
quem deveria amaro tempo escoa-se na música silente deste mar
ah meu amigo… como invejo essa tarde de fogo
em que apetecia morrer e voltar
O universo ajuda-nos sempre a lutar pelos nossos sonhos, por mais idiotas que possam parecer. Porque são os nossos sonhos, e só nós sabemos quanto custa sonhá-los.
Estamos a Cair na Mediocridade Governativa
Estamos a cair na mediocridade porque estamos muito subservientes aos padrões de eficácia e da racionalidade europeia. Os tempos festivos da revolução passaram. Teriam naturalmente que passar, mas aplica-se a terapêutica da racionalização tecnocrática e isso mata o sonho. Devia haver outras vias. Vias apropriadas àquilo que somos. Não somos um País de grandes voos capitalistas. Se o quisermos ser caímos, inexoravelmente, nas garras do monopolismo. Portanto, devíamos cultivar as pequenas e médias empresas. Esta devia ser a lógica da economia portuguesa. Devia dar-se grande valor às pequenas e médias empresas e realmente deixarmo-nos de ambições que nos alcem aos grandes padrões europeus.
(…) Os (partidos políticos têm) os mesmos defeitos e algumas qualidades em comum. Evidentemente que os partidos são um defeito necessário, porque dividem, mas é uma divisão necessária para agrupar, para reunir a ideia da democracia parlamentar que temos. Agora, o erro das pessoas é adorná-los com méritos extraordinários, porque isso faz-nos cair numa partidolatria, imprópria de espíritos livres! Não penso que a nossa classe política seja pior do que a classe política de outros países. Ponhamos as coisas neste pé: as minhas exigências estéticas e éticas não tornam muito fáceis as minhas relações com a classe política.