Passagens de Mia Couto

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Nocturnamente

Nocturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo

Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio

Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces

Falta-nos rir saudavelmente de nós mesmos. O não nos levarmos tão a sério pode ser a melhor cura para o pecado da soberba.

Não era de água a sua sede. Queria palavras. Não dessas de uso e abuso mas palavras tenras como o capim depois da chuva. Essas de reacender crenças.

Quando nascemos sabemos tudo, mas não lembramos nada. Depois crescemos, vamos ganhando lembrança e encolhendo sabedoria.

Esse medo que os homens nutrem das mulheres, desses antigos demónios que apenas o gesto feminino pode soltar.

De que valia dormir se ela não adormecia os sonhos? (…) De que servia cantar se a sua alma acabara ensurdecendo?

Em meio da vida sempre se faz a inexistente conta: temos mais ontens ou mais amanhãs?

Um desgosto de mulher. Isso não tem remédio, filho. Eu sei muito bem. Porque eu vivi num tempo em que o amor era uma coisa perigosa. Tu vives num tempo em que o amor é uma coisa estúpida.

A festa é a tristeza fazendo o pino. Nela a gente se comemora num futuro sonhado.

Só existe um modo de nos valorizarmos: é pelo trabalho, pela obra que formos capazes de fazer.

A Esperança é o mais Frágil dos Sentimentos

Vivemos em Moçambique anos terríveis de guerra e de desespero. Quando me perguntam como sobrevivemos a esse tempo, as pessoas se apressam a falar da esperança. E dizem: pois é, a esperança é a última a morrer. É isso que se diz. Contudo, não é verdade. A esperança é o mais frágil dos sentimentos, um dos primeiros a desvanecer. Ela morre, porém, no sentido que os africanos têm da morte. Quer dizer, ela morre mas não fica morta. Continua vivendo entre nós, do nosso lado. E vai comandando, secreta e subtilmente, processos e destinos. A esperança não é a última a morrer ainda que possa ser a primeira a matar-nos. E estaremos mortos se aceitarmos conviver, com cinismo, num mundo em que fazemos de conta acreditar.

O homem sábio é o que sabe que há as coisas que nunca vai saber. Coisas maiores que o pensamento.

No início, viajámos porque líamos e escutávamos, deambulando em barcos de papel, em asas feitas de antigas vozes. Hoje viajamos para sermos escritos, para sermos palavras de um texto maior que é a nossa própria vida.

Muitas vezes, o chamado progresso pode ser uma violência. Pode agir como uma agressão silenciosa contra sociedades inteiras e, sobretudo, contra os mais pobres dessa sociedade.