Passagens sobre Água

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Frases sobre água, poemas sobre água e outras passagens sobre água para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Soneto Do Breve Momento

Plumas de ninhos em teus seios; urnas
De rubras flores em teu ventre; flores
Por todo corpo teu, terso das dores
De primaveras loucas e noturnas.

Pântanos vegetais em tuas pernas
A fremir de serpentes e de saúrios
Itinerantes pelos multivários
Rios de águas estáticas e eternas.

Feras bramindo nas estepes frias
De tuas brancas nádegas vazias
Como um deserto transmudado em neve.

E em meio a essa inumana fauna e flora
Eu, nu e só, a ouvir o Homem que chora
A vida e a morte no momento breve.

Em meio ao mar de perversidade, egoísmo e todo o tipo de imundícia humana somente um conseguiu flutuar sobre as águas: Jesus Cristo.

A Verdade

A verdade é semelhante a uma adolescente
vibrante, flexível, em radiosa sombra.
Quando fala é a noite translúcida no mar
e a esfera germinal e os anéis da água.
Um apelo suave obstinado se adivinha.

Ela dorme tão perfeitamente despertada
que em si a verdade é o vazio. Ela aspira
à cegueira, ao eclipse, à travessia
dos espelhos até ao último astro. Ela sabe
que o muro está em si. Ela é a sede

e o sopro, a falha e a sombra fascinante.
Ela funda uma arquitectura volante
em suspensas superfícies ondulantes.
Ela é a que solicita e separa, delimita
e dissemina as sílabas solidárias.

Lisbon Revisited (1926)

Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja –
Definidamente pelo indefinido…
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta – até essa vida…

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma…
E, no fundo do meu espírito,

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O Cometa

Um cometa passava… Em luz, na penedia,
Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava;
Entregava-se ao sol a terra, como escrava;
Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia…

Assolavam a terra o terremoto, a lava,
A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia;
Mas renascia o amor, o orgulho revivia,
Passavam religiões… E o cometa passava.

E fugia, riçando a ígnea cauda flava…
Fenecia uma raça; a solidão bravia
Povoava-se outra vez. E o cometa voltava…

Escoava-se o tropel das eras, dia a dia:
E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava
A sua eternidade ! E o cometa sorria…

Não era de água a sua sede. Queria palavras. Não dessas de uso e abuso mas palavras tenras como o capim depois da chuva. Essas de reacender crenças.

Sussurro

Isto é um poço. Há sempre quem nele se debruce. A água
continua a correr sem qualquer destino, e sabemos
como se afasta devagar para ser igual às vestes
caídas, talvez abandonadas. Assim tu podes ver
o que se confunde ali com a luz e, depois, se torna
mais nosso. Sem pressa aproximas-te agora desse espelho
vazio e sentirás que só a brisa desce até ficarmos
perto de alguns sulcos. Eles tornaram-se maiores, humedecidos.
Inclinas-te um pouco mais como se finalmente escutasses
uma confidência. Sabemos que é em vão porque ninguém se encontra
ao teu lado e já não é suficiente o sussurro da água.

A Sugestibilidade Humana

Os ideais da democracia e da liberdade chocam com o facto brutal da sugestibilidade humana. Um quinto de todos os eleitores pode ser hipnotizado quase num abrir e fechar de olhos, um sétimo pode ser aliviado das suas dores mediante injecções de água, um quarto responderá de modo pronto e entusiástico à hipnopédia. A todas estas minorias demasiado dispostas a cooperar, devemos adicionar as maiorias de reacções menos rápidas, cuja sugestibilidade mais moderada pode ser explorada por não importa que manipulador ciente do seu ofício, pronto a consagrar a isso o tempo e os esforços necessários.
É a liberdade individual compatível com um alto grau de sugestibilidade individual?

O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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Povo

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia…
Mas a tua vida, não!

Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão…
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!

Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços…
Mas a tua vida, não!

Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama…
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las…
Mas a tua vida, não!

Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.

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Se houvesse degraus na terra…

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

Posse I

Ela —

Na corporificação da claridade
festejaremos nosso encontro.
Os intervalos de posse,
iluminados,
se encobrem de flores;
musgos são tessitura
desta distância breve,
desta pausa madura.

A palma das mãos
é um êxtase de frutos:
a pele se modula
nas águas transparentes
que de nós a nós
é rio consequente.

Súbito como um voo,
o estar se perturba.
Um leve toque de olhar
acusa o futuro,
onde perduramos desunidos.

O espaço concreto em nós
é tão exíguo
A manhã não satisfaz
a emergência de outro encontro;
somente a luz
projecta além
nossos corpos dourados,
nossa incrível festa.

Canção da Partida

Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro… Lançá-lo ao mar.
Quem vai embarcar, que vai degredado,

As penas do amor não queira levar…
Marujos, erguei o cofre pesado, Lançai-o ao mar.
E hei de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.

A sete chaves: tem dentro uma carta…
_ A última, de antes do teu noivado.
A sete chaves, _ a carta encantada!

E um lenço bordado… Esse hei de o levar,
Que é para o molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.

Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Soneto A Oxford

Ó Oxford, prende o sol em tuas pontas
Góticas; dormem divinas harmonias
Em tuas torres puras e sombrias
E em teus jardns de grandes flores tontas.

O eterno farfalhar de Christ Church Meadows
E as mesmas águas trêmulas dos Ices
Enchem meu coração da antiga fé
Dos bardos que ilustraram tuas classes.

Rebanhos de hoje e sempre; hoje meninos
De capa preta, que o pastor dos sinos
Tange dos sinos que me estão chamando

Aos claustros de presságio e na penumbra
Sobre os quais, pela noite, se vislumbra
O fantasma de Magdalen, perscrutando…

Até Amanhã

Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.

Sono

Dormir
mas o sonho
repassa
duma insistente dor
a lembrança
da vida
água outra vez bebida
na pobreza da noite:
e assim perdido
o sono
o olvido
bates, coração, repetes
sem querer
o dia.

Gazel da Paciente Espera

Para Regina Célia Colónia

Quanto te esperei
nas portas do dia
e te esperei
quando a terra nascia:
o espírito metáfora
boiava.

E te esperava
mas nenhuma nebulosa
te envolvia e nenhum
peixe era tu e nenhuma
circular água apascentava
esta maternidade.

Te esperava
e o dia voltava
e vinha
e nas portas
o relógio de sinais
rangia.

E te esperava,
ave lua
ovelha de tuas mãos
a noite.
Te esperava
porque as palavras
as palavras
batem à porta
e se abrem.

E   te   esperarei
a   vida   repleta
e a morte.

Depois na eternidade
recomeço.