Na Tebaida
Chegas, com os olhos Ășmidos, tremente
A voz, os seios nus, como a rainha
Que ao ermo frio da Tebaida vinha
Trazer a tentação do amor ardente.Luto: porém teu corpo se avizinha
Do meu, e o enlaça como uma serpente..
Fujo: porém a boca prendes, quente,
Cheia de beijos, palpitante, Ă minha…Beija mais, que o teu beijo me incendeia!
Aperta os braços mais! que eu tenha a morte,
Preso nos laços de prisão tão doce!Aperta os braços mais, frågil cadeia
Que tanta força tem não sendo forte,
E prende mais que se de ferro fosse!
Sonetos sobre Força
74 resultadosQuando A Suprema Dor Muito Me Aperta
Quando a suprema dor muito me aperta,
se digo que desejo esquecimento,
é força que se faz ao pensamento,
de que a vontade livre desconserta.Assi, de erro tĂŁo grave me desperta
a luz do bem regido entendimento,
que mostra ser engano ou fingimento
dizer que em tal descanso mais se acerta.Porque essa prĂłpria imagem, que na mente
me representa o bem de que careço,
faz-mo de um certo modo ser presente.Ditosa é, logo, a pena que padeço,
pois que da causa dela em mim se sente
um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.
Fogo
FaĂsca luminar da etĂ©rea chama
Que acendes nossa mĂĄquina vivente,
Que fazes nossa vista refulgente
Com eléctrico gås, com subtil flama:A nossa construção por ti se inflama;
Por ti, o nosso sangue gira quente;
Por ti, as fibras tem vigor potente,
Teu vivo ardor por elas se derrama.Tu, Fogo animador, nos vigorizas,
E Ă maneira de um voltejante rio,
Por todo o nosso corpo te deslizas.O homem, só por ti tem força e brio
Mas, se tu o teu giro finalizas,
Quando a chama se apaga, ele cai frio.
O Tempo Gastador de Mil Idades
O Tempo gastador de mil idades,
Que na décima esfera vive e mora,
NĂŁo descansa co’a FĂșria tragadora,
De exercitar, feroz, suas crueldades.Ele destrĂłi as Ănclitas cidades,
As egĂpcias pirĂąmides devora:
Sua dentada fouce assoladora,
Rompe forças viris, destrĂłi beldades.O bronze, o ouro, o rĂgido diamante,
A sua mĂŁo pesada amolga e gasta
Levando tudo ao nada, em giro errante.Como trovĂŁo feroz rugindo arrasta,
Quanto cobre na Terra o sol radiante,
SĂł da Virtude com temor se afasta.
EspĂrito Imortal
EspĂrito imortal que me fecundas
Com a chama dos viris entusiasmos,
Que transformas em glĂĄdios os sarcasmos
Para punir as multidÔes profundas!à alma que transbordas, que me inundas
De brilhos, de ecos, de emoçÔes, de pasmos
E fazes acordar de atros marasmos
Minh’alma, em tĂ©dios por charnecas fundas.Força genial e sacrossanta e augusta,
Divino Alerta para o Esquecimento,
Voz companheira, carinhosa e justa.Tens minha MĂŁo, num doce movimento,
Sobre essa Mão angélica e robusta,
EspĂrito imortal do Sentimento!
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas ĂĄrvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mĂĄgoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lĂĄ doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cĂĄ mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lĂĄgrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
Primavera
Passei a Primavera de meus anos
Com maternais desvelos amorosos.
Com meiguices, afagos carinhosos,
Com mimos de solĂcitos afanos.Desenfaixado dos primeiros panos,
Pus-me em pé, dei passinhos vagarosos,
Logo corridas, saltos brincalhosos,
Travessuras de meninais enganos.Nesta idade infantil da Primavera,
Com outros meus iguais brincÔes folgava.
Ah, quĂŁo gostoso, entĂŁo, o tempo me era!Inocente brincar sĂł me encantava:
Feliz, se aqui ficando eu conhecera
A força do prazer que desfrutava!
Amor E Crença
E sĂȘ bendita!
H. SienkiewiczSabes que Ă© Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
ReĂșne tudo em si, num sĂł encanto?Esse mistĂ©rio eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar Ă Natureza,
Fita a cĂșp’la do CĂ©u santa e infinita!Deus Ă© o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crĂȘ em Deus, e… sĂȘ bendita!
Ser Dos Seres
No teu ser de silĂȘncio e d’esperança
A doce luz das AmplidÔes flameja.
Ele sente, ele aspira, ele deseja
A grande zona da imortal Bonança.Pelos largos espaços se balança
Como a estrela infinita que dardeja,
Sempre isento da Treva que troveja
O clamor inflamado da Vingança.Por entre enlevos e deslumbramentos
Entra na Força astral dos Sentimentos
E do Poder nos mĂĄgicos poderes.E traz, embora os Ăntimos cansaços,
Ănsias secretas para abrir os braços
Na generosa comunhĂŁo dos Seres!
Soneto XXXXVI
Tanto que sente enfraquecer o alento,
Quebrado o brio e jĂĄ menos ligeira
Co’ a longa idade e vida derradeira,
[A] Ăguia a presa siguir cortar o vento.Levanta o mais que pode o vĂŽo isento
E, firida do Sol desta maneira
Då no mar, recobrando a força inteira
E, com novo vigor, novo ornamento.Quem nĂŁo vĂȘ figurada a grande glĂłria
De ua alma, cuja vida mal gastada
Com nova penitĂȘncia se melhora.Ao alto se levanta co’a memĂłria,
E no divino amor toda abrasada
Cai no mar das lĂĄgrimas que chora.
Aos Meus Filhos
Na intermitĂȘncia da vital canseira,
Sois vĂłs que sustentais ( Força Alta exige-o … )
Com o vosso catalĂtico prestĂgio,
Meu fantasma de carne passageira!VulcĂŁo da bioquĂmica fogueira
Destruiu-me todo o orgĂąnico fastĂgio …
Dai-me asas, pois, para o Ășltimo remĂgio,
Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!CulminĂąncias humanas ainda obscuras,
ExpressÔes do universo radioativo,
Ions emanados do meu prĂłprio ideal,Benditos vĂłs, que, em Ă©pocas futuras,
Haveis de ser no mundo subjetivo,
Minha continuidade emocional!
VĂŁo-Se De Todo Os Pardacentos Nimbos
VĂŁo-se de todo os pardacentos nimbos…
Chovem da luz as nĂtidas faĂscas
E no esplendor de irradiaçÔes mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do cĂ©u se perdem nos profundos limbos.A natureza pulsa como a forja…
PĂĄssaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.A grande artĂ©ria dos assombros pula…
E do oxigĂȘnio, a força que regula
Enche os pulmÔes a largas baforadas.
Ă Revolta
A Cassiano CĂ©sar
O sĂ©culo Ă© de revolta — do alto transformismo,
De Darwin, de LittrĂ©, de Spencer, de Laffite —
Quem fala, quem dĂĄ leis Ă© o rubro niilismo
Que traz como divisa a bala-dinamite!…Se Ă© força, se Ă© preciso erguer-se um evangelho,
Mais reto, que instrua — estĂ©tico — mais novo
Esmaguem-se do trono os dogmas de um Velho
E lance-se outro sangue aos mĂșsculos do povo!…O vĂcio azinhavrado e os cĂ©rebros raquĂticos,
Ă pĂŽ-los ao olhar dos sĂ©rios analĂticos,
Na ampla, social e esplĂȘndida vitrine!…Ă frente!… — Trabalhar a luz da idĂ©ia nova!…
— Pois bem! Seja a idĂ©ia, quem lance o vĂcio Ă cova,
— Pois bem! — Seja a idĂ©ia, quem gere e quem fulmine!…
Viverås, que da Pena a Força Emana
Ou pra fazer-te o epitĂĄfio vivo,
ou vives mais e a terra me apodrece.
Tua memĂłria a morte deste arquivo
nĂŁo tira, mas de mim o resto esquece.Aqui terĂĄ o teu nome imortal gala,
indo eu, hei-de ficar do mundo oculto,
sĂł pode dar-me a terra comum vala,
no olhar dos homens tu serĂĄs sepulto.Meus versos monumento te serĂŁo
que hĂŁo-de ler e reler olhos a vir
e as lĂnguas a haver repetirĂŁoo que Ă©s, quando jĂĄ ninguĂ©m respire.
Viverås, que da pena a força emana,
onde o sopro mais sopra, em boca humana.
Ad Instar Delphini
Teus pés são voluptuosos: é por isso
Que andas com tanta graça, ó Cassiopéia!
De onde te vem tal chama e tal feitiço,
Que dås idéia ao corpo, e corpo à idéia?CamÔes, valie-me! Adamastor, Magriço,
Dai-me força, e tu, VĂȘnus CiterĂ©ia,
Essa doçura, esse imortal derriço…
Quero também compor minha epopéia!não cantarei Helena e a antiga Tróia,
Nem as MissÔes e a nacional Lindóia,
Nem Deus, nem Diacho! Quero, oh por quem Ă©s,Flor ou mulher, chave do meu destino,
Quero cantar, como cantou Delfino,
As duas curvas de dois brancos pés.
Da Vossa Vista a Minha Vida Pende
Da vossa vista a minha vida pende,
Maior bem para mim nĂŁo pode ser
Que ver-vos, mas nĂŁo ouso de vos ver;
Que vosso alto respeito mo defende.O meu amor, que o vosso sĂł pretende,
Receio que se venha a conhecer,
Nos olhos, que mal podem esconder
O desejo, dum peito que se rende.Por vĂłs a tal estremo dâAmor venho,
Que com força resisto a meu desejo,
Porque nada de mim vos descontente.Mas neste mal, senhora, este bem tenho,
Que sempre tal, qual sois, nâalma vos pinto
Sem dar que ver, nem que falar Ă gente.
Disputa em FamĂlia
I
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho JeovĂĄ de longa barba hirsuta,
SolitĂĄrio em teus CĂ©us acastelados:« â Cessou o impĂ©rio enfim da força bruta!
NĂŁo sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mĂŁo tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!Enquanto tu dormias impassĂvel,
TopĂĄmos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinĂvel…JĂĄ provĂĄmos os frutos da verdade…
Ă Deus grande, Ăł Deus forte, Ăł Deus terrĂvel.
NĂŁo passas d’uma vĂŁ banalidade! â »II
Mas o velho tirano solitĂĄrio,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no CalvĂĄrio,Sorriu com rir estranho, ouvindo o vĂĄrio
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrĂĄrio:« â Vanitas vanitatum! (disse). Ă certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,
O Lamento Das Coisas
Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrùneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!à a dor da Força desaproveitada
– O cantochĂŁo dos dĂnamos profundos,
Que, podendo mover milhÔes de mundos,
jazem ainda na estĂĄtica do Nada!Ă o soluço da forma ainda imprecisa…
Da transcendĂȘncia que se nĂŁo realiza…
Da luz que nĂŁo chegou a ser lampejo…E Ă© em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!
Tal Mostra DĂĄ De Si Vossa Figura
Tal mostra dĂĄ de si vossa figura,
Sibela, clara luz da redondeza,
que as forças e o poder da natureza
com sua claridade mais apura.Quem viu ĂŒa confiança tĂŁo segura,
tĂŁo singular esmalte da beleza,
que não padeça mais, se ter defesa
contra vossa gentil vista procura?Eu, pois, por escusar essa esquivança,
a razĂŁo sujeitei ao pensamento,
que, rendida, os sentidos lhe entregaram.Se vos ofende o meu atrevimento,
inda podeis tomar nova vingança
nas relĂquias da vida, que escaparam.
Amor Ă© um Arder
Amor Ă© um arder que se nĂŁo sente;
Ă ferida que dĂłi, e nĂŁo tem cura;
Ă febre, que no peito faz secura;
à mal, que as forças tira de repente.à fogo, que consome ocultamente;
Ă dor, que mortifica a Criatura;
Ă Ăąnsia, a mais cruel e a mais impura;
Ă frĂĄgoa, que devora o fogo ardente.Ă um triste penar entre lamentos;
Ă um nĂŁo acabar sempre penando;
à um andar metido em mil tormentos.à suspiros lançar de quando em quando;
Ă quem me causa eternos sentimentos.
à quem me mata e vida me estå dando.[Imitando CamÔes]