Ignotus
(A Salomão Sáragga)
Onde te escondes? Eis que em vão clamamos,
Suspirando e erguendo as mãos em vão!
Já a voz enrouquece e o coração
Está cansado — e já desesperamos…Por céu, por mar e terras procuramos
O Espírito que enche a solidão,
E só a própria voz na imensidão
Fatigada nos volve… e não te achamos!Céus e terra, clamai, aonde? aonde? —
Mas o Espírito antigo só responde,
Em tom de grande tédio e de pesar:— Não vos queixeis, ó filhos da ansiedade,
Que eu mesmo, desde toda a eternidade,
Também me busco a mim… sem me encontrar!
Sonetos sobre Vozes
206 resultadosSol Poente
Tardinha… “Ave-Maria, Mãe de Deus…”
E reza a voz dos sinos e das noras…
O sol que morre tem clarões d’auroras,
Águia que bate as asas pelo céu!Horas que têm a cor dos olhos teus…
Horas evocadoras doutras horas…
Lembranças de fantásticos outroras,
De sonhos que não tenho e que eram meus!Horas em que as saudades, p’las estradas,
Inclinam as cabeças mart’rizadas
E ficam pensativas… meditando…Morrem verbenas silenciosamente…
E o rubro sol da tua boca ardente
Vai-me a pálida boca desfolhando…
Suprema Ironia
Não digas que não sofro – o meu sofrer profundo
com um sorriso nos lábios muita vez apago…
A dor – é coo a pedra que cai – vai pro fundo
sob a face serena e tranqüila do lago…Um segundo de pura alegria – um segundo
muitas vezes me basta, e já me dou por pago…
Se invejo, invejo aquele que não tendo um mundo,
tem mundo para além do olhar ardente e vago…Que eu não ando a dizer que sofro e me atormento!
É covardia a gente maldizer-se à toa
a viver esta vida entre um ai e um lamento…Eu, não! Bem sei que sofro, mas sofrer – que importa ?
Digo aos homens que o mundo é belo, a vida é boa!
E… suprema ironia… a minha voz conforta!
Vem, oh Noite Sombria
Vem, oh noite sombria, e revolvendo
O longo açoite, que à carreira acende
As fuscas Éguas, sobre a terra estende
De sombras carregado o manto horrendo:Vem: e as brancas papoilas espremendo,
Em letárgico sono os mortais prende;
Que a minha bela Aglaia hoje me atende,
A meu amor mil glórias prometendo.Se às minhas vozes dás benigno ouvido,
Encobrindo com teu escuro manto
Os suaves delírios de amor cego;Imolar-te prometo agradecido
Um negro galo, que em contínuo canto
Se atreve a perturbar o teu sossego.
A Ronda Noturna
Noite cerrada, tormentosa, escura,
Lá fora. Dormem em trevas o convento.
Queda imoto o arvoredo. Não fulgura
Uma estrela no torvo firmamento.Dentro é tudo mudez. Flébil murmura,
De espaço a espaço, entanto, a voz do vento:
E há um rasgar de sudários pela altura,
Passo de espectros pelo pavimento…Mas, de súbito, os gonzos das pesadas
Portas rangem… Ecoa surdamente
Leve rumor de vozes abafadas.E, ao clarão de uma lâmpada tremente,
Do claustro sob as tácitas arcadas
Passa a ronda noturna, lentamente…
A Casa Da Rua Abílio
A casa que foi minha, hoje é casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, só, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidadeDeixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;
São as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falaram,E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados à voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.
XV
Formoso, e manso gado, que pascendo
A relva andais por entre o verde prado,
Venturoso rebanho, feliz gado, Que à bela
Antandra estais obedecendo;Já de Corino os ecos percebendo
A frente levantais, ouvis parado;
Ou já de Alcino ao canto levantado,
Pouco e pouco vos ides recolhendo;Eu, o mísero Alfeu, que em meu destino
Lamento as sem razões da desventura,
A seguir vos também hoje me inclino:Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Sempre faz novidade na espessura.
Cristais
Mais claro e fino do que as finas pratas
O som da tua voz deliciava…
Na dolência velada das sonatas
Como um perfume a tudo perfumava.Era um som feito luz, eram volatas
Em lânguida espiral que iluminava,
Brancas sonoridades de cascatas…
Tanta harmonia melancolizava.Filtros sutis de melodias, de ondas
De cantos volutuosos como rondas
De silfos leves, sensuais, lascivos…Como que anseios invisíveis, mudos,
Da brancura das sedas e veludos,
Das virgindades, dos pudores vivos.
Ad Amicos
Em vão lutamos. Como névoa baça,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvae e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d’um presentir divino;Mas n’um deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassível sobre o mundo.
Importuna Razão, Não Me Persigas;
Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas:Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se ( conhecendo o mal ) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.É teu fim, teu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo:Queres que fuja de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.
Na Tebaida
Chegas, com os olhos úmidos, tremente
A voz, os seios nus, como a rainha
Que ao ermo frio da Tebaida vinha
Trazer a tentação do amor ardente.Luto: porém teu corpo se avizinha
Do meu, e o enlaça como uma serpente..
Fujo: porém a boca prendes, quente,
Cheia de beijos, palpitante, à minha…Beija mais, que o teu beijo me incendeia!
Aperta os braços mais! que eu tenha a morte,
Preso nos laços de prisão tão doce!Aperta os braços mais, frágil cadeia
Que tanta força tem não sendo forte,
E prende mais que se de ferro fosse!
Milagre De Amor
Que mimporta, meu amor, a poesia que tanto
te preocupa porque a fiz antes de ti ?
Hoje… para não ver os teus olhos em pranto
por Deus que eu rasgaria os versos que escrevi…Hoje, já não são meus… Como que por encanto
estes poemas que fiz, que sonhei, que vivi,
são estranhos que seguem cantando o meu canto
a falarem de um velho mundo, que esqueci…De repente a mudança é tão grande, é tamanha,
que o passado se esvai numa sombra perdida,
e a minha própria voz soa falsa e estranha…Óh Milagre de Amor… ( Que por louco me tomem!)
Mas sinto uma alma nova em mim… tenho oura vida!!
E um novo coração no peito… e sou outro homem!
Supremo Desejo
Eternas, imortais origens vivas
Da Luz, do Aroma, segredantes vozes
Do mar e luares de contemplativas,
Vagas visões volúpicas, velozes…Aladas alegrias sugestivas
De asa radiante e branca de albornozes,
Tribos gloriosas, fulgidas, altivas,
De condores e de águias e albatrozes…Espiritualizai nos Astros louros,
Do sol entre os clarões imorredouros
Toda esta dor que na minh’alma clama…Quero vê-la subir, ficar cantando
Na chama das Estrelas, dardejando
Nas luminosas sensações da chama.
Baby!
Baby! Sossega a tua voz. Não digas mais
Essas canções do Mundo. Deixa que eu esqueço
Que fui menino ao colo de seus pais.
Deixa! Que o coração em si mesmo o adormeço…Com olhos de criança olho os desiguais
Dias e nuvens, sós, passando, e empalideço…
Canto de Prometeu todo desfeito em ais!
E a vida, a vida até, brinquedo que aborreço…Mundo dos meus enganos como a desventura!
Experiência, – pobre fumo! Anela o meu cabelo
E põe-me o bibe azul e antigo da Ternura…Que a vida, essa Babel desfeita que se embala,
ainda é para mim – criança de Deus, pesadelo
Da infância das fanfarras, fogo de Bengala!
Timidez
Eu sei que é sempre assim, – longe dela imagino
mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor,
perto dela, – meu Deus!… lembro mais um menino
que esquecesse a lição diante do professor…Penso, que a minha voz terá sons de violino
enchendo os seus ouvidos de canções de amor,
– e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for…Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,
eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço…E ficamos assim, ela em silêncio… eu, mudo…
Mas meus olhos, nem sei… ah! Quantas cousas falam!
e seus olhos, seus olhos!… dizem tudo, tudo!
Soneto Italiano
Frescuras das sereias e do orvalho,
Graça dos brancos pes dos pequeninos,
Voz das anhãs cantando pelos sinos,
Rosa mais alta no mais alto galho:De quem me valerei, se não me valho
De ti, que tens a chave dos destinos
Em que arderam meus sonhos cristalinos
Feitos cinza que em pranto ao vento espalho?Também te vi chorar… Também sofreste
A dor de ver secarem pela estrada
As fontes da esperança… E não cedeste!Antes, pobre, despida e trespassada,
Soubeste dar à vida, em que morreste,
Tudo – à vida, que nunca te deu nada!
Vaso Grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.Depois… Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
LXVI
Não te assuste o prodígio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pôs: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:Lágrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres à minha sepultura.
Noturno Do Morro Do Encanto
Este fundo de hotel é um fim de mundo!
Aqui é o silêncio que te voz. O encanto
Que deu nome a este morro, põe no fundo
De cada coisa o seu cativo canto.Ouço o tempo, segundo por segundo.
Urdir a lenta eternidade. Enquanto
Fátima ao pó de estrelas sitibundo
Lança a misericórdia do seu manto.Teu nome é uma lembrança tão antiga,
Que não tem so nem cor, e eu, miserando,
Não sei mais como ouvir, nem como o diga.Falta a morte chegar… Ela me espia
Neste instante talvez, mal suspeitando
Que já morri quando o que eu fui morria.
Soneto Com Estrambote Enviesado
Alfaiate de mim costuro a roupa
que cabe ao figurino que me coube.Só meu verso protege essa amargura
desfiada de dia ao sol veloz,
para à noite tecer nova textura,
novelo de silêncio ao rés da voz.Enxoval construído nessa usura
solitária de andaimes, num retrós
de linha vertical, que se pendura
na pênsil teia atada, fio em fozdesse rio agulha que me costura
ao rendilhado de águas tropicais,
que sabe de saudades no meu cais.Viageiro de uma sanha que me traz
sempre de volta ao tear do meu destino
na seda depressiva me assassino.